A transição digital está em curso, apoiada no extraordinário aumento da capacidade de armazenamento, transmissão e processamento de dados, cuja expansão em quantidade provocou uma alteração de qualidade patente nos desenvolvimentos em torno da IA. O processo exige uma acumulação de recursos – de capital – nunca antes visto na história da humanidade. Por detrás das «clouds», da «web», das «apps», estão gigantescas instalações de servidores, milhões de quilómetros de cabos, incontáveis sistemas de difusão incluindo antenas e satélites, milhões de trabalhadores. Nesta gigantesca acumulação de capital é preciso incluir os minerais e matérias primas que há que produzir, extrair e transformar para construir a infraestrutura e os equipamentos que a utilizarão, e as colossais quantidades de energia que há que gerar para manter o sistema a funcionar. Este grau de concentração e desenvolvimento cria simulta neamente enormes perigos e oportunidades há pouco tempo inimagináveis. As potencialidades são evidentes: desenvolvimento das forças produtivas; aumento da produtividade social do trabalho; a melhoria das condições de vida; melhorias significativas nos serviços públicos (cuidados de saúde, redes de transporte, entre outros); melhoria das condições de trabalho, eliminação de tarefas penosas, diminuição da jornada de trabalho, antecipação da idade de reforma; maior acesso à informação, à cultura, ao lazer e tempos livres. Os perigos estão ligados, por um lado, à apropriação privada destes meios, ao facto de poderem ser usados para intensificar ainda mais os ritmos e a jornada de trabalho, para aumentar a exploração, para aumentar o controlo do poder económico sobre o poder político, para aumentar a censura e o controlo da informação, para colocar em causa a soberania nacional; e, por outro lado, à exclusão de uma parte da população do acesso ao conhecimento científico e tecnológico necessário para compreender os riscos e lidar de forma segura com as tecnologias desenvolvidas a partir de capacidades já existentes. Veja-se o exemplo das plataformas digitais, cujas potencialida- des foram usadas para promover uma crescente precarização dos vínculos laborais, a redução ou estagnação dos salários reais, a intensificação da exploração, o aumento do tempo e dos ritmos de trabalho, a desregulação dos horários, colocando os trabalhadores em situação de total disponibilidade para a empresa e degradando as condições de segurança e saúde. A violação de direitos alarga-se ao uso intrusivo de vigilância electrónica para controlar os movimentos dos trabalhadores e a execução do seu trabalho, quer no interior quer no exterior das empresas, mas também está presente no registo, tratamento e uso ilegítimo de dados pessoais, incluindo informações sobre a saúde e outros aspectos da vida privada. Nos últimos anos reforçaram-se os meios de condicionamento político e ideológico, novos mecanismos de censura estão a ser desenvolvidos, nomeadamente à escala europeia, e abrem-se portas para o fim da neutralidade da rede, permitindo que a circulação dos próprios conteúdos esteja condicionada pela capacidade económica de quem os produz. As bases de dados – até as geradas pela mera utilização da rede – permitem realizar o perfil de cada utilizador e uma gestão personalizada da publicidade e da informação que lhe é dirigida, mas também a ilegal limitação no acesso a empregos ou mesmo a serviços públicos. Entre perigos e potencialidades, assim se encontra o futuro da transição digital.