Elege logo

Programa Eleitoral Legislativas 2024 do Bloco de Esquerda

Índice

Fazer o que nunca foi feito

  • O Governo de maioria absoluta do PS caiu por responsabilidade própria. A instabilidade governativa e a promiscuidade entre a gestão pública e os interesses privados são apenas parte do processo de degradação política. Uma vez alcançado o objetivo da maioria absoluta, o Governo enredou-se na sua incapacidade de resposta aos problemas do país e agravou a crise social em questões determinantes para a vida de quem trabalha.

  • Convocadas as eleições para 10 de março, todas as perguntas apontam para o dia seguinte: quem responde aos bloqueios nos salários, na saúde, na habitação, nas escolas, no ambiente? Que maioria se pode formar? Que medidas concretas poderão sustentar essa maioria? Estas perguntas devem ter resposta. A clareza sobre o dia seguinte é uma condição da escolha informada e uma exigência normal da democracia. O Bloco assume as suas responsabilidades.

  • Portugal precisa de soluções para os problemas criados, mantidos ou agravados pela maioria absoluta. Apresentado o seu programa, o Bloco assume o compromisso da negociação de um acordo de maioria para um programa de governo que faça o que nunca foi feito. O voto no Bloco garante que haverá em Portugal uma maioria comprometida com soluções de esquerda.

  • A mera soma de deputados não faz uma maioria estável. Essa estabilidade deverá resultar de políticas concretas, que invertam e corrijam as escolhas da maioria absoluta em áreas prioritárias. Alguns elementos dessas políticas são os seguintes, que estão no centro do programa do Bloco:

Salários

Aumento real dos salários nos setores público e privado é o mínimo de justiça para quem trabalha, assim como novas regras contra a precariedade são condições essenciais para garantir aos mais jovens um futuro em Portugal e aos mais velhos a tranquilidade depois de uma vida de trabalho. Portugal deve querer ter salários ao nível da Europa, recuperar os mecanismos de contratação e negociação coletiva e reduzir o horário de trabalho.

Habitação

Baixar o preço das casas, dos juros e das rendas, aumentar a oferta pública de habitação e combater a especulação imobiliária - estas são condições para travar o empobrecimento e a expulsão das cidades de quem lá vivia, ou bloqueio à independência dos mais jovens por falta de acesso à habitação.

Cuidados

Construir uma resposta de cuidados dignos para a infância e a velhice, de acesso universal, é condição para combater o empobrecimento das famílias e dar segurança e autonomia às várias gerações.

Saúde

O acesso universal à saúde depende da existência de um serviço público capaz de atender todas as pessoas com a melhor qualidade e no tempo necessário. Garanti- lo requer a reforma do SNS, com mais investimento, melhores condições para atrair e fixar os seus profissionais e com a implantação de novas valências hoje ausentes do SNS.

Educação

A recuperação da escola pública tem de começar por garantir o respeito pela profissão docente, condição de estabilidade e qualificação. A escola tem de ser lugar de menos burocracia e de mais participação. O recrutamento de novos professores só é viável com melhores condições de remuneração e carreira. O reconhecimento de todo o tempo de serviço, agora prometido por quem o recusou, é mesmo para cumprir.

Clima

Em vez de decisões que penalizam quem menos tem (aumento do IUC, portagens no interior) e de facilidades na aplicação de normas ambientais no momento do licenciamento de grandes negócios (extração mineira, agricultura superintensiva) é necessário um programa para a justiça climática, com efetiva redução de emissões e adaptação do território. Um programa industrial, de emprego qualificado e de coesão social e territorial, capaz de alterar padrões de produção, transporte e consumo.

1. Habitação

A estratégia de crescimento económico assente no turismo e no imobiliário provocou uma crise na habitação.

Para baixar os preços das casas, é necessária a intervenção do banco público na quebra dos juros, a fixação de tetos para baixar as rendas, a proibição da venda de casas a não residentes e a limitação do seu desvio para alojamento turístico. O Bloco de Esquerda detalha ainda as medidas de uma reforma fiscal que proteja a habitação.

1.1. A especulação está a tirar-nos as casas

Vivemos num país onde ter um salário não é garantia de ter um teto. A habitação é hoje o principal fator de empobrecimento de quem vive do seu trabalho. Nos últimos três anos, o preço da habitação subiu quatro vezes face aos ganhos das famílias. Na última década, os preços das casas em Portugal aumentaram quase 100% e, no mesmo período, o valor médio mensal da renda disparou 42%.

[Gráfico 1 : evolução dos preços da habitação em Portugal]

A escalada dos juros encheu os cofres dos bancos e esvaziou a conta de quem tem crédito à habitação. Os cinco maiores bancos lucraram 12 milhões por dia nos

primeiros nove meses de 2023, o equivalente a 3300 milhões de euros, extraídos diretamente dos salários que pagam as crescentes prestações do crédito à habitação.

Em 2022, a DECO recebeu 31.500 pedidos de ajuda de famílias que não conseguiam fazer face ao custo de vida e a habitação foi um dos principais motivos: no primeiro semestre de 2023, representou 44% dos pedidos de ajuda.

[Gráfico 2 : evolução das taxas de juro]

Perante este desastre, o Governo do PS, com o apoio da direita, decidiu ainda permitir o maior aumento de rendas dos últimos 30 anos: mais 7% no ano de 2024.

O governo do PS cruzou os braços e deixou o mercado andar por si. Não quis limitar as rendas, tabelar os preços ou colocar os lucros da banca a suportar os aumentos de prestações. O parque habitacional público em Portugal continua nuns residuais 2%.

Para adquirir uma casa ao preço médio praticado em Portugal, alguém que ganhe o salário mínimo precisaria de trabalhar 30 anos sem poder gastar um cêntimo em mais nenhuma despesa. Não admira, por isso, que haja cada vez mais pessoas sem-abrigo, muitas delas com emprego. São mais 10 mil, um aumento de 78% em apenas 4 anos.

Muitos empurrados para a rua pelas rendas proibitivas que se praticam em Portugal, em particular nas grandes cidades.

[Gráfico 3 : evolução dos preços habitação para compra por distrito]

Esta crise tem causas e responsáveis. É preciso identificá-los e combatê-los. Se a especulação nos está a tirar casas, então é preciso tirar as casas das mãos dos especuladores e devolvê-las às pessoas.

1.2. Os responsáveis pela crise na habitação

À Direita tenta-se proteger os especuladores e argumenta-se que a subida de preços se deve à falta de construção. Tudo se resumiria, dizem, a uma questão de oferta e de procura. Este argumento não passa de um ato de fé desmentido pela realidade. Tanto o parque habitacional como o número de famílias a residir em Portugal pouco se alteraram nas últimas décadas. Na verdade, nas grandes cidades, como o Porto e Lisboa, a população regrediu continuamente entre 2001 e 2021.

[Gráfico 4 : evolução do número de alojamentos e de famílias residentes em Portugal]

A escalada histórica dos preços da habitação foi potenciada, primeiro, pelo período de taxas de juro historicamente baixas que tornaram o imobiliário num ativo atrativo pela sua rentabilidade e, depois, pelo processo inflacionista, que aumentou os custos do endividamento. No entanto, se estas são causas transversais a vários países, há elementos que justificam a particular gravidade da situação em Portugal: a promoção do turismo de massas e do turismo habitacional de luxo, com o regime do Residente Não Habitual ou os Vistos Gold; a liberalização do mercado do arrendamento; a proliferação desenfreada do Alojamento Local; ou os incentivos fiscais aos fundos de investimento imobiliário, contribuíram ativamente para fazer subir os preços das casas.

[Gráfico 5: Evolução do número de dormidas: Porto, Lisboa, Algarve e Portugal]

Cada vez mais detentores de capital, sem qualquer intenção de algum dia virem viver para Portugal, compram e vendem as nossas casas. Usam-nas como ativos financeiros. O seu único propósito é inflacionar os preços e vender com lucro.

[Gráfico 6 : investimento direto estrangeiro imobiliário em Portugal]

Depois de criada a tempestade perfeita, o PS recusou-se a aplicar qualquer medida estrutural capaz de alterar as condições do mercado imobiliário. Os benefícios fiscais ao arrendamento mostraram-se ineficazes e os apoios às rendas, embora necessários, se não forem acompanhados de medidas para baixar os preços, têm como consequência retroalimentar o processo de inflação imobiliária. É uma abordagem tão liberal quanto a dos liberais.

Como a realidade mostra, as razões liberais não explicam a escalada dos preços, pelo que as suas políticas também não resolverão o problema. São precisas medidas capazes de combater a especulação, baixar os preços, devolver a habitação às pessoas e aumentar o parque público habitacional. O controle de rendas é uma medida de proteção da habitação já aplicada ou em processo de aplicação em muitos outros países.

O crime perfeito: como o governo colocou Portugal no pódio dos países mais caros da Europa.

As medidas para elevar o preço da habitação foram meticulosas e insistentes: Vistos Gold: entre outubro de 2012 e janeiro de 2023 foram concedidos 11628 vistos gold, que abrangem 18692 pessoas, com investimentos na quase totalidade em imobiliário, o que sobe os preços.

Alojamento Local: os cem mil alojamentos locais foi ultrapassado e, com a construção de hotéis (mais 67 em 2023), reduz o espaço para habitação e inflaciona os preços. Benefícios fiscais a fundos de investimento imobiliário: incentiva a compra de habitação e a sua transformação em alojamento local ou outras formas de residência turística. Sobe os preços e são os contribuintes quem paga. IRS mínimo para residentes não habituais: em 2022, já eram 74258 pessoas a beneficiar de IRS de 10% (reformados) ou de 20% (trabalhadores), com um custo fiscal acima dos 1500 milhões de euros. Esse número disparou em 2023 e, como o governo deu mais um ano de inscrição no sistema, em 2024 ainda crescerá mais: serão mais de cem mil pessoas que pagam muito menos do que os contribuintes portugueses com os mesmos rendimentos e que, assim, podem comprar casas caras com os benefícios que o Estado lhes oferece. Até ao fim do regime em 2034, se não for de novo estendido, a nova despesa fiscal ultrapassará os 20 mil milhões de euros – muito mais do que o total do PRR. E os preços das habitações sobem, com os contribuintes a pagarem um subsídio para que estes privilegiados comprem habitações caras.

1.3. Propostas para baixar os preços das casas

Controlar as rendas Criar tetos máximos para rendas inferiores aos valores definidos na Portaria n.º 277- A/2010, de 21 de maio, tendo em consideração variáveis como: área do imóvel, qualidade do alojamento, certificação energética, localização e tipologia. Esta medida deve ser combinada com a limitação da atualização legal das rendas considerando a evolução do poder de compra.

Subsídio à renda No imediato, devem ser aplicados apoios ao pagamento de rendas, acompanhados de medidas que aumentem a disponibilidade de casas, que impeçam rendas especulativas e garantam estabilidade do arrendamento.

Controle de rendas, uma medida sensata Pelo menos treze países da União Europeia estabeleceram mecanismos de controle de rendas. É também o caso do Reino Unido, da Noruega e da Suíça. As medidas são variadas e incluem a determinação de um valor inicial para a renda (dependente de requisitos específicos) e a limitação ou proibição de aumento das rendas. No que diz respeito aos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), 23 impõem regulação a aumentos durante a duração do contrato e em treze existe algum tipo de regulação do valor inicial.

Baixar os juros A Caixa Geral de Depósitos é um banco de capital inteiramente público que apresenta, neste momento, dos melhores rácios de capital entre os bancos da Europa. Apesar disso, a CGD tem beneficiado do aumento dos juros, adotando políticas de mercado que em nada se distinguem dos seus concorrentes. Como resultado, os seus lucros aumentar 40% só nos primeiros nove meses de 2023, para 987 milhões de euros. O banco público deve utilizar a sua posição dominante no mercado do crédito à habitação para aplicar uma política de juros baixos, que leve a uma redução generalizada do custo dos empréstimos à habitação própria e permanente.

Contribuição bancária para financiar políticas públicas de habitação Tendo em conta o aumento dos lucros dos bancos associado à atual política de juros, o Bloco defende o aumento da contribuição sobre o setor bancário criada em 2011. Em vez de reverter para o Fundo de Resolução, a parcela correspondente ao aumento deve constituir receita geral do orçamento do Estado destinada a financiar políticas de habitação.

1.4. Aumentar a oferta de habitação

Portugal é um dos países da Europa com menor oferta de habitação pública e o Governo falhou todas as suas promessas para a aumentar. Por outro lado, as casas disponíveis estão a ser afetas a outros fins, como o turismo, o turismo residencial de luxo, a obtenção de vistos gold e a especulação financeira, sem qualquer tipo de controlo ou limites. O Governo falhou na oferta de habitação pública.

[Gráfico 7 : Percentagem de habitação pública]

Este é um dos problemas estruturais da habitação em Portugal a que o governo do PS só respondeu com anúncios, promessas e, passado o prazo auto imposto para a sua realização, incumprimento. Prometeu resolver as carências habitacionais identificadas no Levantamento Nacional de Necessidades de Realojamento Habitacional até ao 50.º aniversário do 25 de Abril. Até final de 2023 apenas 2,4% estava concretizado. Prometeu 170 mil novos fogos a custos controlados e em 2023 reviu essa promessa em baixa para apenas 4% do objetivo: 6.800 fogos. Foram anos de maioria absoluta para um falhanço absoluto.

As propostas do Bloco para aumentar a oferta de habitação: 25% da nova construção para habitação acessível.

Com esta medida será afetada uma quota de 25% do produto de obras de construção, reconstrução, ampliação e alteração ou de operações de loteamento ou operações urbanísticas para habitação a arrendar sob o regime de renda condicionada, aumentando assim a habitação acessível e reduzindo o valor global das rendas.

Construção pública de novos alojamentos destinados ao arrendamento a custos acessíveis, integrados na malha urbana e evitando a reprodução de guetos;

Mobilização imediata de edifícios públicos devolutos ou sem utilização para habitação a custos acessíveis;

Uso de instrumentos da política de solos - posse administrativa - para conversão de edifícios habitacionais devolutos em habitação a custos controlados;

Reforço do IHRU e criação de um Serviço Nacional de Habitação Com orçamento e programação plurianual para aumentar a provisão, organização e manutenção de habitação pública.

Proibir a venda de casas a não residentes Perante a gravidade da crise da habitação é necessário tomar medidas que garantam que as casas disponíveis são efetivamente utilizadas para fins habitacionais. A entrada de não residentes que, aqui não desejando viver, pretendem apenas adquirir um ativo financeiro ou bem de luxo cria enormes pressões no mercado habitacional. Trata-se de uma procura praticamente ilimitada, com um poder de compra inesgotável, que inflaciona o preço dos imóveis, como foi já reconhecido pelo Banco de Portugal. Assim, o Bloco propõe a proibição da venda de casas a não residentes, salvaguardando naturalmente o direito de aquisição de imóveis a portugueses residentes no estrangeiro, bem como a estrangeiros residentes em Portugal e transações de imóveis em territórios de baixa densidade. No Canadá, o governo do Partido Liberal proibiu a venda de edifícios residenciais a estrangeiros, medida que já tinha sido aplicada na Nova Zelândia e que, recentemente, poderá ser também uma realidade nas ilhas de Ibiza, Maiorca e Menorca.

Moratória a novos empreendimentos turísticos Suspensão da emissão de títulos para novos empreendimentos turísticos nas zonas de pressão habitacional até 2030.

Limitação do Alojamento Local

O Alojamento Local deve estar sujeito a quotas máximas, estabelecidas em cada freguesia, que respeitem a função primordial das imobiliário habitacional: a habitação.

O Bloco propõe:

  • Imposição, em cada freguesia, de um máximo de 5% de fogos dedicados ao Alojamento Local;

  • Fixação do prazo de dois anos para as licenças de Alojamento Local, renováveis por períodos iguais, até ao cumprimento dos rácios fixados, não podendo ser renovadas licenças que resultem na violação desses rácios. Na renovação das licenças, têm prioridade os titulares que possuam, direta ou indiretamente, apenas um registo de AL;

Um novo hotel a cada cinco dias

Em 2022 Portugal tornou-se o quarto país da Europa com mais projetos de hotéis, a maioria dos quais em Lisboa, no Porto e no Algarve. Até 2024 os promotores consideram que vão abrir mais 115 hotéis em Portugal. O resultado é claro: em 2024 vai nascer um novo hotel a cada cinco dias em Portugal.

Um artigo recente do Jornal A Mensagem de Lisboa resumia a saturação a que Lisboa chegou: "A Baixa conta, atualmente, com 31 hotéis, 1411 quartos e mais unidades de Alojamento Local (AL) do que residentes. São 977 unidades de AL para 969 residentes no perímetro da Baixa Pombalina. Os dados são do Turismo de Portugal e do Censos 2021, filtrados para um perímetro que considera a planta ortogonal da Baixa Pombalina."

Restrições ao AL por todo o mundo

São várias as cidades do mundo que impuseram restrições para travar a expansão descontrolada do Alojamento Local. Estas restrições são de vários tipos. Cidades como Viena, Paris, Barcelona, Berlim, Munique, Amesterdão, Londres, Nova Iorque, São Francisco, Montreal e Vancouver adotaram uma restrição qualitativa, onde limitam o número de dias por ano que as propriedades podem ser alugadas ou o número máximo de hóspedes simultâneos. Algumas cidades optaram por restrições de localização ou densidade, ou seja, limitam o alojamento local a áreas específicas ou a partir de determinado limiar de pressão, é o que acontece em Florença e Roma e está em discussão o seu alargamento a outras cidades de Itália.

1.5. Uma reforma fiscal para proteger a habitação

O atual sistema fiscal mantém benefícios injustificados à especulação imobiliária e incentivos ao aumento do preço das casas, em detrimento da proteção da casa própria. As propostas do Bloco de Esquerda visam corrigir este desequilíbrio, eliminando benefícios fiscais injustificados e baixando os impostos sobre a casa de habitação própria.

  • Alargamento da Isenção de IMI de 3 para 8 anos. Aumentar o período de isenção em sede de IMI para os imóveis que se destinem à habitação própria e permanente, aplicável a prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (VPT) não exceda (euro) 125 000, e cujo rendimento bruto total do agregado familiar, no ano anterior, não seja superior a 153 300 (euro).

  • Redução em 50% das taxas de IMT na compra de habitação própria e permanente, compensada por um aumento equivalente nas taxas aplicáveis a habitações secundárias;

  • Eliminação das isenções e benefícios fiscais em sede de IRC, IMT e IMI a fundos de investimento imobiliário;

  • Limitar os atuais benefícios fiscais em sede de IMT e IMI apenas a operações de reabilitação que se destinem a habitação própria e permanente;

  • Novo regime de tributação das mais-valias imobiliárias em IRS e IRC que beneficie as operações normais de reabilitação, taxando mais as operações especulativas e de rotação de imóveis para ganhos de curto prazo;

  • Criação de mecanismo de mutualização e repartição da receita da IMT pelos municípios de forma a quebrar o atual vínculo entre especulação imobiliária e receita autárquica. Para cada município, o valor acima da média dos últimos dez anos de cobrança do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) reverte para um fundo de mutualização municipal. As verbas do fundo de mutualização municipal são integralmente atribuídas, a cada ano, aos municípios de acordo com as mesmas regras de distribuição do Fundo de Coesão Municipal como definido no Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro).

  • Fim do regime do residente não habitual, com aplicação imediata para novos requerentes e cessação dos seus efeitos para os atuais beneficiários.

1.6. Trazer estabilidade ao arrendamento

A chamada ‘Lei Cristas’, herança do último Governo PSD/CDS, promoveu o aumento de rendas e facilitou os despejos. Na oposição, António Costa acusou esta lei de ameaçar os inquilinos. No Governo, recusou-se a revogá-la. Manteve-a em vigor, com o mesmo efeito que tinha denunciado, e a lei promoveu a insegurança dos inquilinos. Nos últimos anos, o Governo contribuiu para o aprofundamento da selva na habitação que desprotege todas as pessoas que não são proprietárias de imóveis ou que suportam um crédito à habitação.

Só no primeiro semestre de 2023, deram entrada 1500 requerimentos de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento, um aumento de 22% em relação ao ano anterior. Para além destes existem inúmeras situações, algumas relatadas publicamente, em que senhorios alegam obras de requalificação para antecipar o fim de contratos ou em que simplesmente manifestam a intenção de não renovação, não por qualquer incumprimento do inquilino, mas porque simplesmente querem colocar a casa no mercado com uma renda substancialmente superior.

Estas práticas são cada vez mais frequentes e têm sempre a mesma consequência: retiram tetos às famílias e aumentam os preços praticados.

Os inquilinos, assim como os titulares de crédito à habitação, têm de ser protegidos, seja da ganância de alguns senhorios, seja da ganância da banca. O direito à habitação deve prevalecer sempre.

Propostas do Bloco de Esquerda

  • Revogar a Lei Cristas que veio facilitar os despejos;

  • Reintrodução do prazo mínimo de 5 anos para contratos de arrendamento;

  • Combater os despejos, garantindo alternativa habitacional e que todos os processos de despejo são acompanhados de relatório social, havendo suspensão do despejo até estas duas condicionantes serem cumpridas;

  • Regularização dos contratos de arrendamento informais, com garantia de que o processo de regularização se executa sem a ameaça de despejo;

  • Consagração da “dação em cumprimento”, garantindo que a entrega da casa ao banco extingue a dívida associada;

  • Consagração da impenhorabilidade de casa própria e permanente/morada de família;

  • Inclusão da caução no apoio do programa Porta 65.

2. Saúde

Ao recusar medidas eficazes de recrutamento e retenção de profissionais, o governo da maioria absoluta tornou o SNS um projeto a prazo, feito de espera em vez de acesso e de encerramentos em vez de garantia.

O Bloco define as condições para a salvaguarda das carreiras de Saúde e para o investimento que assegure os meios próprios do SNS, reduzindo o desperdício com o recurso a privados, reforçando os cuidados primários e resolvendo as lacunas nas áreas da saúde oral ou mental.

2.1. O SNS é vítima do desgoverno do PS

Cada vez mais pessoas sem equipa de saúde familiar, listas de espera a crescer, maternidades e urgências constantemente encerradas, um clima de conflito contra os profissionais do SNS, saúde cada vez mais cara para quem dela precisa e mais dificuldade em comprar medicamentos. Em suma: a desestruturação do serviço público de saúde, que urge parar. Temos de reconstruir um SNS de acesso universal e de qualidade.

Em apenas dois anos de maioria absoluta, o número de utentes sem médico de família aumentou 50%, ultrapassando a fasquia dos 1,7 milhões. Nos hospitais, continuou a aumentar a espera para consulta e cirurgia, apesar de os profissionais tudo terem feito para recuperar a atividade assistencial.

[Gráfico 8 : evolução do número de utentes sem médico de família]

Fonte: SNS Transparência.

Em novembro de 2023, existiam mais de 258 mil pessoas a aguardar por uma cirurgia, ou seja, mais 24% do que no final de 2021. A lista de espera por uma consulta hospitalar também aumentou: no final de 2022 existiam 583 mil pedidos de consulta por realizar, mais 11% do que em 2021. Durante o ano de 2023, mais de metade das primeiras consultas foram realizadas após o tempo clinicamente aceitável (50,1%).

[Gráfico 9 : doentes inscritos a aguardar cirurgia]

Fonte: SNS Transparência

[Gráfico 10 : percentagem de 1ªs consultas realizadas em tempo adequado]

Fonte: SNS Transparência.

A isto somaram-se os constantes encerramentos de maternidades, urgências obstétricas, urgências pediátricas, urgências cirúrgicas e camas de internamento, além dos condicionamentos de várias Vias Verde AVC. Houve momentos em que estiveram 30 ou mais urgências encerradas ou com fortes constrangimentos.

2.2. Faltam profissionais e soluções, sobra o negócio que parasita o SNS

Faltam milhares de trabalhadores no SNS. A prova está no número de horas extraordinárias que são exigidas a médicos e outros profissionais ou no facto de termos 7,4 enfermeiros por mil habitantes, enquanto a média europeia é de 8,5 – faltam-nos mais de dez mil enfermeiros no SNS.

O Governo, em vez de contratar e melhorar carreiras e remunerações, em vez de avançar para a exclusividade, institucionalizou e tornou definitivos os encerramentos de urgências e de maternidades. Em vez de reforçar o SNS com trabalhadores, preferiu fechar a porta de serviços. Preferiu gastar cada vez mais com tarefeiros, com contratação de serviços externos, com horas extraordinárias abusivas que colocam em causa a segurança de utentes e de profissionais. Forçou o encerramento da maternidade do maior hospital do país, num processo que levou à destruição da sua equipa de obstetrícia.

Em 2023, tendo em conta os valores registados até agosto, as horas extraordinárias realizadas por médicos e enfermeiros representarão mais de 450 milhões de euros. Se a isto somarmos 170 milhões gastos com tarefeiros, chegamos a um valor que daria para contratar mais de 16 mil profissionais para o SNS. Ainda assim, o Governo prefere, em vez de contratar e reforçar o SNS, sobrecarregar os profissionais com horas extra e recorrer sistematicamente a prestações de serviços.

Enquanto encerrava as portas do SNS, o Ministro da Saúde abria as portas ao lóbi privado. Incluiu maternidades privadas no plano “Nascer em Segurança”, admitiu a entrega de cuidados de saúde primários a entidades exteriores ao SNS e transferiu milhares de milhões do Orçamento do SNS para o negócio privado, descapitalizando o primeiro e enriquecendo o segundo.

Só o Orçamento do Estado para 2024, o último da maioria absoluta do PS, prevê mais de 5.000 milhões de euros para Serviços Externos.

Tabela 1 - Gastos com Fornecimentos e Serviços Externos (em milhões de €)

Tabela 2 - Gastos com Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (em milhões de €)

Tabela 3 - Gastos com tarefeiros (em milhões de €)

A saúde materno-infantil foi descurada e os direitos das mulheres não têm sido assegurados, seja no acesso à Interrupção Voluntária de Gravidez seja no acesso à Procriação Medicamente Assistida. A inoperacionalidade das ambulâncias do INEM é uma constante e aumentou o tempo de resposta a emergências. A falta de recursos humanos e de materiais leva os profissionais a apresentarem escusa de responsabilidade, voltaram os doentes em maca nos corredores dos hospitais e metade dos casos de doença mental não são atendidos nos prazos recomendados.

Perante a insuficiência de resposta do SNS, aumentam as despesas de saúde da população. Em 2021, a despesa direta das famílias com saúde foi de quase 7 mil milhões, o valor mais alto de sempre. Gastamos em saúde 5,2% do orçamento familiar, quando a média da OCDE se situa nos 3,3%.

[Gráfico 11 : peso das despesas em saúde no orçamento familiar]

Fonte: Health at a Glance 2023

Em Portugal, 10% das famílias dizem ter abdicado de medicamentos prescritos por falta de dinheiro, um valor que dispara para 50% no caso das famílias com menores rendimentos. Somos também o país da OCDE onde mais pessoas dizem não conseguir satisfazer as suas necessidades de saúde oral.

[Gráfico 12 : necessidades não satisfeitas na saúde oral]

Fonte: Health at a Glance 2023

2.3. Objetivo: reconstruir o SNS

Médico e equipa de família para todas as pessoas na próxima legislatura Portugal não consegue atribuir médico de família a todas as pessoas porque o PS se recusou a criar as regras que permitam reter as centenas de especialistas formados no SNS e conter a saída de profissionais.

Para atingir estes objetivos, o Bloco propõe:

  • Criação de regime de exclusividade, com majoração de 40% sobre o salário, sem prejuízo de suplementos previstos na lei, e de 50% nos pontos para progressão na carreira;

  • Alargamento das zonas carenciadas e dos incentivos associados, nomeadamente, através da criação de um apoio que cubra as despesas com habitação;

  • Estabelecimento de um enfermeiro de referência para cada família e da revisão do quadro de competências e atribuições destes profissionais, permitindo libertar médicos de família de algumas funções que os enfermeiros podem e têm capacidade para desempenhar;

  • Introdução de Técnicos Auxiliares de Saúde nas equipas de saúde familiar, para apoio às atividades de enfermagem, nomeadamente para reforço dos cuidados domiciliários preventivos, de reabilitação e paliativos e apoio/capacitação de cuidadores informais, em articulação com unidades de cuidados na comunidade.

Consultas e cirurgias a tempo e horas Contratar, fixar onde é mais necessário e libertar tempo dos profissionais para consultas e cirurgias garantirá a diminuição drástica de listas e tempos de espera. O objetivo do Bloco de Esquerda é este: que todas as consultas e cirurgias se realizem a tempo e horas.

  • Abertura imediata de concursos para contratação em todas as unidades de saúde onde existam horas extraordinárias anuais que superem o limite legal ou onde a falta de profissionais resulta em tempos de espera acima do recomendado;

  • Revisão e alargamento dos apoios à fixação em zonas carenciadas, nomeadamente, através da cobertura de despesas com habitação;

  • Redução para as 12h do horário semanal de urgência exigido aos médicos, libertando o restante tempo para consultas e cirurgias;

  • Desburocratização dos processos e de carga administrativa, libertando tempo para atividades clínicas, nomeadamente, através da contratação de técnicos administrativos.

  • Descentralização de cuidados de saúde como pediatria, ginecologia/obstetrícia, oftalmologia, dermatologia, entre outros, situando-os mais próximos das populações;

  • Tornar o SNS capaz de responder a uma população envelhecida e com crescentes necessidades de acesso à saúde exige a criação de portas de entrada para as especialidades hospitalares e de protocolos de acompanhamento dos utentes entre os diversos níveis de cuidados de saúde, a par do reforço dos cuidados de saúde primários.

Exames na hora certa, dentro do SNS Porque muitos exames não são realizados no SNS, o utente tem de passar por procedimentos mais morosos e desgastantes. É possível tornar este processo mais rápido e simples.

  • Aproveitamento da capacidade hospitalar instalada e integração de respostas entre centros de saúde e hospitais, para realização dos exames prescritos pelo médico de família no próprio dia ou num prazo muito curto;

  • Equipar os centros de saúde com os recursos necessários para a colheita de amostras biológicas e com meios complementares de diagnóstico, nomeadamente raio X e eletrocardiograma;

  • Criação de uma rede pública de Centros de Diagnóstico e Terapêutica;

  • Contratação de técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica para os cuidados hospitalares, centros de saúde e Centros de Diagnóstico.

A situação da medicina dentária e da psicologia em Portugal mostra como a saúde não pode ser deixada ao mercado. Se queremos que ela seja mesmo um direito ela deve ser pública, universal e gratuita. Ou seja, integrada no SNS.

Apesar de, em Portugal, existir um médico dentista por 846 habitantes (um rácio bem acima dos 1500-2000 recomendados pela OMS) o acesso a cuidados de saúde oral continua a ser difícil. Para muitas pessoas é mesmo impossível. Segundo o Barómetro da Saúde Oral 2022, 20% da população só vai ao dentista em situação de urgência e 5% nunca foi. Esta percentagem sobe muito se olharmos para os estratos com menores rendimentos (13% dizem nunca ter ido ao dentista). Das pessoas que disseram nunca ir ao dentista ou ir menos de 1 vez por ano, 29,5% disseram não o fazer por falta de dinheiro.

A situação da psicologia não é muito diferente. Existem cerca de 25 mil psicólogos em Portugal, um para 400 habitantes. No entanto, a maior parte das pessoas não consegue aceder a cuidados psicológicos porque eles escasseiam no SNS e fora do SNS são uma despesa impossível de suportar. Enquanto isso, somos dos países com maior percentagem de problemas de saúde mental e que mais psicofármacos consome, em média.

Quando o mercado está ao comando, podem existir os profissionais para garantir uma cobertura universal, mas a população não acede a esses cuidados de saúde.

  • Contratar médicos dentistas em número suficiente para garantir, nos centros de saúde, um médico dentista por 25 mil habitantes e, no caso de concelhos mais pequenos ou de territórios de baixa densidade populacional, um médico dentista para populações entre 10 mil e 25 mil habitantes;

  • Criar a carreira de médico dentista no Serviço Nacional de Saúde;

  • Contratar psicólogos em número suficiente para garantir, nos centros de saúde, um psicólogo por 5 mil habitantes e colocar todos os psicólogos no SNS na carreira de Técnico Superior de Saúde ou outra que lhe venha a suceder.

  • Contratar profissionais para colocar em funcionamento uma equipa comunitária de saúde mental por cada 50 a 100 mil habitantes;

  • Contratar nutricionistas em número suficiente para garantir, nos centros de saúde, o rácio mínimo de um nutricionista por 12 mil habitantes, possibilitando assim o acesso a consultas de nutrição a utentes com diabetes, hipertensão e outros quadros clínicos que beneficiem de planos nutricionais próprios.

Comparticipação de medicamentos, óculos e aparelhos auditivos

O Bloco quer que o direito à saúde seja cumprido em pleno. Isso significa o direito de aceder a todas as terapêuticas e produtos essenciais.

  • Comparticipação pelo escalão A, correspondente a 90%, de todos os medicamentos prescritos a pessoas com doença crónica ou pluripatologia, sem prejuízo de regimes especiais e excecionais mais favoráveis;

  • Comparticipação a 100% de medicamentos para pessoas com rendimento inferior ao SMN (em 2024: €11.480 anuais).

  • Comparticipação do Estado para a aquisição de óculos e lentes, aparelhos auditivos e próteses dentárias prescritas a beneficiários do SNS, fixada entre os 50% e os 90% do PVP negociado e fixado, sendo essa comparticipação majorada para 100% na situação de pessoas cujo rendimento total anual seja inferior ao salário mínimo (em 2024: €11.480).

  • Comparticipação a 100% da nutrição entérica prescrita, distribuição gratuita dos novos dispositivos semi-automáticos de insulina a todas as crianças e jovens com diabetes tipo 1, assim como a adultos com critério clínico, e comparticipação de fármacos para a obesidade;

  • Combate ao desperdício de medicamentos não utilizados, promovendo programas de reutilização segura e repensando o atual formato de comercialização em embalagens, adotando mecanismos de unidose. 2.4. Só é possível mais SNS se cuidarmos dos seus profissionais

A crise que o SNS vive hoje tem as suas raízes nas condições de trabalho dos profissionais, que o Governo do PS se recusou a transformar, valorizar e proteger. No SNS aufere-se salários baixos, quando comparados com outros países, e trabalha-se horas extraordinárias que ultrapassam em muito o limite legal.

[Gráfico 13 : remuneração das e dos enfermeiros em Portugal]

Fonte: Health at a Glance 2023.

[Gráfico 14 : remuneração das e dos médicos em Portugal]

Fonte: Health at a Glance 2023.

As propostas do PS não resolvem o problema. Aos médicos são propostas mais horas extraordinárias, e para os enfermeiros insiste-se numa carreira com salários líquidos perto de 1000 euros. Os farmacêuticos perdem poder de compra há vinte anos, mas não conseguem uma reunião com o Governo. Os poucos médicos dentistas no SNS passam anos a recibos verdes. Os técnicos auxiliares de saúde e os técnicos de emergência pré-hospitalar continuam a ganhar um salário próximo do mínimo. Os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica continuam à espera que o governo cumpra a lei e aplique as alterações de carreira que o Parlamento aprovou; muitos psicólogos permanecem sem carreira própria e a ganhar menos 400 euros do que deveriam.

Não surpreende, por isso, que cada vez mais profissionais ponderem sair do SNS, ou que os concursos fiquem desertos, como aconteceu com o de dezembro de 2023, a que se apresentaram apenas 143 profissionais para 900 vagas para médicos de família.

É tempo de ouvir os profissionais e melhorar as condições de trabalho e de vida de quem faz o Serviço Nacional de Saúde.

Exclusividade a sério: O governo fala de ‘dedicação plena’, mas é apenas propaganda para maquilhar um regime em que os médicos do SNS trabalhem mais horas extraordinárias em troca de mais alguma remuneração. Portanto, nada do que é necessário. Um verdadeiro regime de exclusividade tem de ser aplicável a todos os trabalhadores, com majoração de 40% do salário e com outros incentivos associados.

Revisão de todas as carreiras e posições remuneratórias: Todas as carreiras da saúde devem ser revistas no prazo de um ano, de forma a aumentar todos os salários em pelo menos três posições remuneratórias, num valor mínimo de 150 euros; instituição de progressões automáticas, sem quotas e sem concursos, e reposição de todos os pontos sonegados aos trabalhadores do SNS.

Estatuto de risco e penosidade com medidas como suplemento remuneratório, mecanismos para uma mais rápida progressão de carreira, majoração de dias de descanso por anos de trabalho, redução da carga horária semanal por anos de trabalho e a antecipação da idade de reforma sem penalização. Diversificação e

formalização de atividades dos profissionais do SNS, através da criação dos estatutos de profissional-doutorando, investigador e docente com tempo dedicado a estas atividades.

Registo nacional de profissionais de saúde, por setor e instituição, que permita mapear necessidades de formação (inicial e de aperfeiçoamento ou especialização) e de contratação de recursos humanos, para a definição de um quadro de investimento plurianual baseado nas necessidades reais do SNS e do país.

2.5. Investir no SNS, combater o negócio da saúde O PS tem afirmado que está a aumentar o orçamento do SNS. A verdade é que:

  • mais de 5 mil milhões do orçamento do SNS são desviados todos os anos para financiar o setor privado;

  • o investimento prometido nunca foi concretizado;

  • o SNS continua estrangulado pelos vetos de gaveta e em orçamentos que não chegam para as necessidades.

Enquanto 1 em cada 3 euros do orçamento do SNS vai para contratar serviços externos, o investimento, sempre em mínimos, continua por concretizar, deixando o SNS sem dinheiro nos últimos meses do ano. Face à suborçamentação, o Ministério das Finanças adia autorizações para investimentos, altera unilateralmente planos de atividades de hospitais e corta nos seus mapas de pessoal.

Tabela 4 - [Execução do investimento previsto na Saúde]

Tabela 5 - [Défice e suborçamentação do SNS]

Fonte: CFP; ACSS. *valor previsto no OE 2023

Durante a pandemia, o governo acordou pagar aos hospitais privados até 8.400€ por cada doente com Covid, aceitou a cartelização dos preços dos testes e contribuiu para engrossar os lucros dos grupos de laboratórios privados. Mais recentemente,enquanto encerrava maternidades e urgências a um ritmo semanal, o Governo decidiu pagar até 3 mil euros por parto realizado no privado. A maior parte dos exames realizados em ambulatório são convencionados (700 milhões de euros em 2022) e a diálise em Portugal está nas mãos de três grupos económicos a quem o SNS paga mais de 200 milhões por ano. Ao longo dos anos, o SNS encerrou camas para que o privado as abrisse e depois vendesse internamentos ao setor público.

[Gráfico 15 : evolução número de camas de internamento no público e no privado]

Fonte: INE, Dia Mundial da Saúde 2023

O SNS podia e devia fazer mais diálise e mais exames; ter capacidade para realizar todos os partos e responder, sem dificuldades, às necessidades de saúde da população. Mas isso não garantiria o negócio. Por isso o Governo não quis investir em equipamentos e internalizar procedimentos.

As coisas não aconteceram por acaso. Foram deliberadas. E os resultados estão aí: só a Luz Saúde, a CUF e a Lusíadas Saúde tiveram, em 2022, rendimentos de mais de 1.300 milhões de euros. A CUF aumentou os seus lucros, no primeiro semestre de 2023, em mais de 60%. Ao mesmo tempo, o SNS continua à míngua, sem capacidade de investir, sem melhorar as remunerações dos seus trabalhadores, sem autonomia e agilidade para contratar e investir o que necessita, quando necessita.

O negócio da saúde é também o que está a dar cabo da nossa Saúde. Combater a facilitação de um negócio que desvia o orçamento do SNS é fundamental para termos mais e melhores cuidados de saúde para todas e para todos.

Medidas para financiar o SNS

  • Adequar o Orçamento do SNS às reais necessidades da população. Para isso, as instituições do SNS – hospitais, centros de saúde, INEM, etc. – devem comunicar as suas necessidades previstas orçamentais, de investimento e de pessoal, e o orçamento do SNS do ano subsequente deve corresponder às necessidades identificadas.

  • Autonomia e responsabilização das administrações das unidades do SNS que permitam resposta adequada e em tempo útil às necessidades de cada momento.

  • Criar um plano plurianual de investimentos associado a uma carta nacional de equipamentos de saúde, com dotação própria, que permita combater a obsolescência tecnológica pela renovação e aquisição de novos equipamentos.

  • Excluir o SNS da aplicação da Lei dos Compromissos.

  • Integração no SNS dos hospitais que o governo PSD/CDS entregou (e que o PS manteve) à gestão das Santas Casas da Misericórdia (Serpa, Anadia e Fafe).

  • Revogar o decreto-lei que regula as parcerias de gestão na área da saúde e abre portas a novas parcerias público-privado no SNS, da legislação que permite a privatização dos cuidados de saúde primários através das USF-C e do decreto-lei que cria as novas ULS, que concentra recursos e afasta os serviços das populações.

  • Gestão democrática das unidades de saúde.

Para regular o funcionamento do setor privado Regular a publicidade em saúde, criando novas regras que limitem o estímulo ao consumo de cuidados e produtos que não tenham vantagens demonstradas em saúde e reforçando os meios de fiscalização da mesma; Legislar e regular produtos como planos e cartões de saúde; Proibir as seguradoras e instituições privadas de interromperem internamentos ou tratamentos vitais iniciados em unidades de saúde privadas ou do setor social, por razão de insuficiência económica; Forçar as unidades de saúde privadas e seguradoras a ressarcir o SNS dos recursos gastos com doentes que sejam transferidos para unidades públicas a meio de um internamento ou tratamento vital, ou quando a transferência decorre de complicação de tratamento ou procedimento iniciado na unidade privada. Fazer depender o licenciamento de unidades privadas de autorização do Ministério da Saúde e tendo em conta a já existente oferta pública. Obrigar as unidades privadas à publicação anual de indicadores de resultados clínicos, nomeadamente: inventário anual de doentes tratados e respetivas patologias, procedimentos e tratamentos realizados, mortalidade, taxa de internamentos, taxa de complicações e infeções hospitalares. Auditoria dos preços praticados e padrões de prestação de cuidados de saúde pelas unidades de saúde privadas, nomeadamente sobre a utilização de meios complementares de diagnóstico e terapêuticas/tratamentos.

Para que o país não fique refém da indústria farmacêutica

  • Colocar o Laboratório Nacional do Medicamento a produzir medicamentos que registem faltas persistentes e rupturas.

  • Articular a investigação feita nas universidades e nos laboratórios públicos com o Laboratório Nacional do Medicamento, no sentido de produzir e disponibilizar à população novos medicamentos e terapêuticas.

  • Exigir à indústria farmacêutica transparência na formação de preços e proteger os medicamentos como bem público que deve ser acessível a todas as pessoas.

  • Aumentar a utilização de genéricos e biossimilares e fazer com que as embalagens comercializadas coloquem em destaque a denominação comum internacional em vez da marca comercial.

  • Promover a revisão e renegociação centralizada dos contratos de aquisição de materiais e dispositivos médicos de elevado volume de utilização a nível nacional procurando a redução de despesa das unidades de saúde.

As PPP foram prejudiciais aos utentes

Dizem os liberais, toda a direita e parte do PS que as Parcerias Público Privado da saúde foram uma gestão eficiente e que beneficiava as pessoas. Há portanto uma história neste favorecimento. O PSD e o PS favoreceram a entrega de hospitais públicos ao privado. Em 1995 Cavaco Silva deu o Amadora-Sintra ao grupo Mello, iniciando processos rocambolescos que levaram ao fim do contrato em 2009. O governo PS de 2001 propôs entregar dez hospitais, primeiro Loures, Cascais, Braga, Vila Franca e Sintra, depois Évora, Gaia, Póvoa do Varzim, Algarve e Guarda.

Luís Filipe Pereira, funcionário do grupo Mello, enquanto ministro da saúde do governo PSD/CDS, deu o hospital de Loures ao seu antigo grupo. O contrato foi depois anulado e o hospital foi entregue ao grupo chinês Fosun. Quanto aos resultados destas operações, basta ler os relatórios oficiais. Afirma o Tribunal de Contas em 2009: “o programa de PPP ainda não deu origem a qualquer processo de contratação completo, pondo em causa a credibilidade do programa”. Em 2013, O Tribunal insistiu: “ainda não existem evidências que permitam confirmar que a opção pelo modelo PPP gera valor acrescentado face ao modelo de contratação tradicional”. Escreveu a Entidade Reguladora da Saúde em 2016 : “não foi possível identificar diferenças estatisticamente significativas entre os resultados dos hospitais PPP e os outros hospitais do SNS” e “os hospitais PPP apresentaram quase sempre menor percentagem de primeiras consultas médicas realizadas dentro do tempo máximo de resposta garantida”.

Aqui está a resposta: as PPP foram pagamentos a empresas privadas que geriram mal e prejudicaram as populações.

2.6. Um SNS que reconheça todos os direitos

Quando o SNS se degrada, as desigualdades sociais agravam-se e vários direitos são colocados em causa.

As maternidades fechadas, o desrespeito por planos de parto, as queixas de violência obstétrica, a impossibilidade de aceder à PMA ou as barreiras crescentes no acesso à Interrupção Voluntária da Gravidez afrontaram os direitos das mulheres (ver capítulo Feminismo e Igualdade de Género). A não atribuição de número de utente a migrantes, a inexistência de mediadores culturais e de intérpretes, incluindo de Língua Gestual Portuguesa, ou a impreparação dos serviços para lidar com a diversidade sexual e de género foram impeditivos do pleno acesso à saúde.

O SNS tem de ser garante de todos os direitos. Sem preconceitos, sem limitações, sem conservadorismo.

  • Respeito pelo plano de parto da mulher grávida e combate à violência obstétrica;

  • Valorização das competências dos enfermeiros especialistas de saúde materna e obstetrícia para colaborar na vigilância de gravidezes de baixo risco e realização de partos eutócicos;

  • Todos os centros públicos de procriação medicamente assistida, assim como o banco público de gâmetas devem ser alvo de investimento de forma a aumentar o número de colheitas e procedimentos realizados.

  • Regulamentação da gestação de substituição e reforço do Conselho Nacional de PMA para uma efetiva operacionalização e acesso a este direito;

Segundo a Lei de Bases da Saúde, são beneficiários do SNS, para além dos cidadãos nacionais, “os cidadãos, com residência permanente ou em situação de estada ou residência temporárias em Portugal, que sejam nacionais de Estados- Membros da União Europeia ou equiparados, nacionais de países terceiros ou apátridas, requerentes de proteção internacional e migrantes com ou sem a respetiva situação legalizada”. Todos devem ter acesso imediato a número de utente e acesso livre, universal e gratuito ao SNS.

  • O SNS deve ser dotado de mediadores culturais e de intérpretes, incluindo de Língua Gestual Portuguesa;

  • Deve haver formação dos profissionais de saúde para a diversidade sexual e de género, assim como abertura das consultas de saúde sexual a reprodutiva a realidades não-hétero e não-binárias;

  • Comparticipação a 100% da vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV) para pessoas até aos 45 anos não abrangidas pela inclusão da vacina no Programa Nacional de Vacinação;

  • Facilitar o acesso à PrEP, Profilaxia Pré-Exposição.

  • Reforço das redes de Cuidados Continuados e de Cuidados Paliativos, aumentando o número de camas públicas existentes no país e reforçando tipologias ainda inexistentes, como é o caso dos cuidados continuados de saúde mental;

  • Aumento do financiamento dos programas de hospitalização domiciliária, de forma a cobrir todo o território, diminuindo o risco de infeções adquiridas em contexto hospitalar e melhorando o conforto dos utentes.

  • Desenvolvimento de respostas na área dos Cuidados Continuados em Saúde Mental e na área da Autonomização e Reabilitação Psicossocial da pessoa com doença mental, garantindo a inserção na comunidade e o acesso a uma vida ativa e autónoma.

  • Reforço da saúde pública no SNS, com a alteração dos rácios previstos na lei, reforçando o número de médicos, enfermeiros especialistas em saúde pública e de técnicos de saúde ambiental, e com o alargamento das equipas de saúde pública, de forma a nelas incorporar profissionais com outros conhecimentos e competências, como, por exemplo, estatística, informática da saúde, epidemiologia, ciências sociais e comportamentais, entre outras.

Morte Assistida

A aprovação da despenalização da morte assistida constituiu uma importante vitória de uma democracia fundada nos direitos de todas as pessoas. Vitória difícil, por ter feito frente quer ao conservadorismo contrário à plena autonomia pessoal, quer a poderes corporativos muito fortes instalados entre nós. Vitória por ter dotado Portugal de uma lei ponderada, tolerante, rigorosa, mas plenamente determinada no respeito pela vontade de cada pessoa no final da sua vida.

O Bloco de Esquerda, desde a primeira hora, contribuiu decisivamente para esta vitória da tolerância e dos direitos, tomando iniciativa, juntando forças e respondendo com tenacidade e com rigor às investidas contra a despenalização com origem seja nas forças conservadoras seja nos órgãos de soberania. O Bloco deu voz, dentro do parlamento e fora dele, ao amplíssimo movimento social em favor da despenalização e nunca faltou a este combate.

A legislatura terminou sem que o Governo do PS tenha regulamentado a lei aprovada. Entretanto, a extrema direita tornou pública a sua intenção de fazer da revogação da lei a sua primeira iniciativa. E a direita tradicional teima em não aceitar a derrota da sua batalha constitucional contra a lei. O Bloco de Esquerda assume o firme compromisso de contrariar esta campanha revanchista da direita e de exigir, sem tibiezas, que o Governo que resultar das eleições regulamente com urgência a lei da despenalização da morte assistida. Porque este direito não pode, por mais tempo, ficar refém de cálculos políticos.

3. Trabalho, Salário e Pensões

A resposta da maioria absoluta à inflação agravou as desigualdades. Enquanto salários e pensões sofreram quebras reais, o governo deixou quase intocadas as normas introduzidas pela troika na legislação laboral.

O Bloco apresenta um plano para a recuperação real dos salários e pensões e para a modificação do regime social: redução do tempo de trabalho, limitação das disparidades de rendimento nas empresas, combate à precariedade, novas formas de financiamento da segurança social, melhor combate à pobreza.

A inflação corroeu os rendimentos da classe trabalhadora nos últimos anos, em particular para quem vive com salários ou pensões mais baixos. O cabaz alimentar teve um aumento de mais de 20% nos últimos dois anos, enquanto se agravava a crise da habitação. No último ano, o preço do cabaz de produtos essenciais subiu 63 euros, um valor acima do aumento do salário mínimo em 2024. A inflação real, para a larga maioria da população que faz as suas despesas em bens essenciais, é ainda maior e mais pesada do que os valores médios oficiais.

[Gráfico 16 : Evolução do preço do cabaz alimentar]

Fonte: DECO

Perante a rápida escalada do custo de vida, a maioria absoluta recusou proteger o salário de perdas reais e controlar os preços dos bens essenciais. Em vez disso, protegeu os lucros dos grandes grupos económicos da distribuição. Com o “acordo de rendimentos” estabelecido com as confederações patronais e com a UGT, o nível de referência para aumentos foi fixado pelo governo abaixo da inflação, somando-lhe um conjunto de borlas fiscais aos patrões.

[Gráfico 17 : Variação da remuneração bruta total mensal média por trabalhador (nominal e real)]

Fonte: INE

O resultado desta política foi uma transferência de rendimentos do trabalho para o capital e uma perda real de rendimento dos trabalhadores.

[Gráfico 18 : produtividade vs. Salários reais em Portugal]

Fonte: Paulo Coimbra e Nuno Serra, Le Monde Diplomatique - edição portuguesa (outubro 2023)

Os problemas de fundo nas relações laborais persistem ou agravam-se, devido à prevalência dos salários baixos, desigualdades, incumprimento da lei e grande peso da precariedade.

Na próxima legislatura, a prioridade é valorizar os salários e as pensões, que combatam a precariedade e ampliem os direitos laborais perante as velhas e novas formas de exploração.

3.1. Salários

Portugal tem um forte peso de salários baixos, que mantém cerca de 10% dos trabalhadores em situação de pobreza; uma desigualdade salarial dentro das empresas, que se tem agravado; e uma grande diferença salarial para os restantes países europeus, que promove a emigração dos e das jovens. A esquerda tem o dever de enfrentar estes problemas e de responder por quem vive do seu trabalho.

O aumento do salário mínimo nacional (SMN) é uma política fundamental de recuperação de rendimentos, de dinamização do mercado interno e de introdução de promoção de justiça social. Além de garantir que um salário permite viver fora da pobreza, uma política de valorização dos salários tem também de passar pela recuperação dos salários médios. Para isso, precisamos de uma estratégia que garanta que o emprego não seja assente em trabalho precário, de fortalecer o poder negocial do trabalho e de combater de forma decisiva a precariedade que produz baixos salários.

Principais problemas da política salarial em Portugal

1. A pobreza assalariada. O Inquérito às Condições...

A pobreza assalariada. O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento 2022 revela que 43,4% dos desempregados são pobres e que 1 em cada 10 trabalhadores com emprego também se encontra numa situação de pobreza. São 523 mil trabalhadores pobres em Portugal. Baixos salários, desigualdade salarial e trabalho precário desempenham papel fundamental na manutenção da pobreza assalariada.

2. A distribuição da riqueza produzida continua a...

A distribuição da riqueza produzida continua a ser profundamente desigual. A parte do rendimento nacional composta pelos salários é claramente minoritária: cerca de 46% em 2023. Essa percentagem já foi de mais de 60%. Aumentar o peso dos salários no PIB, equilibrando-o face ao capital, é essencial.

[Gráfico 19 : Proporção da remuneração dos trabalhadores por conta de outrem em percentagem do PIB]

Fonte: DataLabor a partir de dados do INE.

3. A desigualdade salarial atravessa a sociedade e...

A desigualdade salarial atravessa a sociedade e é também interna às empresas. As mulheres recebem em média cerca de 20% menos que os homens, se forem considerados não apenas os salários, mas também prémios, subsídios e horas extra. Em grandes empresas, os gestores ganham em média 36 vezes o que ganham os trabalhadores, desigualdade que aumentou quase 50% entre 2012 e 2022.

4. Os salários aumentam muito menos que a...

Os salários aumentam muito menos que a produtividade. De acordo com um relatório do Conselho Económico e Social de 2023, a produtividade aumentou 97% nos restaurantes e hotéis entre 2012 e 2019, mas os salários apenas 27%; na educação 21%, mas os salários diminuíram 6%; na agricultura 33%, mas os salários apenas aumentaram 8%. A riqueza acrescida produzida nestes setores não está a ser distribuída.

5. A criação de emprego tem-se feito sobretudo...

A criação de emprego tem-se feito sobretudo em setores caracterizados pela prática de salários inferiores à média nacional e com emprego precário, o que induz a estagnação dos salários médios.

A disparidade salarial dentro das empresas Em dez anos (entre 2012 e 2022), as remunerações dos presidentes executivos (CEO) das empresas cotadas no PSI aumentaram 47%. Já os trabalhadores perderam, nesse período, em média 0,7%. Enquanto estes CEO ganham em média 1,4 milhões de euros por ano, ou seja, cerca de 100 mil euros por mês, o salário mínimo em Portugal é de 820 euros em 2024. No Pingo Doce, o gestor ganha 3,7 milhões num ano, 275 mil euros em média por mês. O salário médio na empresa é de 1100 euros, ou seja, um trabalhador médio precisaria trabalhar 221 anos para ganhar o mesmo que o presidente da sua empresa num ano. A diferença salarial é também brutal na SONAE, na Mota Engil, na EDP, na Navigator, na Nos, nos CTT ou na Galp. Em média, os gestores portugueses ganham mais 36 vezes que o salário médio das suas empresas. A diferença é ainda maior se a comparação for com o salário mínimo pago na empresa. Por isso é tão importante que o Estado defina leques salariais de referência.

[Gráfico 20 : Fosso entre rendimentos dos CEO e dos trabalhadores]

Fonte: jornal Expresso

As propostas do Bloco:

  • Uma nova trajetória para o aumento do salário mínimo, com aumento intercalar para 900 euros já em 2024 e aumentos anuais correspondentes ao efeito da inflação adicionado de 50 euros. Garante-se assim o ritmo de aumentos reais, sem corrosão pela inflação.

  • Reposição dos montantes e dos períodos de concessão dos subsídios de desemprego do período pré-troika. A redução do apoio no desemprego faz parte de uma política de baixos salários. Valor máximo do subsídio de desemprego vinculado a três salários mínimos (e não ao IAS);

  • Reforço salarial para os trabalhadores qualificados, iniciado na administração pública para servir de referência para o privado: aumento de 500 euros na posição de entrada dos técnicos superiores, com reajuste nos níveis seguintes;

  • Aumentar a parte dos salários na repartição da riqueza para mais de metade do PIB até ao final da legislatura. O Acordo sobre Política de Rendimentos fixou como objetivo a média europeia (48,3%) em 2026, com aumento de 3 pontos percentuais. O Bloco propõe a meta de 55% para a legislatura.

  • Reforçar medidas de fiscalização e combate ao trabalho ilegal e de defesa da igualdade salarial e de direitos para os trabalhadores migrantes.

  • Englobar os prémios na tributação dos rendimentos do trabalho (IRS e TSU) em nome da solidariedade, da sustentabilidade do Estado Social e da Segurança Social e da valorização da negociação coletiva como principal veículo para os salários.

  • Retoma do valor das compensações por despedimento anteriores ao corte da troika (30 dias por cada ano trabalhado);

  • Alteração do quadro legal da negociação coletiva, garantindo a reposição do tratamento mais favorável e eliminando as regras que reduziram a capacidade negocial dos sindicatos e bloquearam as atualizações salariais;

  • Consagrar na lei o subsídio de alimentação para todos os trabalhadores e trabalhadoras do privado, com valor mínimo igual ao do setor público (sem prejuízo de contratos coletivos que estabeleçam um valor superior);

  • Definir leques salariais de referência (máximo de 1 para 12, isto é, ninguém pode ganhar num mês mais do que outro ganha num ano na mesma empresa ou organização), nos setores público e privado, para combater as desigualdades salariais. As empresas que ultrapassem esse leque serão excluídas de qualquer apoio público e benefício fiscal, bem como de participar em arrematações e concursos públicos;

  • Limitar a contratação pública a empresas que negociaram contratos coletivos no último ano, incluindo negociação de atualização salarial e de carreiras;

Alterar o padrão de especialização baseado na desvalorização salarial e em setores assentes no trabalho precário não passa pela “redução de impostos” sem critério, reivindicada pelas confederações patronais, mas sim por políticas de qualificação, de apoio à inovação, de crédito às empresas e de redução de custos de contexto (nomeadamente energia) orientadas para uma mudança do padrão produtivo.

3.2. Precariedade e direitos coletivos

Portugal continua a ser um país precário: quase um terço dos contratos de trabalho no privado são precários (31%), metade dos trabalhadores abaixo dos trinta anos não tem contrato permanente e centenas de milhares trabalham sem contrato (na informalidade absoluta ou com falsos recibos verdes). Os baixos salários condenam as pessoas a vidas no limiar da pobreza e os vínculos temporários impedem-nas de fazer projetos para o futuro.

O governo PS, depois de resistir a avanços em matérias laborais, acabou o mandato de 2022 com a promessa de uma "Agenda do Trabalho Digno", que viria a concretizar-se numa reforma da legislação laboral já no contexto da maioria absoluta. Contendo medidas positivas pelas quais o Bloco se bateu, essa alteração legislativa ficou muito aquém do necessário e da expectativa.

Desde logo, por aquilo que exclui. A opção da última alteração às leis do trabalho foi manter o quadro de desequilíbrio que vem do Código do Trabalho de 2003, da versão de 2009 e das alterações feitas na sequência da intervenção da troika em 2012 e 2013. Mantém-se, assim, a caducidade das convenções coletivas e a não recuperação integral do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador. A compensação por despedimento passou apenas para os 14 dias por ano de trabalho, muito longe dos 30 dias que vigoravam antes do brutal corte da direita em 2012 e 2013. Nada se altera em matérias fundamentais como o trabalho por turnos ou o período normal de trabalho.

Não desistimos de uma transformação estrutural das relações de trabalho e da reversão do desequilíbrio que hoje é a marca da legislação laboral, que tem vindo a individualizar as relações de trabalho e a permitir a instalação da precariedade.

[Gráfico 21 : Abrangência dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho publicados (novos ou revistos)]

Fonte: DataLabor

Tempo para viver: semana de quatro dias, 35 horas, desconexão

Foi há quase três décadas que se fez a última redução do período normal de trabalho no setor privado, com a aprovação, em 1996, da lei das 40 horas. Desde então, não houve evolução legislativa sobre a duração do trabalho, a não ser as múltiplas formas de flexibilização de horários, adaptabilidades e bancos de horas. O balanço da experiência portuguesa e internacional relativa à redução do horário de trabalho dá-nos indicações sobre estes processos. Em Portugal, a redução para as 40 horas permitiu a criação de 5% de emprego líquido no primeiro ano e 3% no segundo. Em França, a aplicação das leis Aubry (a primeira de 1998 e a segunda de 2000) que reduziram o horário de trabalho paras as 35 horas, contribuiu para a criação de 350 mil empregos entre 1997-2001, acompanhada de uma aceleração dos ganhos de produtividade e do relançamento do diálogo social. Se tomássemos como referência a experiência francesa de 1998, a aplicação das 35 horas no setor privado em Portugal poderia criar mais de 200 mil postos de trabalho. Por outro lado, existe um movimento internacional pela semana de quatro dias, com redução do horário de trabalho semanal e sem perda de salário mensal. Em Portugal, esta forma de organização do trabalho já foi testada em 41 empresas, com bons resultados, abrangendo mais de 1000 trabalhadores. Em média, a semana de quatro dias envolveu a redução das horas de trabalho semanais em 13,7% (para 34 horas, reportado pelas empresas), na maior parte dos casos (cerca de 60%) através de mais um dia livre por semana. Em 20% das empresas, o dia livre é a sexta-feira, nos outros casos é variável. 95% das empresas avaliam positivamente o teste até agora e os inquéritos feitos aos trabalhadores indicam diminuição da ansiedade, fadiga, problemas de sono e estados depressivos. Os níveis de exaustão pelo trabalho reduziram-se em 19% e cerca de dois terços dos trabalhadores passaram mais tempo com a família após o início da redução horária. A limitação da jornada de trabalho faz-se também combatendo os abusos nas horas extra (muitas delas não pagas), o abuso das figuras legais da “isenção de horário” e da “laboração contínua” e através de sinais fortes, como o que foi dado com a consagração do dever patronal de desconexão, que o Bloco vinha defendendo desde 2017 e que ficou consagrada no Código do Trabalho no final de 2021. A esquerda deve investir decididamente num programa de redução progressiva do horário de trabalho e num programa de estabelecimento da semana de quatro dias de trabalho, sem perda salarial e com progressiva redução do tempo de trabalho. Isso deve ser feito expandindo a adesão voluntária das empresas, mas também por via normativa, com uma nova lei da redução do horário de trabalho imperativa para todas as empresas: em 2025, o período normal de trabalho seria reduzido para as 38 horas semanais; em 2026, para as 36 horas semanais; em 2027, seria reduzido para as 34 horas semanais. No caso das empresas que adiram à semana de quatro dias, devem ser fixados, a partir de 2028, as 32 horas semanais.

A redução do horário normal de trabalho e a semana de quatro dias são processos distintos, que respeitam a dimensões distintas da gestão e organização do tempo de trabalho. Num caso, trata-se de fixar o período normal de trabalho; no outro, de uma prática de gestão e organização, que pode ter expressão na contratação coletiva e ser depois generalizada pela lei. As propostas do Bloco:

Relançar a contratação coletiva e reduzir o horário de trabalho

  • Relançar as convenções coletivas e o sistema coletivo de relações laborais, nomeadamente com o fim da caducidade unilateral dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho e a reposição do tratamento mais favorável ao trabalhador;

  • Redução progressiva do horário de trabalho, fixando por lei, nesta legislatura, o período normal de trabalho, no máximo, nas 35 horas.

  • Consagrar na lei a possibilidade de opção (também por iniciativa do trabalhador) pela semana de 4 dias, vinculada à redução do horário de trabalho semanal e sem perda de rendimento.

  • Combater a desregulação dos horários, limitando e regulando a utilização da figura da “isenção de horário” e da generalização da laboração contínua;

  • Realizar um livro verde sobre o tempo de trabalho, que faça o levantamento da extensão do uso da adaptabilidade e do banco de horas, do trabalho por turnos e noturno e sua incidência setorial;

  • Eliminar integralmente o corte no acréscimo remuneratório do trabalho suplementar, reduzido para metade em 2012 e apenas parcialmente reposto. Recuperação do descanso compensatório.

Combater a precariedade

  • Restringir a contratação a prazo apenas às situações de substituição temporária e de pico ou sazonalidade de atividade, eliminando as exceções legais que permitem a sucessão de contratos a termo;

  • Regularizar os falsos recibos verdes e outras situações irregulares, utilizando a Ação Especial de Reconhecimento do Contrato de Trabalho (a “Lei contra a Precariedade”), com metas anuais ambiciosas para a Autoridade para as Condições do Trabalho, de modo a atingir dezenas de milhares de situações regularizadas até ao final da legislatura;

  • Incluir um critério de exclusão de empresas com situações precárias irregulares em qualquer contrato com o Estado;

  • Limitar os fundamentos e a duração do trabalho temporário a um máximo de seis meses;

  • Revogação do alargamento do período experimental para jovens a procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, introduzido em 2019;

  • Combater o abuso no outsourcing, limitando legalmente a externalização de funções relativas ao objeto social central da empresa;

  • Eliminar o intermediário na presunção de laboralidade nas plataformas digitais, impedindo as grandes empresas de continuar a descartar as suas responsabilidades patronais;

  • Incentivar a criação de plataformas digitais públicas e cooperativas, designadamente na área dos transportes e das entregas;

  • Limitar a utilização abusiva de estágios apoiados pelo IEFP, com reforço da fiscalização relativa aos falsos estágios e a estágios sucessivos para ocupar funções permanentes nas empresas.

  • Atribuir à Autoridade para as Condições do Trabalho poderes para fiscalizar o cumprimento da legislação laboral por parte das autarquias;

  • Reconhecer e enquadrar no Código do Trabalho o trabalho doméstico assalariado e o trabalho profissional de apoio domiciliário, amas de creche familiar e ajudantes familiares, pondo fim à discriminação que a lei estabelece e garantindo a mesma proteção social dos trabalhadores por conta de outrem.

Repor as férias, combater abusos nos despedimentos, direitos para os trabalhadores por turnos

  • Devolver os três dias de férias retirados pela direita (regresso à norma dos 25 dias, sem depender de outro critério);

  • Combater a facilitação dos despedimentos, com a reposição do valor das compensações por despedimento anterior à intervenção da troika (um mês por cada ano de trabalho prestado; em lugar dos atuais 14 dias) e impedindo despedimentos, exceto por justa causa, em empresas com resultados positivos no ano anterior;

  • Eliminar a norma que obriga os trabalhadores, para contestarem despedimentos ilícitos, a abdicarem da compensação a que têm direito;

  • Reconhecer mais direitos a quem trabalha por turnos, nomeadamente através de:

    • consagração legal da obrigatoriedade de subsídio por turnos;
    • maior acompanhamento médico;
    • definição de pausas e tempos de descanso e fins de semana;
    • participação dos trabalhadores e das trabalhadoras na definição das escalas de turnos;
    • redução dos tempos de trabalho;
    • majoração dos dias de férias;
    • direito à reforma antecipada em proporção do tempo que se trabalhou por turnos.

Mais direitos na parentalidade e maior proteção social

  • Alargar os direitos de parentalidade (licença inicial do pai, aumento da licença partilhada, redução de horário nos primeiros três anos de vida da criança), e os direitos de pais e mães de filhos com deficiência, doença crónica ou oncológica e para acompanhamento de pessoa dependente (licenças para os e as cuidadoras informais);

  • Aumentar a percentagem do pagamento do Subsídio de Doença para garantir rendimentos substitutivos dos rendimentos do trabalho no período em que os trabalhadores se encontram doentes.

Mais democracia nas empresas

  • Apoiar a constituição de comissões de trabalhadores nas empresas e locais de trabalho com um número igual ou superior a 50 trabalhadores, através de um serviço informado, a funcionar na DGERT, de apoio técnico às Comissões de Trabalhadores e ao exercício das suas funções e direitos.

  • Promover a participação de representantes eleitos dos trabalhadores em órgãos de gestão das empresas com mais de 250 trabalhadores, com estatuto e direitos específicos, designadamente quanto às decisões estratégicas.

  • Garantir a concretização da disposição constitucional que confere aos sindicatos o direito de participação na gestão das instituições de segurança social.

  • Garantir que as empresas fornecem às estruturas representativas dos trabalhadores:

    • toda a informação social da empresa
    • os meios legais de comunicação eletrónica com todos os trabalhadores.

3.3. Pensões

No final de 2022, o Governo da maioria absoluta tentou criar um falso alarme sobre o sistema de pensões, declarando que aumentar as pensões pela lei, à inflação, punha em causa a sustentabilidade da Segurança Social e fazia-a perder “13 anos de vida”, provocando saldos negativos ainda antes de 2030. Tratou-se de uma grosseira manipulação, com o objetivo de agitar o fantasma da “insustentabilidade”, que foi categoricamente desmentida pelo relatório do Orçamento do Estado. O Fundo de Estabilização da Segurança Social não só não se extingue nos próximos anos como chegará a 2060 melhor do que está agora.

Ou seja, não só as pensões deveriam ter sido imediatamente atualizadas como há condições para melhorar as pensões e os apoios sociais em Portugal.

Portugal continua a ter pensões muito baixas, resultantes de salários baixos e carreiras contributivas débeis, uma baixa taxa de substituição de rendimentos na velhice e uma elevada taxa de pobreza entre os idosos. Ao mesmo tempo, a idade da reforma tem vindo a aumentar devido às regras que a vinculam à esperança média de vida (até 2013, a idade legal da reforma era fixa: 65 anos; em 2025 será de 66 anos e 7 meses).

O regime das reformas antecipadas é de grande complexidade, com uma miríade de regras diferenciadas, algumas das quais provocam legítimas apreensões e grandes injustiças relativas que acabam por descredibilizar o sistema.

Há grupos de trabalhadores a quem continuam a ser aplicados duplos cortes injustificados. Quem começou a trabalhar criança e se reformou com 46 anos de descontos, hoje não sofreria qualquer penalização, mas como pediu a sua pensão antes de 2018, continuará a sofrer, toda a vida, um duplo corte na pensão: quem se reformou através do regime de desemprego de longa duração. Quem teve pensões de desgaste rápido entre 2014 e 2018 (antes disso, e depois, corte de “sustentabilidade” não se aplica). Quem se reformou com 40 anos de descontos aos 60 ou mais de idade, mas foi penalizado para toda a vida por tê-lo feito antes da entrada em vigor das atuais regras (em outubro de 2019). A todas essas pessoas ainda se aplicam penalizações injustas, que devem terminar.

A sustentabilidade da Segurança Social tem de ser analisada tendo em conta, pelo menos, três dimensões distintas. O fator demográfico (esperança média de vida, evolução da natalidade e saldo migratório), os fatores económicos (crescimento, criação de emprego e níveis salariais) e os mecanismos de funcionamento e de financiamento do próprio sistema (contribuições e diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social).

A recuperação de rendimentos e a criação de emprego permitiu equilibrar o sistema previdencial de Segurança Social. Mas o sistema enfrenta desafios, resultantes nomeadamente das mudanças da estrutura demográfica e das transformações na estrutura de produção (robotização, aumento de produtividade). Esses desafios devem ser respondidos fazendo reverter os ganhos de produtividade e a inovação tecnológica em mais tempo para viver e maior qualidade de vida.

O equilíbrio do sistema deve passar ainda pelo combate à informalidade e precariedade do emprego e pela melhoria dos salários, fatores cruciais para romper o padrão de pensões muito baixas, e pelo aprofundamento da contribuição das empresas de capital intensivo, não apenas em função do número de trabalhadores e de trabalhadoras, mas também do seu valor acrescentado líquido.

Diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social A recuperação de rendimentos e a criação de emprego permitiu equilibrar o sistema previdencial de Segurança Social: a receita de contribuições é hoje superior à despesa com pensões do sistema previdencial. Para isso contribuíram medidas propostas pelo Bloco, que trazem mais receita ao sistema:

  • o adicional ao IMI sobre o património de luxo, que reverte para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

  • a consignação de uma parte do IRC à Segurança Social.

O Bloco propôs ainda uma outra fonte de financiamento da Segurança Social: uma contribuição de 0,75% sobre o valor acrescentado das grandes empresas (que exclui todas as micro, pequenas e médias empresas), o que representaria um acréscimo de receitas de cerca de 300 milhões de euros/ano para a Segurança Social. Persistimos nessa proposta fundamental para o futuro do sistema.

Propostas:

  • Alterar as regras de atualização das pensões, integrando no cálculo os valores do crescimento e da inflação, garantindo que nenhuma pensão perde poder de compra;

  • Aumentar o valor mínimo das pensões, de modo a garantir que, independentemente dos apoios e dos complementos sociais, o valor das pensões de carreiras contributivas com 20 ou mais anos de descontos fica sempre acima do limiar de pobreza, e reforçando a taxa de formação da pensão;

  • Eliminação do “fator de sustentabilidade”. Depois de todas as alterações aprovadas entre 2017 e 2020 ele já só se aplica a cerca de 10% das pensões requeridas. Não faz sentido manter-se, nomeadamente porque o impacto da esperança média de vida já foi incorporado noutros elementos do sistema;

  • Reforma antecipada para pessoas com 15 ou mais anos de descontos com incapacidade igual ou superior a 60%;

  • Retirada do corte aplicado a quem se reformou entre 2014 e 2018 com elevadas penalizações que não existiriam sob as regras de hoje;

  • Recálculo das pensões de quem tem mais de 40 anos de descontos, bem como das pensões dos regimes de desgaste rápido, para eliminar do seu valor o corte do fator de sustentabilidade;

  • Aprofundamento do conceito de “idade pessoal da reforma”, para um regime mais justo e progressivamente sem cortes. A idade pessoal deve ser reduzida face à idade geral em função de carreiras acima dos 40 anos de descontos, em pelo menos um ano por cada ano a mais de contribuições. Deve ser reduzida face à idade geral em função do trabalho por turnos, em pelo menos seis meses por cada ano de trabalho por turnos. E deve ser reduzida face à idade geral em função do trabalho realizado com elevado grau de incapacidade;

  • Alargamento do acesso ao Complemento Solidário para Idosos (CSI), elevando o seu valor de referência a ser calculado a partir do valor do limiar da pobreza, com 14 prestações por ano e eliminando definitivamente a norma que contabiliza os rendimentos dos filhos e das filhas para acesso a esta prestação social;

  • Reforço do Estatuto do Cuidador Informal nas dimensões seguintes:

    • reconhecimento da prestação de cuidados informais para efeitos de pensão de velhice;
    • concretização do direito ao descanso e a férias por via de mais vagas na Rede de Cuidados Continuados e de apoio domiciliário acessível a todas as pessoas que dele necessitem;
    • redução do tempo de trabalho e do trabalho a tempo parcial, com mecanismos de compensação dos rendimentos abaixo de determinado patamar (tomando o valor do SMN como base);
    • garantia de que o subsídio de apoio chega a todos os cuidadores que precisam, alterando a condição de recursos e as regras de exclusão em função da morada ou da condição de pensionista.

3.4. Combater a Pobreza

Depois de uma diminuição em 2021, a taxa de risco de pobreza (que inclui as pessoas que vivem com rendimentos mensais líquidos inferiores a 591 euros) voltou a subir, para os 17%, em 2022, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Este aumento de 0,6 pontos percentuais corresponde a um acréscimo de 80 mil pessoas na pobreza.

[Gráfico 22 : Taxa de risco de pobreza 2003 – 2022]

Fonte: INE, Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos, 2023

Os resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos divulgados no final de 2023 revelam que o risco de pobreza infantil se acentuou em 2,2%. Destaca-se ainda o facto de a pobreza atingir mais as mulheres do que os homens e de, a par das crianças, os desempregados serem um grupo particularmente afetado, com 46,4% dos desempregados numa situação de pobreza (mais 3% que em 2021).

[Gráfico 23 : Taxa de risco de pobreza, população empregada e população desempregada]

Fonte: INE, Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos, 2023

Apesar de as transferências sociais terem um grande impacto na mitigação e redução da pobreza (sem transferências sociais, a taxa de risco de pobreza seria mais do dobro), têm vindo a perder eficácia.

A existência de formas precárias de emprego que não permitem aceder às prestações de desemprego, designadamente por inexistência do prazo de garantia exigido, o enorme volume de trabalho informal (sem proteção social), a debilidade da proteção dos trabalhadores independentes e o facto de os subsídios de desemprego terem sofrido, desde 2010, alterações na sua cobertura e valor e o reduzido valor das prestações de combate à pobreza explicam a insuficiência dos apoios sociais.

[Tabela 7 : Desigualdades no rendimento em Portugal, 2017-2022]

Fonte: INE, Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos, 2023

Uma parte significativa dos trabalhadores desempregados não tem proteção, a cobertura do subsídio social de desemprego é muito escassa (cerca de 2% do número total de desempregados), continuamos a ter prestações de desemprego abaixo do limiar de pobreza. Não admira, por isso, que os desempregados sejam o grupo mais exposto à pobreza. Entre 2005 e 2018, a taxa de risco de pobreza dos desempregados já tivera um aumento de cinquenta por cento (de 28% para 42%). Ou seja, o problema vem de trás. Há cerca de uma década, o Governo PS (em 2010) fez alterações estruturais com enorme impacto no subsídio de desemprego: o cálculo do valor mínimo e máximo deixou de ter como referência o salário mínimo nacional, além de se terem alterado os períodos de concessão. A direita, a partir de 2012, acentuou este caminho. O PS, nos últimos anos, manteve-o no essencial.

Permanece na lei o triplo recuo ocorrido no tempo da troika: corte no valor da prestação, na duração do período de concessão e na condição de recursos do subsídio social. Nenhuma destas medidas foi ainda revertida. O único corte que foi eliminado na legislatura de 2015-2019 foi o de 10% no valor da prestação ao fim de 180 dias, além de se ter posto fim, por proposta do Bloco, às humilhantes e inúteis “apresentações quinzenais”. Na legislatura 2019-2021, houve uma majoração do valor mínimo do subsídio de desemprego. No período da maioria absoluta, nenhuma melhoria e a manutenção dos cortes vindos de trás nas regras do subsídio de desemprego.

O Rendimento Social de Inserção também tem perdido fulgor. Desempregados e os jovens adultos não têm tido no RSI uma medida capaz de lhes responder. Além disso,

os valores do RSI ficam muito aquém do limiar da pobreza: em novembro de 2023, a prestação média de RSI era de 134,51 euros por beneficiário, por mês. Desde 2010, as alterações restritivas nas condições de acesso e na definição dos agregados familiares ditaram uma degradação da prestação. Os elementos diferenciadores da medida, assentes num compromisso do Estado com um plano de inclusão para cada pessoa, desvaneceram. A tudo, acresce o estigma social lançado sobre a medida.

Também os trabalhadores independentes são praticamente excluídos da proteção social quando ficam sem atividade. A dimensão do problema ficou clara quando mais de 200 mil trabalhadores requereram o apoio extraordinário para trabalhadores independentes durante a pandemia.

A transformação do sistema de proteção social não se resolve apenas com medidas temporárias. Exige alterações de fundo na regulação e proteção do trabalho, no desenho das prestações de desemprego e alterações profundas no RSI. É preciso alterar as prestações de desemprego, reverter os cortes no valor e na duração e criar novos patamares de proteção social que cubram todos os casos que não estão abrangidos pelas prestações de desemprego e pelo RSI, o que implica uma prestação social nova, de largo espectro, permanente, e com um fôlego diferente das que existem.

As propostas do Bloco:

  • Reforço do Rendimento Social de Inserção, aumentando o valor de referência do RSI e diminuindo a diferença da capitação entre os membros do agregado. O valor de referência deve ser equiparado progressivamente ao IAS e deve ser reforçada a componente de integração através do acompanhamento e da ação social e integrando-o, a prazo, num Rendimento Social de Cidadania;

  • Reforço das prestações de desemprego, designadamente:

    • retomando o salário mínimo nacional como referência do valor mínimo do subsídio de desemprego contributivo (e não o IAS, que ainda por cima é inferior ao limiar de pobreza);
    • aumentando os períodos de concessão, voltando às regras de 2009;
    • tornando o valor do IAS o valor mínimo de referência do subsídio social de desemprego (atualmente é 80% do IAS no caso do trabalhador considerado isoladamente); mudar a condição de recursos do subsídio social de desemprego, tomando o IAS por elemento do agregado o valor de referência para acesso e mudando a capitação;
  • Criação de uma nova prestação social que unifique os apoios não contributivos. Numa primeira fase, este “Rendimento Social de Cidadania” deve ser capaz de cobrir os casos que não estão abrangidos pelas prestações de desemprego e pelo RSI (nomeadamente trabalhadores independentes, informais, trabalhadores com prazos de garantia inferiores a meio ano). Numa segunda fase, o Rendimento Social de Cidadania absorveria o RSI e o Subsídio Social de Desemprego (duas prestações não contributivas, isto é, financiadas pelo Orçamento do Estado), fundindo estes apoios numa nova prestação, sem o estigma atual e com um novo impulso. Ela funcionaria como uma prestação diferencial capaz de garantir que ninguém fica abaixo do limiar de pobreza;

  • Subordinação das novas políticas públicas à prévia avaliação no Parlamento do seu previsível impacto, positivo ou negativo, sobre a pobreza e a exclusão social. É instrumentalmente crucial que, para além de atacarmos as consequências sejamos capazes de prevenir as causas e que, para isso, as políticas setoriais – particularmente aquelas que objetivamente terão um potencial impacto sobre a pobreza - sejam aprovadas após uma prévia avaliação dos seus impactos na produção, manutenção ou agravamento da pobreza e da exclusão social;

  • Reforço da Estratégia Nacional de Integração das Pessoas Sem-abrigo. Entre outras medidas, deve haver um investimento substancial num programa nacional de “Housing First” (ou Casas Primeiro), através do qual, em articulação com os municípios, se concedam habitações sem impor condições prévias, como primeiro passo para o processo de reintegração. Em quatro anos, este programa deve dar resposta ao conjunto de situações identificadas. Deve também ser garantida a contratação de profissionais com formação especializada que acompanhem as pessoas, assegurando que o programa das “Casas Primeiro” tem capacidade de sucesso nos seus objetivos;

  • Universalização do abono de família, repondo-o o 4º, o 5º e o 6º escalões.

4. Clima

Sob o governo do PS, a transição energética transformou-se em mero slogan de uma nova fileira extrativista privada.

Não há justiça climática sem um planeamento ecológico e modelos de investimento público que alterem o modo de produção, transporte e consumo. Esse processo implica novas políticas na energia, na floresta e na agricultura, na gestão da água, e constitui também o momento para políticas de reconversão económica e de emprego que transformem o modelo social.

4.1. Ambiente: é preciso uma nova política de investimento

A visão do PS para o Ambiente foi exemplarmente explicada quando, no dia 11 de novembro, já depois de se ter demitido do cargo de primeiro-ministro, António Costa se dirigiu ao país em defesa dos negócios de mineração e do datacenter com construção prevista para zona protegida. O que o Primeiro-Ministro disse é que em primeiro lugar vem sempre o negócio privado. O ambiente, as leis que protegem determinadas zonas sensíveis são, afinal de contas, um empecilho que é preciso remover. O papel do Governo seria, na visão do PS, o da agilização do licenciamento, o da satisfação do interesse privado, mesmo que isso choque de frente com o interesse público e ambiental.

De facto, esta tem sido a política de sempre do centrão. Matos Fernandes, o ministro do ambiente com mandato mais longo da democracia, vangloriava-se por o ministério do ambiente ter deixado de ser o ministério do “não”. Há toda uma ideia de que a administração pública e a defesa da proteção ambiental são obstáculos que precisam ser ultrapassados em nome do investimento privado.

Esta visão está explanada na lei dos PIN (projetos de potencial interesse nacional) e no simplex ambiental. A lei PIN foi uma das primeiras leis do governo de José Sócrates e, desde então, foi essencial para qualquer governo do PS ou do PSD. A sua premissa é que a lei geral é um problema para o investimento privado e, por isso, a solução que apresenta é a desproteção ambiental e uma via verde para grandes negócios. Curiosamente, desde 2005 os supostos problemas de ineficiência da administração pública ficaram por resolver.

Na maioria dos casos, o alegado interesse nacional tem pouca ou nenhuma justificação. Basta olhar para a destruição de habitats protegidos e de áreas sensíveis para a construção de imobiliário de luxo ou de turismo, como ocorre agora nos megaprojetos da península de Tróia.

Salvar Troia e todo o litoral alentejano Atualmente um dos últimos redutos de vasta paisagem natural do país, a linha de costa entre Tróia e Melides, está sob assalto, com inúmeros projetos imobiliários de luxo exclusivos. A criação de um mundo de super-ricos e de enormes desigualdades sociais tornou ainda mais atrativo o investimento imobiliário para uns poucos à custa da paisagem natural e do acesso de todos a essa paisagem. Não surpreende que os transportes para Tróia tenham um preço elevado e que vários empreendimentos imobiliários para turismo de luxo tenham sido considerados projetos PIN. De realçar que, quando o projeto “Na Praia”, pertencente à herdeira do império têxtil Inditex, teve as obras suspensas por uma providência cautelar apresentada pelo movimento Dunas Livres, mas bastou a Câmara de Grândola fazer a declaração de interesse público para passar por cima de qualquer suspensão.

As propostas do Bloco:

  • Revogar as leis PIN e simplex ambiental.

  • Garantir o reforço de meios humanos, técnicos e financeiros da administração pública para a persecução da sua missão de forma célere e cumprindo as suas obrigações.

4.1.1. A crise climática é uma história de desigualdade social

Os 1% mais ricos do planeta são responsáveis por tantas emissões de gases com efeitos de estufa (GEE) como os 66% da população mais pobre do planeta. Uma pessoa dos 99% mais pobres – ou seja praticamente toda a gente no planeta – demoraria 1.500 anos para produzir tantas emissões de GEE como o que os mais ricos emitem num único ano.

A pegada de carbono dos 0,1% é 77 vezes mais alta que o nível mais elevado possível para manter a temperatura abaixo do aumento de 1,5ºC. A vida dos super-ricos – feita de super-iates, super-mansões, da super-corrida espacial e outros desvarios - está a destruir o nosso planeta.

[Gráfico 24 : emissões de carbono por rendimentos]

Existem duas divisões claras. Uma entre nações do norte e do sul global. Em 2019, as nações mais ricas foram responsáveis por 40% de emissões de GEE relacionadas com o consumo. Em contrapartida, todo o continente africano, que alberga um sexto da população mundial, foi responsável por 4% das emissões. Mas existe uma segunda divisão que está a crescer: a desigualdade dentro dos países, onde os super-ricos assumem grande parte das emissões.

[Gráfico 25 : emissões de CO2 por regiões vs população]

De acordo um extenso estudo do jornal “The Guardian” com a Oxfam, entre outros especialistas, os mais ricos são os que mais contribuem para as alterações climáticas, mas são os que menos sofrem as suas consequências, porque podem pagar a sua adaptação e proteção em ambientes isolados. Já quem vive em pobreza, comunidades etnicamente marginalizadas, imigrantes, mulheres e raparigas, pessoas que vivem e trabalham na rua ou em casas vulneráveis às temperaturas extremas, sofrem desproporcionalmente os efeitos das alterações climáticas.

O Bloco de Esquerda propõe mudar o paradigma da resposta climática:

  • Em vez de medidas que castigam a população (como o aumento do IUC), criar alternativas em áreas da economia incompatíveis com o planeta: interditar jatos privados, garantir a completa eletrificação dos navios cruzeiro e limitar a sua permanência nos portos nacionais.

  • Garantir justiça climática na resposta às alterações climáticas, com prioridade à criação de emprego em setores que reduzam as emissões e a debelar dificuldades das populações mais vulneráveis aos efeitos da crise climática.

  • No plano internacional, defender o financiamento às políticas de adaptação e às perdas e danos.

4.1.2. Lei de bases do clima: incumprimento e metas curtas

A Lei de Bases do Clima foi aprovada em 2021. Logo se seguiu a maioria absoluta do PS e grande parte da lei continua por aplicar e até por regulamentar.

A Lei de Bases do Clima foi um passo importante que reconheceu que vivemos em emergência climática, estipulou na lei metas concretas de redução de gases com efeitos de estufa e um conjunto de políticas e obrigações para chegar a esse fim. Ainda assim, mantém uma visão de comércio de carbono e de fiscalidade castigadora, desajustada e injusta. Também as suas metas deviam ser mais ambiciosas e alinhadas com o consenso científico sobre o ritmo necessário de redução de emissões.

O Bloco propõe:

  • Regulamentar a Lei de Bases do Clima e reforçar a sua ambição, antecipando a data para a neutralidade climática.

  • Proceder às alterações necessárias à lei para garantir justiça na economia e não mecanismos de mercado e uma fiscalidade castigadora das populações com menos rendimentos.

4.1.3. Mercado, roupa e um programa para a esquerda

De acordo com o Carbon Market Watch, entre 2008 e 2019, o comércio de carbono deu a ganhar 50 mil milhões de euros às empresas mais poluidoras da Europa, quase mil milhões em Portugal. Aconteceu através de três mecanismos: entrega de licenças gratuitas a grandes poluidores; compra de offset barato para venda de emissão; e, acima de tudo, pela passagem desses custos para os consumidores.

Este é o retrato real dos mecanismos de mercado na resposta climática: a criação de um novo ativo financeiro e a transferência de riqueza de consumidores para as grandes empresas poluidoras. É um fator de desigualdade social que premeia quem tem a responsabilidade histórica pelas emissões e que castiga a população que vive enquadrada num sistema económico em grande medida desenhado por essas super- empresas.

Imputar os custos da transição climática aos trabalhadores é garantir que ela fracassa e agravar injustiças.

Em 2022, o proprietário de parte de um grupo têxtil, um dos setores mais poluentes, recebeu 2.217 milhões de euros só em dividendos, que aplicou a adquirir imobiliário, contribuindo para outra crise, a dos preços da habitação.

As crises alimentam-se mutuamente. Para resolver a crise climática não é o mercado que trará a solução, são regras democráticas definidas pela população e uma mudança nos modelos de produção, distribuição e consumo.

Vejamos o caso dos combustíveis fósseis. As 5 maiores empresas petrolíferas ocidentais mais que duplicaram os seus lucros em 2022: 200 mil milhões de dólares. Mas, ao mesmo tempo, estavam a investir apenas 5% dos seus lucros em energia renovável.

Novamente, o mercado remunera imensamente cada negócio lesivo para o planeta. E é falso que esses lucros financiem a transição climática. É por isso que a regulação do mercado e a taxação de lucros são essenciais para concretizar a transição climática.

O Bloco propõe:

  • Abandonar o modelo de comércio de carbono, impondo limites imperativos para os países, para cada setor de atividade e para as empresas poluentes.

  • Um programa de intervenção massiva no edificado habitacional do país para garantir condições de isolamento, melhorando as condições de vida e reduzindo o gasto energético.

  • Taxação dos lucros excessivos das petrolíferas.

  • Criar um fluxo de resíduos dos têxteis de responsabilidade dos produtores.

4.2. Medidas de interesse público pelo clima: transportes e energias renováveis

Desde que as Nações Unidas reconheceram a existência de alterações climáticas, nos anos 1970, as emissões mundiais praticamente duplicaram. Em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu um compromisso: a contenção do aumento da temperatura global para que não ultrapasse 2.ºC - e prosseguir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC -, o que requer a redução para metade das emissões de gases poluentes até 2030.

[Gráfico 26 : evolução da temperatura média]

Fonte: IPPC.

Apesar disso, as cimeiras globais sobre o clima redundam em declarações sem grandes consequências e servem até para uma “lavagem verde” da imagem de empresas e regimes. No momento de todas as decisões, os governos mundiais falham aos povos: os compromissos necessários para a descarbonização e para o apoio aos

países mais pobres continuam subjugados ao lóbi das indústrias poluentes, à hipocrisia do “capitalismo verde” e ao egoísmo de quem não quer abdicar do seu privilégio.

Portugal não pode arrastar o passo ou ceder à tentação de imputar a quem já vive com dificuldades o custo de uma transformação que tem de ser sistémica e justa. Para a emergência climática, o Bloco de Esquerda reafirma o seu programa assente em políticas de investimento público e de justiça social.

Portugal tem de cumprir a sua parte. Tem de desenvolver e eletrificar o transporte público, ferroviário e rodoviário, e torná-lo cada vez mais universal. Tem também de acelerar a transição para as energias renováveis.

4.2.1. Transportes públicos para reduzir emissões e aumentar a qualidade de vida

Segundo dados da Comissão Europeia sobre Portugal, no ano de 2021, 91% dos passageiros utilizou transporte rodoviário individual, 5,7% recorreu ao transporte público rodoviário, 2,9% ao comboio e apenas 0,7% ao Metro ou Metro Ligeiro de Superfície. Em contrapartida, na UE27, a repartição modal dos passageiros por quilómetro foi, respetivamente, 85,2% para o transporte individual, 7,4% para o transporte público rodoviário, 6% para a ferrovia e 1,3% para o Metro.

[Gráfico 27 : distribuição modal]

Fonte: Statistical Pocket Book 2023.

Comparando esta repartição modal com a de 2019, observa-se que aumentou a predominância do automóvel, tanto na UE como em Portugal. Porém, considerando o conjunto dos países da UE27, Portugal ocupa o segundo lugar onde é maior o peso relativo do automóvel no total dos passageiros-kms transportados, apenas superado Letónia. A relevância desta dupla tendência explica o peso residual dos transportes públicos no contexto da mobilidade de passageiros no país, assim como o acréscimo específico das emissões do setor dos transportes no total de emissões de CO2.

Em 2021, em Portugal, 42% das emissões de CO 2 tiveram origem no setor dos transportes, 19% na indústria da produção de energia, 17% na indústria transformadora, 4,1% no setor residencial e 5,4% serviços/agricultura. Na UE27, a repartição das emissões de CO 2 por setor apontava para 29,2% nos transportes, 28% na energia, 15% na indústria transformadora, 10,6% no Residencial e 7% nos serviços/agricultura. Para que o país acerte o passo com a média da UE27 em matéria de emissões de CO2 nos transportes será crucial apostar nos transportes públicos em quantidade e em qualidade, especialmente no modo ferroviário de transporte.

A estratégia de favorecimento do automóvel individual é especialmente visível nas deslocações pendulares casa-trabalho. Na Área Metropolitana de Lisboa, em 2021, mais de 60% da população usou o transporte individual para deslocações pendulares, o que até representa um aumento de 3 pontos percentuais em relação a 2011. Já na Área Metropolitana do Porto o valor chega aos 74% e em regiões com redes de transporte público mais deficitárias, esta taxa aumenta. Leiria, Viseu, Aveiro, Alto Minho, Coimbra ou Médio Tejo têm taxas superiores a 80%.

Em algumas das localidades, o transporte público pura e simplesmente não existe; noutras, onde existe, não tem horários, rotas ou frequência adaptados às necessidades da população. Combater as alterações climáticas e as desigualdades de acesso ao transporte e à mobilidade em termos de coesão social e territorial é também investir numa política de transportes que aumente a oferta do transporte público e que baixe os preços a ele associados.

[Gráfico 28 : utilização de transporte individual para deslocações casa-trabalho]

Fonte: INE, 2021.

4.2.2. Aposta na Ferrovia para ligar todo o país

A ferrovia é chave para a ligar o país, aumentar a mobilidade das populações, incrementar a qualidade de vida e, claro, para descarbonizar e combater as alterações climáticas. E apesar disso tem sido negligenciada.

Ao longo de décadas encerraram-se centenas de quilómetros de linha, muitas outras centenas continuam à espera de investimento e requalificação urgentes. Resultado: temos hoje uma linha ferroviária muito aquém das necessidades, que não liga regiões e que não serve para a mobilidade quotidiana de grande parte da população.

[Gráfico 29 : Extensão da rede ferroviária: total, explorada e desativada]

Fonte: Pordata

Acresce que a oferta ferroviária, com exceção das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, está, em regra, desligada dos outros sistemas de transporte público existentes nas cidades/regiões que serve. A intermodalidade inexiste e, para além da falta de sincronia nos horários e na distribuição local e sub-regional dos passageiros transportados, não há integração tarifária (em passes ou bilhetes) entre os comboios da CP e os transportes públicos locais e regionais.

O Plano Ferroviário Nacional (PFN) que o Bloco tem vindo a defender assenta num programa de investimentos públicos ao longo de duas décadas para:

  • requalificação integral da Rede Ferroviária Nacional;

  • reforço e extensão da Rede nos territórios deficitários de transporte ferroviário;

  • reequilíbrio da repartição modal entre os vários modos de transporte;

  • correção das assimetrias e reforço da coesão social e territorial.

Segundo este Plano, até 2040:

  • Toda a rede deve estar eletrificada e gerida com recurso a sistemas automatizados de sinalização, controlo e gestão de tráfego;

  • Todas as capitais regionais ou distritais devem estar ligadas por modo ferroviário de modo que permita a multimodalidade no transporte interno e internacional;

  • Devem estar asseguradas ligações funcionais entre os vários sistemas logísticos – portos, aeroportos, plataformas logísticas regionais e fronteiras - por onde circularão os serviços ferroviários;

  • Deve estar garantido aos cidadãos com mobilidade reduzida pleno acesso à rede ferroviária e às composições que nela circulem;

  • O peso da quota ferroviária no transporte terrestre de pessoas e mercadorias deverá ser 40% das toneladas-quilómetros transportadas e 40% dos passageiros-quilómetros transportados.

O Bloco propõe ainda:

  • A construção da terceira travessia do Tejo, exclusivamente ferroviária, com serviço a várias valências ferroviárias (alta velocidade, rede nacional e regional ferroviária, metropolitanos e MLS da AML, transporte de mercadorias) visando eliminar o estrangulamento da rede ferroviária nacional constituído pela travessia do Tejo, para além de ser uma infraestrutura indispensável para uma acessibilidade sustentável ao futuro Aeroporto de Lisboa, em Alcochete;

  • Construção de novas acessibilidades ferroviárias em vários pontos do território, suprindo ligações em falta às capitais de distrito ou nas ligações transfronteiriças, que já existiram (Linha do Douro e Cáceres) ou que devam existir (Vila Real de Santo António);

  • Reforço do domínio de atuação de uma empresa pública dedicada à ferrovia, recuperando as capacidades e recursos humanos qualificados indispensáveis ao desenvolvimento da indústria ferroviária em Portugal que existiram na ex- REFER, ex-EMEF e na CP, como condição para o planeamento, projeto e execução do Plano Ferroviário Nacional; nesse sentido, o próximo governo deve acelerar a concretização do PFN e antecipar desta forma a ligação ferroviária entre todas as capitais de distrito.

  • Plano de Modernização e Renovação do Material Circulante da CP para renovar/modernizar 50% da frota nos próximos dez anos;

4.2.3. Transformar a mobilidade nas áreas metropolitanas

O último Inquérito à Mobilidade e os Censos indicam que há ainda uma percentagem alta de utilização do automóvel. Pese embora não existam dados do Inquérito à Mobilidade mais recente, alguns estudos esporádicos foram dando nota de um aumento desta utilização, em particular devido à pandemia.

A oferta de transportes públicos em número e frequência suficientes e a redução tarifária são duas chaves para mudar as dinâmicas de mobilidade e reduzir o transporte privado.

O Bloco insiste em propostas de aprofundamento da redução tarifária, nomeadamente com passes intermunicipais e nacionais mais baratos e transportes públicos gratuitos nas cidades. Naturalmente, o aumento da procura proporcionado pela redução dos preços tem que ter correspondência no alargamento dos sistemas de transportes coletivos e das suas várias componentes rodoviária, ferroviária e fluvial nas regiões metropolitanas.

As propostas do Bloco:

  • Gratuitidade dos transportes públicos para jovens até aos 25 anos , pessoas com 65 ou mais anos, pessoas com deficiência, beneficiários de prestações sociais e desempregados de longa duração;

  • Redução do preço dos passes dos transportes coletivos de passageiros para 15 euros e de 20 euros, respetivamente para passes municipais e intermunicipais de transportes públicos. Em geral, o custo dos passes intermodais fora das áreas metropolitanas não deve ultrapassar os 50% do custo dos passes intermodais existentes nas áreas metropolitanas e os benefícios existentes nas áreas metropolitanas (nomeadamente a gratuitidade ou transportes a pedido para pessoas com mobilidade reduzida) sejam extensíveis a todas as CIM;

  • Alargamento modal e tarifário dos passes intermunicipais, de forma a integrar num mesmo passe os modos de transportes existentes em cada CIM, os transportes entre diferentes CIM e os serviços da CP que sirvam a região. Caso essas alternativas públicas de transporte não existam, o governo deve providenciar para que, na próxima legislatura, e em conjunto com as autarquias, tais soluções se concretizem;

  • Passe ferroviário nacional: reduzir o preço do passe ferroviário nacional no valor mensal de até 40€ para os comboios urbanos, regionais, inter-regionais e intercidades.

  • Aprofundamento da integração modal, horária e tarifária de todos os modos de transporte existentes, nomeadamente entre os comboios da CP e os transportes públicos locais e regionais.

  • Promover a integração modal e tarifária entre CIM, para que deslocações pendulares entre CIM sejam abrangidas pela redução do preço dos passes;

  • Descarbonização dos modos de transportes, com soluções ferroviárias ao nível dos transportes urbanos, suburbanos e sub-regionais;

  • Criação de zonas centrais de grande restrição à circulação automóvel nas grandes cidades, começando por Lisboa e Porto, abrangendo em quatro anos 100 hectares em Lisboa (Baixa, Chiado e Avenida da Liberdade) e 40 hectares no Porto (Ribeira, Sé e Aliados) com vista a posterior expansão;

  • Promoção de meios de mobilidade suave: Construção de ciclovias e sistemas de bicicletas partilhadas, com a criação de equipas técnicas de apoio aos municípios para o seu planeamento, desenho e execução, bem como para a elaboração de um manual de boas práticas;

  • Requalificação das linhas ferroviárias de acesso a Lisboa e Porto:

  • Lisboa: linhas de Cascais, Sintra, Azambuja, Eixo Ferroviário N/S e Barreiro/Praias do Sado; Porto: linhas de Aveiro, Minho, Braga, Guimarães e Douro;

  • Expansão e qualificação das redes de metropolitano de Lisboa e Porto, por forma a garantir o seu funcionamento efetivo em rede, abrangendo áreas geográficas carenciadas e permitindo a retirada de carros dos movimentos pendulares.

Para que o investimento inclua todo o país, o Bloco propõe:

  • Apoio à Comunidades Intermunicipais para aquisição de meios de transporte público coletivo elétricos ou promoção de soluções de mobilidade ferroviária para serviços regionais e sub-regionais;

  • Expansão do Metro Sul do Tejo às fases de desenvolvimento já previstas (Costa da Caparica, Seixal, Barreiro, Moita) e posterior prolongamento a Montijo e Alcochete, num total de 40 km;

  • Inclusão da Travessia Fluvial do Sado entre Setúbal e Tróia no Incentiva +TP, por forma a integrá-la na redução tarifária já em vigor do Passe Navegante da Área Metropolitana de Lisboa.

  • Ao longo dos anos, a Atlantic Ferries, empresa do grupo SONAE concessionária do transporte fluvial, tem vindo a aumentar o custo da travessia para valores insuportáveis para a população trabalhadora.

  • O preço da tarifa dos catamarans aumentou 300% desde 2007, tendo-se pelo meio acabado com os bilhetes mais baratos para crianças e idosos. O passe desta travessia custa atualmente 92,80€ por mês. Em 2010 era 40€.

  • O encarecimento brutal da travessia fluvial pela SONAE é uma forma ardilosa de afastar os setubalenses de Tróia, restringindo-a a uma elite endinheirada. A mesma SONAE promove o Troiaecoresort, um empreendimento turístico que pretende vedar o acesso dos pescadores à Caldeira a partir de 2024.

  • Três novas linhas semi-circulares na Margem norte de Lisboa para veículos ferroviários ligeiros de superfície, de modo a cobrir ligações transversais a norte da AML:

  • Integração e reabilitação do antigo ramal ferroviário da Trofa.

  • Reabertura da linha ferroviária de Leixões para passageiros.

  • Reforço anual das verbas afetas ao Incentiva +TP e correção das desigualdades nos critérios de financiamento;

  • Investimento em ligações por ferrovia ligeira em zonas com características metropolitanas: o O tram-train do Algarve, ligando Faro a Portimão, via aeroporto, e as diferentes cidades que se localizam junto à orla costeira algarvia, num total de 63km; o Reabilitação e eletrificação de toda a extensão da Linha do Vouga, obra com atrasos inaceitáveis há demasiados anos; o Reabilitação e reforço da frequência na Linha do Oeste; o Completar a ligação do quadrilátero urbano Braga-Barcelos- Famalicão-Guimarães por via ferroviária.

4.2.5. Rodovia

O Plano Rodoviário Nacional (PRN) está quase construído, mas conhecemos os constrangimentos que ainda existem em alguns troços onde a requalificação é urgente por questões de segurança. Apenas a vertente rodoviária de fechamento de alguns troços está inscrita no PRR, na rubrica dos chamados “missing links”.

No entanto, tal não corresponde às necessidades existentes, em especial no interior do país. É também indispensável aprovar uma nova estratégia de acessibilidade rodoviária e romper com o modelo de saque do erário público e do bolso dos portugueses para financiar as rendas milionárias das parcerias público-privadas (PPP). Segundo o relatório da UTAO, o setor rodoviário representou, no primeiro semestre de 2023, 92% dos valores globais de encargos líquidos com as PPP.

As propostas do Bloco:

  • Antecipação do fim das PPP rodoviárias, começando pela eliminação das portagens para as auto-estradas de acesso às regiões do interior do país ou onde não existam alternativas rodoviárias efetivas (A22, A23, A24, A25, A28, A29, A41, A42);

  • Criação de um novo modelo de financiamento das infraestruturas rodoviárias que permita concluir as concessões rodoviárias em vigor com base numa revisão global dos contratos para níveis aceitáveis.

  • Conclusão da rede rodoviária nacional.

4.3. Democratizar a energia para responder às alterações climáticas e à pobreza energética

Portugal é um país marcado pela pobreza energética, fruto em grande parte dos elevados custos finais dos combustíveis e da eletricidade, e por uma grande dependência energética (cerca de 70%) do exterior, que resulta na importação de combustíveis fósseis a preços especulativos, agravados por conflitos internacionais como a invasão da Ucrânia pela Rússia. Apesar de sermos um dos países com maior percentagem de geração de eletricidade renovável, a nossa indústria, os transportes e os edifícios ainda são muito dependentes dos produtos petrolíferos e do gás natural.

Gráfico 30

Percentagem do consumo de energia final por setor e por fonte de energia, 2019 (fonte Agência Internacional de Energia).

Uma estratégia de descarbonização do setor energético deverá passar por três eixos essenciais:

  • reduzir necessidades energéticas através de medidas de eficiência;

  • electrificar consumos, principalmente os transportes;

  • aumentar a produção renovável.

Os governos do PS não apresentaram até hoje medidas significativas nos dois primeiros eixos. Não tem ideias em matéria de eficiência energética e o plano de eletrificação dos transportes está longe de resolver o problema de 98% de combustíveis fósseis no setor. No eixo das renováveis, o PS tem apresentado uma estratégia assente em megaprojetos no hidrogénio e no solar fotovoltaico, que reduz a descarbonização a um slogan para negócios. O resultado está à vista: falta de transparência, atrasos nos projetos e uma economia por descarbonizar.

É, pois, urgente redirecionar o modelo energético nacional para a neutralidade carbónica, antecipando de forma socialmente justa as metas do Roteiro 2050, melhorando os indicadores de independência energética e reduzindo a fatura energética. A estratégia do Bloco assenta em três eixos:

  • Fim dos megaprojetos e aposta no solar descentralizado

  • Programa para a eficiência energética na habitação

  • Redução da fatura energética e combate à pobreza energética

4.3.1. Fim dos megaprojetos e aposta no solar descentralizado

Entre 2025-2030, o Plano Nacional de Energia e Clima prevê a instalação de 12 GW de solar fotovoltaico, 75% dos quais serão alocados a grandes centrais fotovoltaicas. Estas megacentrais solares impõem graves impactos nas economias locais e no ambiente, requerem morosos estudos técnicos e pareceres ambientais, mobilizam formas de promiscuidade entre política e negócios, deixando grande parte da estratégia de descarbonização nas mãos de um pequeno grupo de agentes privados.

A promoção obsessiva do investimento em megacentrais é um erro que está em dissonância com o resto da Europa, onde 65% da eletricidade de fonte solar é gerada localmente em pequenos projetos fotovoltaicos instalados em edifícios industriais, comerciais e residenciais. Em Portugal essa parte é de apenas 25%.

Gráfico 31

Para inverter esta estratégia do governo, o Bloco propõe um plano para a instalação de 8 GW de potência solar fotovoltaica descentralizada até 2030. Este plano permitirá atingir, pelo menos, 10 GW em solar distribuído e alcançar assim a paridade com o solar centralizado.

Medidas do plano:

  • Suspender a emissão de licenças para megacentrais solares até que a instalação de solar descentralizado corresponda a 50% da capacidade fotovoltaica nacional.

  • Lançamento de concursos regionais para a instalação de sistemas fotovoltaicos em edifícios públicos, com o objetivo de atingir 1 GW de potência instalada até 2030. Este programa representa um investimento de aproximadamente 900M€ e uma redução do consumo elétrico em edifícios públicos estimada em 160M€/ano (cerca de 25%).

  • Financiamento de sistemas de autoconsumo comunitários, mediante investimento público a amortizar em até oito anos através da absorção de parte das poupanças realizadas pelos utilizadores. Os agregados beneficiam assim de uma poupança líquida imediata, sem qualquer investimento inicial. O objetivo é atingir uma potência instalada de 2 GW até 2030, com um investimento de 1800 milhões de euros e taxas de rentabilidade para o Estado superiores a 5%.

  • Programa de incentivos ao solar fotovoltaico específico para aplicações comerciais e industriais, com o objetivo de atingir pelo menos 3 GW até 2030.

  • Revisão dos regimes remuneratórios e das tarifas de acesso à rede para os diferentes tipos de solar descentralizado, com o objetivo de incentivar a adoção de painéis por outros consumidores particulares e atingir 2 GW até 2030.

  • Criação de gabinetes à escala municipal para facilitação da agregação de cidadãos interessados na formação de sistemas comunitários de autoconsumo.

4.3.2. Agência pública para a eficiência energética na habitação

Os instrumentos públicos de promoção de eficiência energética no parque habitacional são direcionados, ora à habitação social, ora à classe média e média alta através de mecanismos de comparticipação de investimentos ou incentivos fiscais. Os mecanismos de comparticipação requerem capacidade financeira para investimentos, o que exclui a grande maioria das famílias, com rendimentos abaixo dos 2000€ mensais. Por outro lado, parte significativa destas famílias habita em casas arrendadas e dependente do acordo do senhorio para realizar obras.

A execução do Plano Nacional de Ação para a Eficiência Energética (PNAEE, 2013) é medíocre (60% em 2016 e 40% para 2020). Na agricultura, essa execução era de 0% e no Estado entre 10% e 20%. A recuperação do atraso no edificado público deverá ser acompanhada de um aumento da eficiência energética residencial, com redução de emissões, poupanças substanciais e melhores condições de habitação.

Uma boa medida

Em 2017, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana anunciou a intervenção em 1600 fogos de 17 bairros sociais, incluindo “remodelação e isolamento das coberturas, revestimento das fachadas com materiais eficientes em termos energéticos, substituição de todas as janelas e respetivas caixilharias e reparação e beneficiação das áreas comuns dos edifícios, nomeadamente escadas e redes comuns de água e eletricidade”, num investimento total de 16,3 milhões de euros, 10 mil euros/fogo.

O Bloco propõe um programa com vista a massificação da eficiência e conforto térmico no parque habitacional no valor de 150 milhões de euros por ano. Este programa pretende abranger as famílias em risco de pobreza energética, isto é, que combinam uma fatura energética elevada com um rendimento mensal líquido abaixo dos 2000€/mês. As características deste programa são:

  • Os investimentos são sugeridos e avaliados pelo programa;

  • Os investimentos são pagos e contratados diretamente pelo Estado;

  • O programa define uma rede de pequenas e médias empresas instaladoras por todo o território nacional, observando condições laborais;

  • O programa terá um plano de formação contínua na área da eficiência energética tanto para avaliadores como para empresas construtoras;

  • O programa deve responder a famílias:

    • com casa própria: financiamento a 100% de intervenções com vista a melhorar o conforto térmico da habitação (Janelas A+, isolamento, sistemas de aquecimento/arrefecimento eficientes);
    • arrendatárias: financiamento a intervenções de senhorios em fogos com inquilinos em situação de pobreza energética. Neste regime, a percentagem de financiamento dependerá da duração do contrato;

4.3.3. Redução da fatura energética e combate à pobreza energética.

A atribuição automática da tarifa social aos agregados elegíveis, fruto da intervenção do Bloco de Esquerda, permitiu que, de 100 mil agregados se passasse a abranger 800 mil. Foi um passo importante, mas não suficiente. Portugal ainda é um dos países com maior taxa de mortalidade no inverno e 40% da população em risco de pobreza vive sem condições adequadas de conforto térmico. A pobreza energética convive com uma economia de privilégio no setor e com uma excessiva tributação em IVA, herança da troika que o PS insiste em conservar.

Para reduzir a fatura e combater a pobreza energética, o Bloco propõe:

  • Cortar os “lucros caídos do céu”. Devem ser aplicadas formas de recuperação dos ganhos excessivos resultantes de um modelo de mercado que reflete custos de carbono na remuneração de centrais não emissoras. Em particular, são beneficiadas as barragens que já existiam à data de entrada em vigor do mercado de direitos de emissão (2005) e cujos investimentos não consideraram estes ganhos, resultantes de regulação posterior.

  • Descida do IVA da eletricidade e do gás de botija para 6%. As alterações ao regime de IVA sobre a eletricidade introduzidas pelos governos do PS ficaram longe de reverter o aumento para a taxa máxima decidido pelo governo PSD/CDS. A energia é um bem de primeira necessidade. O Bloco de Esquerda defende a reposição da taxa de 6% que vigorou até 2011.

  • Consumo mínimo garantido nos três meses de inverno. O fornecimento gratuito de 5 KWh/dia às pessoas beneficiárias da tarifa social garante a proteção dos segmentos de população em situação agravada de pobreza, para quem o desconto da tarifa social não elimina a severa restrição do consumo. Esta medida tem um custo orçamental de 30 milhões de euros (incluindo a perda de receita de IVA).

  • Melhorar o regime da tarifa social em três dimensões: o Isenção do pagamento da componente fixa da tarifa para famílias com muito baixa potência contratada. Mais de 100 mil famílias abrangidas pela tarifa social têm ligações à rede de 1.15 kVA. Significa isto que parte das suas necessidades energéticas básicas (água quente, aquecimento, cozinha) não são satisfeitas com recurso a eletricidade, não beneficiando, portanto, da tarifa social. Assim, sempre que não se trate de agregados consumidores de gás de botija e/ou biomassa, estaremos perante casos de extrema pobreza energética; o Uniformização dos critérios de elegibilidade para acesso à tarifa social do gás natural com a tarifa social de eletricidade; o Financiamento pelos comercializadores dos custos da extensão da tarifa social ao gás engarrafado.

4.4. Levar a sério a adaptação às alterações climáticas: salvar vidas, proteger o território, criar empregos

O 6.º Relatório do IPCC foi claro ao declarar ser “inequívoco que a influência humana aquece a atmosfera, o oceano e a terra” e que “ocorreram mudanças generalizadas e rápidas na atmosfera, oceano, criosfera e biosfera”. De facto, foram registados 65 novos eventos extremos climáticos ao longo de 2022, com 40 estações a reportarem temperaturas máximas absolutas durante o mês de julho e 4 estações a registarem máximos de precipitação no mês de dezembro.

Além disso, o ano de 2022 foi caracterizado por seis ondas de calor, quatro das quais ocorreram durante o período de verão. Também foram observados cinco eventos de cheias, resultantes da precipitação intensa e persistente.

O aumento da temperatura média global está a criar uma resposta amplificada no aquecimento do mediterrâneo, criando condições para o aumento de ocorrência de ondas de calor, mais intensas e prolongadas, acompanhadas por períodos de seca e cada vez mais incêndios florestais extremos.

Portugal é, na Europa, um dos países com mais riscos climáticos, nomeadamente de tempestades, cheias e secas, de ondas de calor, de incêndios florestais e do potenciamento da erosão costeira.

[Gráfico 32: Riscos aumento da temperatura]

Fonte: IPCC

O Governo PS deixou para trás a adaptação às alterações climáticas. O Programa de Ação Para a Adaptação Às Alterações Climáticas, aprovado em 2019, enunciava ser necessária a adaptação nos domínios dos incêndios rurais, da conservação e melhoria da fertilidade do solo, do uso eficiente da água, da resiliência dos ecossistemas, da prevenção das ondas de calor, das pragas, doenças e invasoras, das inundações e da capacitação e sensibilização da população. Mas o orçamento alocado não passou dos 4,4 milhões de euros.

4.4.1. Proteger a biodiversidade e a natureza

Portugal é o país da União Europeia com as áreas protegidas mais degradadas e é o quarto com mais espécies ameaçadas. A esta realidade não são alheias as atividades económicas e agrícolas intensivas em áreas protegidas e a falta de investimento e de recursos humanos na proteção e gestão de áreas que garantem sumidouros de carbono e preservação da biodiversidade.

A estratégia europeia para a biodiversidade 2030 implica que Portugal classifique como áreas protegidas 30% da sua área terrestre e marinha. Particularmente na vertente marinha, existe ainda uma grande distância para essa meta.

As propostas do Bloco:

  • Alteração da lei das minas garantindo a proteção ambiental, a participação e escrutínio das populações e eliminar normas discricionárias;

O Governo prevê a exploração de lítio numa vasta área do território. As populações da serra da Argemela, de Boticas, de Montalegre e da Lixa saíram à rua a rejeitar a exploração de lítio junto às suas povoações. O Bloco tem-se batido pela alteração da lei das minas, um autêntico regime de via verde para as explorações de lítio. Foi a ação parlamentar do Bloco que permitiu salvaguardar as áreas protegidas, excluindo-as de áreas a submeter a procedimento concursal para mineração pelo Estado. Agora é preciso garantir que também estas populações e o seu território ficam a salvo da voragem.

  • Revogação do modelo de cogestão das áreas protegidas;

  • Aumento da área e do número de áreas protegidas terrestres e marinhas;

  • Revisão, regulamentação ou interdição de atividades económicas e agrícolas intensivas em áreas protegidas;

  • Criação do “Estatuto da ativista ambiental”, com vista à sua proteção por mecanismos legais, nomeadamente de apoio judicial;

  • Suspender o processo de transferência/cedência dos trabalhadores afetos ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) para as CCDRs, em diálogo com as entidades representativas dos trabalhadores.

4.4.2. Reconversão industrial para redução de emissões

Os setores industriais com mais elevadas emissões - energia, celulose e cimentos - deverão passar a ser avaliados com frequência mensal, devendo reduzir para metade o conjunto das suas emissões - por eletrificação, aumento de eficiência ou outras opções técnicas. A fiscalização será feita com recurso a um corpo de especialistas e à inspeção pública.

As propostas do Bloco:

  • Criação da Inspeção-Geral das Emissões Industriais, responsável pela análise regular das principais unidades do país. Alcançado o objetivo de corte de emissões, a inspeção será integrada no IGAMAOT;

  • Reconversão da indústria cimenteira com integração de produtos sustentáveis, nomeadamente através da incorporação de resíduos de construção e demolição, reduzindo as emissões e a necessidade extrativa.

  • Criação do Programa Nacional para a Transição Justa, com apoios sociais e formação para que os trabalhadores e trabalhadoras das indústrias poluentes que têm de ser encerradas possam usar os seus conhecimentos e experiência em empresas de baixo carbono.

4.4.3. Transformar a agricultura e a floresta

Dado o estado atual da agricultura portuguesa, os seus constrangimentos socioeconómicos e, em especial, a urgência da sua transformação em resposta às alterações climáticas, o Bloco de Esquerda propõe um programa de transição ecológica agroflorestal, fazendo a transição do atual modelo de monocultura e de elevado consumo de água.

Responder aos incêndios florestais Os problemas de despovoamento, desertificação e aumento da área de eucaliptal mantêm-se, sendo agravados pela crise climática. Acresce que o Estado português detém apenas 3% da propriedade florestal, valor que contrasta com 58% de média da Europa. O risco de incêndio florestal continua a ser uma enorme ameaça às populações e um risco ambiental. É necessário capacitar e valorizar a administração pública - assim como os pequenos proprietários e os baldios e avançar para um modelo sustentável e biodiverso de floresta, priorizando espécies autóctones e promovendo a gestão associativa da floresta.

  • Dotar o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) com os meios necessários para a gestão e conservação das áreas classificadas;

  • Intervir eficaz e rapidamente nas áreas ardidas através de planos de estabilização de emergência, no sentido de evitar a perda de solo.

  • Dotar as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), estabelecidas em zonas de elevado risco de incêndio florestal, dos meios necessários para o conveniente ordenamento e gestão da paisagem e da floresta para promover a resiliência aos incêndios, a valorização do capital natural e a promoção da economia rural.

  • Apoiar e alargar a área territorial do Programa Condomínios de Aldeia para apoiar as aldeias localizadas em territórios vulneráveis ao risco de incêndio, de modo a assegurar a alteração do uso do solo e a gestão de combustíveis em redor dos aglomerados populacionais.

  • Implementação adequada do Plano Nacional de Fogo Controlado, que tem ficado muito aquém dos objetivos, para se conseguir uma defesa eficaz contra os incêndios, implicando o aumento da área de gestão ativa. Este Plano deveria minimizar o risco de incêndio e promover a renovação de pastagens, ao mesmo tempo que cria uma paisagem em mosaicos, incrementando a biodiversidade, mas necessita, paralelamente, da formação técnica dos diversos agentes florestais.

  • Conclusão do Cadastro da Propriedade Rústica;

  • Definição de uma estratégia de gestão em comum do minifúndio florestal com apoios efetivos à criação de UGFs (unidades de gestão florestal) a partir do respectivo instrumento legal;

  • Fim dos apoios públicos a explorações agroflorestais e pecuárias cuja atividade contraria o interesse público ou que pela sua dimensão económica, não dependem desses apoios;

  • Redução da área de eucalipto;

  • Reabilitação dos serviços públicos florestais e das matas nacionais e perímetros florestais, com expansão da floresta pública em áreas estratégicas para responder a desafios concretos das alterações climáticas;

  • Revisão e harmonização dos instrumentos de planeamento agroflorestal em função dos cenários de alterações climáticas previstos e das especificidades de cada região.

  • Reforço de todas as equipas e profissionais de proteção da natureza e combate aos incêndios - vigilantes, sapadores florestais, bombeiros - com valorização das suas carreiras.

Produção agroflorestal: transitar da produção (super)intensiva para a extensiva e multifuncional

Os sistemas intensivos apresentam grande produtividade, mas representam um risco para a saúde pública e para a preservação dos recursos, devido à facilidade de propagação de pragas, ao uso intensivo de agroquímicos e à falta de resiliência aos riscos climáticos. Em consequência das alterações climáticas, prevê-se uma descida até 30% da produtividade agrícola, pelo que é necessário garantir um modelo de segurança alimentar e de sustentabilidade ambiental. É ainda necessário promover ciclos curtos e locais de produção e consumo.

As propostas do Bloco:

  • Proteção das zonas ripícolas de modo a garantirem a proteção dos ecossistemas aquáticos das áreas de cultivo ou de florestação intensiva e adoção de planos regionais de ordenamento e instalação estabelecendo áreas máximas para cada tipologia de cultura agrícola, promovendo uma paisagem agroalimentar heterogénea;

  • Promoção dos princípios da produção integrada, garantindo a gestão racional dos recursos naturais, privilegiando a utilização dos mecanismos de regulação natural em substituição de fatores de produção;

  • Proibição de colheitas mecanizadas noturnas;

  • Criação do licenciamento para áreas de produção intensivas com avaliação de impacto ambiental obrigatória a partir de determinada dimensão;

  • Proibição da implantação de culturas sem solo, hidropónicas ou em substrato, em solos com elevado potencial agrícola, bem como de estufas para produção agrícola em áreas de Reserva Ecológica Nacional.

  • Criação do Banco Público de Terras exclusivamente dedicado a culturas extensivas e à transição ecológica agroflorestal;

  • Criação de uma taxa sobre a produção florestal de crescimento rápido e a indústria da celulose com aplicação de receitas no financiamento de serviços de ecossistema florestais com espécies autóctones;

  • Criação de apoios públicos financiados pela PAC e destinados a serviços de ecossistema;

  • Promoção da produção animal extensiva;

  • Promoção da produção e do consumo de bens alimentares de proximidade e de agriculturas sustentáveis;

  • Consagração de uma Lei de Bases do direito humano à alimentação e nutrição adequadas;

  • Criação de mecanismos de justa remuneração aos pequenos agricultores nas cadeias de abastecimento.

  • Pagamento por serviços do ecossistema, para remunerar os pequenos proprietários florestais e os pequenos agricultores pela promoção da biodiversidade e pelas estruturas de prevenção dos incêndios rurais.

4.4.4. Promover o trabalho profissionalizado e com direitos O modelo de exploração laboral intensiva na agricultura tem-se tornado mais frequente em Portugal. É imperativo garantir a fiscalização e atuação, garantindo direitos laborais e combatendo redes de exploração e/ou tráfico humano e garantido remuneração justa e condições adequadas aos trabalhadores, promovendo igualmente a evolução das competências na agricultura.

Mais de 90% dos assalariados agrícolas são imigrantes, vítimas de exploração inerente a um modelo de baixos salários e potenciado pelo sistema de subcontratação selvagem de tarefas agrícolas sazonais a engajadores de mão-de- obra e empresas prestadoras de serviços, constituídas “na hora” e que podem “desaparecer num minuto” para reaparecerem sob outro nome, deixando atrás de si um rasto de salários não pagos, impostos e contribuições para a segurança social em dívida, além de outros crimes.

Muitos destes “prestadores de serviços” seguem os imigrantes desde os países de origem e cobram-lhes coercivamente o serviço da dívida contraída por conta do passaporte para o “eldorado europeu”, sob diversas formas: retenção de

documentos, pagamentos abusivos para tratar do processo de regularização, por habitação em condições desumanas, por transportes degradados, etc.

Além da denúncia e do combate ativo às máfias laborais, é preciso corresponsabilizar os beneficiários finais desta cadeia de exploração infame: os grandes proprietários que obtêm lucros extraordinários a custos mínimos, sem qualquer responsabilidade social e, no limite, sem trabalhadores a seu cargo.

Assim, o Bloco defende nova alteração ao Código do Trabalho, estabelecendo a “responsabilidade direta” do “dono da obra, empresa ou exploração agrícola e a empresa utilizadora ou adjudicatária de obra ou serviço, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores” que deverão ser constituídos arguidos desde o início do processo, no qual responderão como réus pelas infrações ou crimes cometidos dentro da sua propriedade.

4.4.5. Defender a água como recurso ecológico, económico e social

A água é um recurso escasso com riscos agravados devido à crise climática.

[Gráfico 33: Severidade da seca nos últimos 12 meses em Portugal]

Fonte: IPMA

As propostas do Bloco para a reorganização da agricultura, floresta, pecuária, mas também na economia, na vida e até nos campos de golfe visam promover a preservação do recurso.

  • É igualmente necessário rever a Convenção de Albufeira para a fixação de caudais mínimos diários procedentes do lado espanhol e garantir a sustentabilidade do uso do recurso dos dois lados da fronteira. Nas albufeiras com aproveitamento energético, essa atividade não se pode sobrepor à preservação do recurso e da existência de caudais ecológicos. E é necessária a remoção de barragens e açudes obsoletos.

  • Monitorização regular bianual do Estado Ecológico das Águas Superficiais e plano de investimento adequado no âmbitos dos Planos de Gestão dos Recursos Hídricos (PGRH) que leve à melhoria da sua qualidade (o que não tem vindo a acontecer, pelo que se está em incumprimento da Diretiva respetiva).

  • Alargamento para todo o país dos Planos de Eficiência Hídrica, que visam criar as condições para o uso sustentável dos recursos hídricos e criar os mecanismos necessários para fazer face à escassez da água em cenários de alterações climáticas.

  • Revisão do preço da água para os grandes consumidores, nomeadamente do Sistema Global de Rega de Alqueva, dado que os valores estabelecidos não se repercutem nos custos das infra-estruturas (apenas é incorporada o valor da manutenção e não o das obras hidráulicas) o que tem favorecido as culturas super-intensivas e de grande impacto ambiental.

Propomos ainda uma linha de financiamento do Estado às autarquias para resgate dos sistemas de água privatizados.

A história da privatização e gestão privada de abastecimento de água, de saneamento no globo tem sido uma história de deterioração da qualidade do serviço, de aumento exponencial das tarifas e também de uma forte rejeição e protesto das populações. Isso é verdade cá como lá fora.

Em França, desde o início deste século, ocorreram pelo menos 110 casos de remunicipalização dos serviços de água e saneamento. Paris fez a remunicipalização em 2008, com enormes poupanças no custo do serviço para a autarquia, reduzindo tarifas e reinvestindo os lucros na manutenção e melhoramento do sistema em vez da distribuição de dividendos a acionistas. Também os programas sociais no serviço foram reforçados. Também a capital da Alemanha, Berlim, remunicipalizou o serviço de água e saneamento.

Em Portugal, a experiência da gestão privada do abastecimento de água não é nova, aliás em 1855 formalizou-se um contrato de concessão para a área de Lisboa pelo período de 80 anos. Apenas 3 anos depois, por falta de cumprimento do contrato por parte do concessionário, o Estado rescindiu com a empresa. Os problemas da gestão privada da água resultam muitas vezes na necessidade de mecanismos públicos. Foi o caso de Lisboa. Nos últimos meses da ditadura, após uma epidemia de cólera em Lisboa, criou-se a EPAL para resolver os problemas criados pela gestão privada da água na região de Lisboa. Após o 25 de Abril e cumprindo diretivas da Organização Mundial de Saúde foram realizadas, sob gestão pública, diversas obras de melhoramento do sistema da capital. Mais recentemente, o município de Barcelos viu-se perante uma concessão do serviço de águas que ameaçou perigar todas as contas e toda a atividade municipal, e a autarquia de Paços Ferreira mostrou a intenção de rescindir com justa causa o contrato da concessão do serviço de águas, que muito custou à autarquia, justificando que a rescisão “porá fim a um problema que se arrasta há muitos anos, com situações gravosas para os cidadãos”. Muitos municípios que embarcaram na aventura da privatização da água querem agora voltar atrás, mas muitas vezes veem-se presos a contratos leoninos e ameaçadas de processos e pedidos de indemnização. Para trazer a água para a gestão pública, a única que garante que este bem essencial é gerido em prol da população e tendo em conta a sustentabilidade deste recurso, e para libertar os municípios da chantagem das empresas, é preciso: Interditar, por lei, a qualquer empresa privada a participação ou a compra de concessões de sistemas municipais e multimunicipais, empresas públicas ou qualquer atividade económica relacionada com os serviços de abastecimento e saneamento de águas; Determinar, também por lei, a reversão dos atuais processos de privatização; Criar uma linha de financiamento às autarquias para reversão dos contratos danosos.

4.4.6. Redução do plástico e eliminação do uso único

A profusão de materiais em plástico criou um problema ambiental, energético e de resíduos. É necessário um programa de combate à obsolescência programada e medidas de durabilidade e reutilização dos produtos nomeadamente recorrendo à tara recuperável de embalagens. Proibição de produtos de higiene com microplásticos.

4.4.7. Setor dos resíduos

O sector dos resíduos em Portugal foi alvo de grande privatização, criando um grande monopólio privado. O resultado é que as diversas metas aplicadas ao sector têm sido sucessivamente incumpridas. O Bloco defende que o sector dos resíduos é um serviço público essencial à população e deve ser público. Defende ainda a aposta na recolha porta-a-porta, na compostagem local quando adequada e a criação de novos fluxos de resíduos de responsabilidade dos produtores.

4.4.8. Pesca sustentável e direitos laborais

Para proteger os oceanos, é necessário um modelo de pesca sustentável e de remuneração justa aos trabalhadores da pesca.

As propostas do Bloco:

  • Criação de uma rede de áreas marinhas protegidas que garanta a preservação da biodiversidade em pelo menos 30% do mar nacional;

  • Aplicação de uma moratória à mineração no mar, protegendo os ecossistemas marinhos;

  • Restrições à pesca de arrasto, a defender pelo governo português no plano europeu e internacional;

  • Apoio à modernização e descarbonização da frota pesqueira nacional;

  • Monitorização em tempo real da atividade piscatória, adaptando os meios ao tipo e dimensão das embarcações, e garantido a proteção da informação recolhida;

  • Promoção do consumo de pescado de espécies menos procuradas e mais abundantes, contribuindo para a sustentabilidade dos recursos marinhos;

  • Revisão da Lei das Bases da Política de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional: substituição das concessões por 50 anos por licenças renováveis atribuídas condicionalmente; introdução da coexistência de critérios de ponderação de usos, considerando a importância climática do mar.

  • Atribuição de apoios comunitários e nacionais apenas a beneficiários que garantem que a mão de obra assalariada é assegurada através de contratos de trabalho e sem recurso à subcontratação;

  • Atribuição a sindicatos e comissões de trabalhadores o direito a elaboração de parecer prévio, a remeter à Autoridade para as Condições do Trabalho, que, com base nesse parecer, decide sobre medida de majoração extraordinária de apoios comunitários e nacionais, a atribuir em função de indicadores concretos que comprovem o respeito pela legislação laboral;

  • Promoção da segurança no trabalho marítimo, enfrentando de forma sustentável o problema do assoreamento nos portos de pesca onde este ocorre;

  • Fixação de preços mínimos de primeira venda do pescado de valor superior aos custos de produção;

  • Definição de margens máximas de intermediação de pescado, de forma a garantir preços justos ao consumidor.

5. Como Financiar a Criação de Emprego, o Aumento do Investimento e a Reconversão Energética

Com a maioria absoluta do PS o investimento público foi preterido. A obsessão com o excedente orçamental, a submissão à tecnocracia de Bruxelas e os gastos com o juro da dívida pública tiraram dinheiro ao SNS e à escola pública, a políticas de emprego, de habitação e de reconversão energética.

Com a reestruturação da dívida que o Bloco propõe é possível libertar mais de 2 mil milhões de euros para investimento público.

As medidas públicas incluídas neste programa exigem a reposição de um nível de investimento público estrutural de pelo menos 5% do PIB, ou de cerca de 13 mil milhões de euros, multiplicando o que tem sido praticado, além dos contributos comunitários que são limitados no tempo. Esse montante pode ser financiado por uma política orçamental prudente que responde às necessidades fundamentais identificadas neste programa: construção e reabilitação urbana, ferrovia e transportes públicos, infraestruturas de saúde.

O problema A dívida externa é excessiva e é um risco para o país. No final de março de 2023, a posição de investimento internacional líquido de Portugal, que mede a sua dependência financeira externa, era de -193 mil milhões de euros, ou -74% do PIB. Melhor do que em março de 2014 em comparação com o PIB (-122% do PIB), mas ainda elevada. Segundo os dados de 2022, o grosso destes passivos são as administrações públicas (-101 mil milhões) e o valor que se agravou das sociedades não-financeiras (-146 mil milhões).

A dívida pública total era, em março de 2023, de 279 mil milhões de euros, ou 114% do PIB, na ótica de Maastricht. Assim, o juro da dívida pública pesa excessivamente: em 2023, a despesa de Portugal com juros foi de 3,9% do PIB, cerca de 5,9 mil milhões de euros, devendo-se agravar em mais 17%, ou 1003 milhões, em 2024. É necessário reduzir essa despesa.

O Bloco apresenta desde 2017 um plano de reestruturação que permitiria poupanças anuais acima de 2 mil milhões de euros e insiste nessa proposta. Essa será uma das componentes mais importantes para permitir a reposição do nível de investimento público que foi indicada.

A solução do PS e da direita A solução que nos propõem é que Portugal se limite a ajustamentos ocasionais, ao mesmo tempo que recomendam garantias suplementares aos credores e agências financeiras. A maturidade residual média da dívida pública portuguesa é das maiores, mais de seis anos. Temos, portanto, uma dupla vulnerabilidade ao poder dos credores: uma dívida de longo prazo cara e um stock de dívida elevado. Acresce que o governo PS tomou algumas medidas que agravam estes riscos. Na sequência de viagens do Primeiro Ministro e do Ministro das Finanças à China, foi anunciada a estranha decisão de emitir dívida pública em moeda chinesa, os panda bonds, apesar de o Estado se conseguir financiar a taxas de juro muito mais baixas em euros - uma decisão com motivos que parecem ser de ordem política e não económica ou financeira. A decisão tem impacto financeiro desfavorável para o país. O Estado não deve emitir dívida em moeda estrangeira, por regra. Outra negociação conduzida pelo governo foi com o FMI: ao antecipar o pagamento desta dívida - o que se justificava considerando o juro elevado que envolvia -, o governo aceitou condições prejudiciais, como submeter próximas emissões de obrigações a prazos alargados, em vez de beneficiar dos juros negativos em prazos mais curtos.

Beneficiando sobretudo do programa de emissão monetária pelo BCE desde 2016, tanto o prazo médio de maturidade quanto o peso da dívida no PIB foram reduzidos. No entanto, perdeu-se a melhor oportunidade para uma política persistente de recompra de títulos, sobretudo quando Portugal emitia nova dívida com juros baixos e em alguns prazos negativos, o que teria gerado melhores resultados. A oportunidade perdida prejudicou as contas públicas nacionais: se em 2019, 2020 e 2021 a dívida era emitida com menos de 1% de taxa média de juro, era nesse momento que se devia ter avançado para um forte programa de recompra de dívida e sua substituição por títulos com juro baixo; não o tendo feito, em 2023 estamos mais vulneráveis à pressão dos mercados financeiros: o custo da dívida já subiu para taxas de 3,5%, o valor mais alto desde a troika. O tempo perdido foi má gestão orçamental.

O compromisso do Bloco: reestruturação da dívida para reduzir a despesa anual em 2 mil milhões de euros.

O Bloco de Esquerda assinou com o Grupo Parlamentar do PS as recomendações do relatório do Grupo de Trabalho da Dívida Pública de abril de 2017, que teve a participação do ministério das Finanças. O Bloco mantém a sua palavra. Esse relatório propunha:

1. Medidas de ajustamento

  • Reduzir a dimensão da almofada financeira das administrações públicas, concentrando fundos no Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP). Utilizar disponibilidades da almofada financeira para reduzir o nível de dívida pública em cerca de 10 pontos percentuais do PIB;

  • Aumentar o nível de emissões de Bilhetes do Tesouro para reduzir a maturidade residual média da dívida pública portuguesa (foi em 2022 de 6,67 anos);

  • Eliminar o conceito de provisões para riscos gerais do Banco de Portugal, através da alteração do seu plano de contas;

  • Comprar permanentemente, no mercado, dívida do próprio Estado a preços mais baixos, manipulando o preço da dívida e assim influenciando a taxa de juro;

  • Manter a política de redução das provisões do Banco de Portugal e entregar ao acionista (o Estado), sob a forma de dividendos, os lucros obtidos com a dívida pública portuguesa e redistribuídos pelo BCE.

Todas estas medidas permitiram um choque imediato no peso da dívida pública.

2. Regras estruturais para a operação do IGCP

  • Exigir a apresentação de cenários alternativos ou decisões alternativas e apresentação dos cálculos do valor atual líquido das operações de gestão de dívida, recorrendo a taxa de desconto adequadas;

  • Não realizar emissões de dívida em moeda estrangeira;

  • Obrigar ao depósito dos fundos do IGCP no Banco de Portugal.

  • Definir o plano de contingência para situações de instabilidade e pânico no mercado de dívida pública português. Em situação de crise financeira, deve vender ativos estrangeiros (e.g., títulos de dívida pública de países da zona euro ou dívida dos EUA) e utilizar os fundos para recomprar dívida pública a desconto.

A gestão da dívida deve ser mais prudente e eficiente, recusando operações custosas e de efeito político duvidoso.

3. Um programa ousado de amortização e troca de títulos de dívida

O Banco de Portugal tem cerca de 3677 milhões de euros de provisões acumuladas. Parte significativa deste valor, que é excessivo face aos riscos cobertos, deve ser distribuída ao acionista na forma de dividendos e usada para amortizar imediatamente o stock da dívida pública.

4. Reestruturação da dívida

A proposta apresentada pelo grupo de trabalho, com a assinatura do Bloco (e também do PS, que depois disso a ignorou), definia então uma reestruturação da dívida pública portuguesa detida por instituições oficiais, com a redução da taxa de juro para 1% e um prazo de 60 anos, com um efeito de abatimento do valor atualizado do stock da dívida em cerca de 52 mil milhões de euros e uma redução da despesa em juros em cerca de 700 milhões de euros por ano.

Conjugada com as restantes medidas atrás enunciadas, estas propostas melhorariam a balança de rendimentos em 2228 milhões de euros em 2020 e, na atualidade, em mais de 2500 milhões de euros.

Segundo as projeções dessa proposta, seria possível uma negociação ainda mais ambiciosa, por exemplo para se alcançar uma redução de 37,5 pontos percentuais do rácio da dívida pública, com uma taxa de juro de referência de 0,5% e um prazo

alargado a 90 anos. O nível da dívida externa líquida reduzir-se-ia então para 71,6% do PIB. E, se devido ao erro da política orçamental, não se avançou nesse sentido, aproveitando o tempo em que os juros baixos facilitavam este processo, vai ser necessário no futuro próximo conseguir esta poupança para Portugal.

Sim, É Possível

A Islândia nacionalizou em 2008, no início da crise financeira internacional, um banco falido, o Landsbanki. Mas não incluiu o seu ramo estrangeiro, Icesave, pelo que muitos depósitos, em particular de residentes na Holanda e Reino Unido, que tinham utilizado aquele banco na expectativa de juros e benefícios elevados, foram perdidos. A Holanda e o Reino Unido exigiram então uma compensação para esses depositantes, e o primeiro-ministro inglês chegou mesmo a utilizar a legislação anti- terrorista para confiscar bens islandeses. Mas a Islândia decidiu usar o controlo de movimentos de capitais e recusar aquele pagamento. Para os e as contribuintes islandeses, não fazia sentido aceitar como dívida pública os prejuízos de bancos privados e sacrificarem-se com um aumento de impostos para pagar a conta. Houve então um referendo e a população decidiu rejeitar o pagamento e não reconhecer aquela dívida. A Islândia foi mesmo o único país em que banqueiros foram julgados e presos. O Tribunal Europeu recebeu um apelo dos governos holandês e britânico no sentido de impor a punição e o pagamento à Islândia e rejeitou-o. Este é um exemplo de como o público pode rejeitar o pagamento de uma dívida privada. Uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça, em novembro de 2018, comprovou que um Estado pode, se necessário, proceder a cortes unilaterais a dívida que esteja sob alçada da jurisdição nacional, sem que seja possível recorrer a tribunais internacionais como sede de resolução do conflito com os credores. Fica, portanto, confirmado que, se uma reestruturação de dívida pública sob jurisdição nacional não é alcançada por acordo, existe o direito legal da sua imposição pelo Estado.

5. A dívida portuguesa detida pelo BCE

O BCE e o Banco de Portugal são detentores de um stock importante de dívida pública e privada portuguesa, obtida sobretudo no âmbito do programa de compra alargada de

ativos durante o período do programa de expansão monetária do BCE.

A regra permanente que Portugal deve agora propor é que o BCE fique obrigado a novas compras que reponham este stock sempre que os títulos cheguem à sua maturidade. A não renovação automática deste stock teria efeitos perigosos nos juros a pagar por novas emissões de dívida pública.

6. Justiça Fiscal

Em Portugal os salários pagam mais impostos do que o capital e o peso excessivo dos impostos indiretos castiga quem tem menos rendimentos. Justiça na economia é também justiça fiscal, ou seja, redução de impostos sobre o trabalho e sobre quem menos ganha, ao mesmo tempo que se deve aumentar a tributação sobre fortunas, grandes empresas e atividades especulativas.

O Bloco propõe uma política de progressividade fiscal, com redução de IVA da eletricidade e telecomunicações para 6% e do cabaz de alimentos essenciais para 0% e com a aplicação de impostos sobre lucros excessivos, fortunas e criptoativos.

A carga fiscal em Portugal é inferior à média europeia. Em países como França, Finlândia, Dinamarca, Luxemburgo ou mesmo os Países Baixos, o peso dos impostos no PIB ultrapassa o registado em Portugal. Este facto não significa que se paguem poucos impostos, apenas que a sua incidência está mal distribuída e gravemente distorcida, em benefício do capital e da riqueza e em detrimento do trabalho e do consumo.

A título de exemplo, em Portugal os impostos sobre o capital equivalem a 6,5% de toda a receita, quando a média na UE são 8,5%. Já o consumo pesa, em Portugal, 12,6%, acima da média europeia. Os salários contribuem com 8,3%, abaixo da média da UE, mas acima do capital.

Entre as causas desta distorção estão as seguintes:

1. A redução progressiva e histórica da tributação...

A redução progressiva e histórica da tributação dos lucros em IRC, quer pela redução das taxas estatutárias, quer pela ainda maior diminuição do imposto efetivamente pago, fruto das regras que favorecem o planeamento fiscal agressivo e a evasão. Assim, não só a taxa estatutária de IRC foi cortada em 15,5p.p. nas últimas três décadas como, segundo o Banco de Portugal, a taxa efetiva acaba por ser, no mínimo, 6,5 p.p. inferior à taxa máxima legalmente estabelecida.

[Gráfico 34 : Taxa média sobre lucros (em percentagem)]

2. Portugal não tributa como outros países a...

Portugal não tributa como outros países a riqueza e o património e privilegia fiscalmente os rendimentos pessoais associados ao património imobiliário e financeiro.

Em média, na OCDE, os impostos sobre a propriedade (imobiliária e financeira) equivalem a 5,7% da receita. Em França são 8,7% e mais de 10% no Canadá, no Reino Unido, no Luxemburgo ou mesmo nos EUA. Em Portugal, o peso relativo dos impostos sobre a propriedade é de apenas 4,2%. Enquanto vários países aplicam impostos sucessórios, sobre a riqueza ou sobre as transferências, Portugal tem vindo a eliminar essas formas de justiça fiscal, à exceção da criação do AIMI, cuja receita reverte para o Fundo de Estabilização da Segurança Social. Somos mesmo o terceiro país onde a diferença entre o imposto cobrado aos salários e aos dividendos é superior, em benefício dos últimos (mergulhão).

3. A prevalência dos impostos indiretos é muito...

A prevalência dos impostos indiretos é muito superior em Portugal, onde estes valem 43% da receita total, face à média dos países da UE, onde têm um peso de apenas 34%. São vários os tributos que contribuem para este desequilíbrio, sendo o mais importante o IVA, que se aplica ao consumo de bens e serviços. Devido às suas taxas elevadas mas também às escolhas que colocam bens indispensáveis como a energia ou as telecomunicações no escalão máximo do IVA, este imposto tornou-se numa forma regressiva de tributação, que afeta mais quem dedica uma parcela maior do seu rendimento a consumos relativamente inelásticos.

Só com a correção desses desequilíbrios é que o sistema tributário portugues pode cumprir as funções que constitucionalmente lhe estão atribuídas: reduzir as desigualdades e financiar o Estado Social. A tributação justa e progressiva da riqueza, dos rendimentos de capitais e imobiliários, é uma condição de justiça fiscal, ou seja, é a condição para a redução dos impostos sobre quem trabalha sem comprometer as receitas do Estado que devem financiar serviços públicos universais e de qualidade.

A reforma fiscal proposta pelo Bloco de Esquerda centra-se assim em três objetivos:

  • justiça e progressividade fiscal, com vista ao desagravamento dos impostos sobre o trabalho e bens essenciais, por contrapartida a formas mais eficazes de taxação das grandes fortunas;

  • tributação justa dos lucros das grandes empresas e atividades especulativas, de forma a reverter o desagravamento fiscal histórico sobre os rendimentos de capital e penalizar as atividades puramente especulativas;

  • combate à evasão fiscal e à despesa fiscal injustificada, com a revisão de benefícios e regras fiscais abusivas.

As medidas fiscais relacionadas com a habitação podem ser encontradas no respetivo capítulo.

6.1. Aumentar a progressividade fiscal

A primeira forma de aumentar a progressividade fiscal é reduzindo o peso do IVA sobre bens e serviços essenciais. Esta opção, em alternativa a uma baixa generalizada das taxas do IVA, tem a vantagem proteger a repercussão dos ganhos nos consumidores, evitando a sua apropriação pelas empresas distribuidoras. Por outro lado, não se justifica que atividades não essenciais suportem a taxa mínima de IVA, podendo uma combinação de medidas compensar a perda de receita com ganhos em termos de justiça fiscal.

As propostas do Bloco:

  • Redução do IVA da eletricidade e gás para a taxa mínima (6%);

  • Redução do IVA das telecomunicações para a taxa mínima (6%);

  • Aplicação da taxa zero de IVA a bens essenciais à alimentação;

  • Aumento do IVA dos hotéis para a taxa máxima (23%).

Só os 20% com mais rendimentos em Portugal pagam uma taxa efetiva de IRS superior a 13%. No entanto, as desigualdades no IRS persistem, sobretudo porque a existência de taxas especiais e liberatórias (taxas planas que não aumentam com o rendimento) aplicáveis aos rendimentos prediais e de capitais, que põem em causa a progressividade do imposto. Quanto mais altos os rendimentos de natureza não salarial, maior o ganho da aplicação de uma taxa fixa, em vez do englobamento sujeito a taxas progressivas.

  • Introdução do englobamento obrigatório dos rendimentos em IRS para os dois escalões superiores de IRS. Desta forma, também estes rendimentos passariam a ser tributados progressivamente, de acordo com o nível de rendimentos do sujeito passivo. Esta medida exclui 95% dos contribuintes.

  • Atualizar a dedução específica no IRS em 582€, para 4.686€ de forma a compensar o aumento acumulado dos preços desde 2021. Para um agregado com duas pessoas e um salário mensal bruto de 2.500€, esta alteração permite uma poupança de 268€/ano.

Além da desigualdade na distribuição dos rendimentos, a OCDE, suportada por outros estudos académicos (Piketty e Zucman, 2018; Abreu, 2023), alerta para uma crescente concentração da riqueza nas últimas décadas. Segundo a OCDE, Portugal é o segundo país onde a proporção de riqueza dos 1% mais ricos é maior, e equivale a 23% de toda a riqueza nacional. Entre os 1% mais ricos, 49 têm fortunas acima de 100 milhões de euros. Estes dados podem ler-se à luz de um outro relatório da OCDE, de 2021, que dá conta do peso das heranças na perpetuação das desigualdades. Assim, a organização defende que, deviam ser encontradas formas de tributar a herança, a propriedade e as doações.

As propostas do Bloco:

  • Criação de um imposto sobre doações e heranças, incluindo património mobiliário ou outras formas de ativos líquidos de dívidas, com valor superior a 1 milhão de euros. A taxa a aplicar deverá ser de 16% entre 1 e 2 milhões de euros, e de 25% para heranças acima de 2 milhões de euros. A receita deste imposto, como aconteceu com o Adicional do IMI para património de luxo, será usado para reforçar o sistema de segurança social, contribuindo para aumentar as pensões mais baixas;

  • Criação do imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas, que incide sobre o património global dos sujeitos passivos cuja fortuna seja superior a 2000 salários mínimos nacionais. O imposto estrutura-se da seguinte forma: o Valor patrimonial entre 2000 e 2500 salários mínimos nacionais, 0,6%; o Entre 2500 e 4000 salários mínimos nacionais, 0,8%; o Entre 4000 e 8000 salários mínimos nacionais, 1%; o Mais de 8000 salários mínimos nacionais, 1,2%.

O Imposto Sucessório na Europa

No Reino Unido, o imposto sucessório é de 40% para as heranças cujo valor ultrapasse as 325 mil libras (cerca de 380 mil euros). A maioria dos países da OCDE aplica esse tipo de imposto: Estados Unidos, Alemanha, França, Espanha, Bélgica, Grécia, Holanda, Irlanda, Dinamarca, Luxemburgo, Japão, por exemplo.

O regime proposto para Portugal é menor do que o inglês, mas restabelece um princípio de justiça: o sistema fiscal contribui para condições de aproximação de oportunidades entre pessoas de condições familiares diferentes e não privilegia os benefícios que não correspondem ao trabalho de cada um.

6.2. Tributação justa dos lucros das grandes empresas e das atividades especulativas

Como já foi identificado, consolidou-se, ao longo das últimas décadas, um desequilíbrio estrutural nos sistemas de tributação, em benefício dos lucros e das grandes fortunas e em prejuízo do trabalho e dos consumos básicos. Para além de agravar as desigualdades económicas, este enviesamento priva o Estado de recursos essenciais para financiar serviços públicos abrangentes e de qualidade.

Apesar da retórica que sustenta sucessivas reduções da tributação sobre os lucros e que justifica os mecanismos de planeamento fiscal agressivo, não existe evidência empírica de uma relação inversa entre a tributação dos lucros, por um lado, e o investimento e o crescimento económico, por outro. A relação invocada pelos liberais é contrariada pela história económica - as décadas de maior crescimento e produtividade no período pós Segunda Guerra Mundial foram marcadas por controle de capitais e tributações muito superiores às de hoje - mas também pela evidência atual.

Gráfico 35 : Relação entre imposto sobre os lucros e crescimento económico

Fonte: Economic Policy Institute (Corporate tax rates and economic growth since 1947)

Justifica-se assim que, sem prejuízo das medidas de carácter internacional para combater a erosão das bases fiscais e a transferência de lucros, se corrijam aspetos do sistema fiscal português que promovem o planeamento fiscal agressivo e agravam a injustiça fiscal.

Os impostos que a EDP recusa pagar Em 2019 a EDP anunciou a venda à Engie de seis barragens por um valor de 2200 M€. Perante o negócio, o Parlamento aprovou uma norma no Orçamento do Estado para 2021 que garantia que a verba do respectivo imposto de Selo sobre o valor do trespasse da concessão (110M€) fosse entregue aos municípios afetados pelas barragens. A disposição legal ficou sem efeito, não só porque o negócio foi antecipado para antes da entrada em vigor da lei do Orçamento, mas também porque a EDP nunca liquidou o imposto de selo. Para evitar o pagamento, entre outras manobras de planeamento fiscal, a EDP montou uma falsa reestruturação: cindiu as barragens para uma nova empresa dentro do grupo EDP e depois vendeu as participações sociais dessa nova empresa a uma outra, a ser fundida na Engie. A empresa alegará que esta é uma reestruturação fiscalmente neutra, embora seja claro que o objetivo da operação foi apenas a obtenção de vantagem fiscal. Embora tivesse em sua posse todos os elementos do negócio, e tendo mesmo sido alertado para o risco de planeamento fiscal agressivo, o Governo autorizou a venda das concessões sem colocar como condição o cumprimento das respetivas obrigações fiscais. Para além do imposto de selo, que será agora disputado pela Autoridade Tributária, persistem dúvidas relativamente ao IRC efetivamente suportado pela EDP sobre as mais-valias da venda. Finalmente, a operação foi ainda isenta de IMT, uma vez que a EDP disputou em tribunal arbitral a anterior decisão da Autoridade Tributária de cobrar IMI e, logo, IMT, sobre as construções afectas às barragens. Em fevereiro de 2023, o Governo do PS alterou finalmente a sua posição, emitindo um despacho que obrigava a AT a cobrar o IMI a todas as barragens. Apesar disso, o ano acabou sem que a EDP ou ENGIE pagassem o respectivo imposto aos municípios onde estão localizados os aproveitamentos hidrelétricos.

As propostas do Bloco

  • Criação de um novo escalão da derrama estadual para empresas com lucros entre 20 milhões e 35 milhões com a taxa de 7%. Este novo escalão permite um pequeno aumento do IRC das empresas com maiores lucros, que pode ser canalizado para o financiamento dos serviços públicos e da segurança social;

  • Criação de um imposto sobre a prestação de determinados serviços digitais onde a participação dos utilizadores e das utilizadoras cria valor para as empresas prestadoras do serviço. O imposto aplica-se a: publicidade dirigida a utilizadores e utilizadoras de determinada interface ou plataforma digital (serviço de publicidade online); a disponibilização de interfaces ou plataformas digitais que permitam a quem utiliza localizar outras pessoas e interagir com elas, facilitando entrega de bens ou prestação de serviços subjacentes diretamente a esses utilizadores (serviço de intermediação online); a transmissão, incluindo a venda ou cessação, dos dados recolhidos gerados por atividades realizadas nas interfaces ou plataformas digitais (serviços de transmissão de dados). A taxa de imposto proposta é de 3% e as condições que obrigam ao pagamento do imposto são: que o volume de negócios no ano anterior tenha superado os 750 milhões de euros; que o montante total das suas receitas provenientes de serviços digitais sujeitas ao imposto, uma vez aplicadas as regras para a definição da base tributável e território nacional, supere 1,5 milhões de euros. Calcula-se que a receita assim obtida seja de 60 milhões de euros;

  • Revisão das regras de tributação aplicáveis aos grupos económicos e, em particular, às transferências de rendimentos intragrupo com vista à erosão da base tributável;

  • Reposição dos limites temporais para a dedução de prejuízos fiscais para 5 e 12 anos, conforme se trate de grandes empresas ou PME, respetivamente;

  • Criação de um imposto sobre lucros excessivos, aplicável aos setores em que estes se verificaram por força da inflação e elevadas taxas de juro, como a banca, a distribuição e a energia;

  • Tributação de todas as mais-valias em criptoativos em sede de IRS, eliminando a atual situação de privilégio face até a outros ativos financeiros.

6.3. Combate à evasão e à despesa fiscal injustificada

A multiplicação de benefícios fiscais contribui para um sistema opaco e injusto. Não apenas porque na maior parte dos casos a lei privilegia rendimentos mais elevados ou de capitais, mas também porque a sua utilização requer conhecimento especializado. Por outro lado, nem sempre é assegurada uma justa ponderação entre a despesa associada a um benefício fiscal e os seus propósitos sociais e/ou económicos. Em 2019 , um relatório dedicado ao tema identificou mais de 500 benefícios fiscais com uma despesa associada de 4000 milhões de euros, sem contar com os regimes preferenciais de IVA ou da Madeira. Mais de metade destes benefícios são isenções, e mais de uma centena não têm qualquer justificação.

As propostas do Bloco:

  • Revisão de todo o sistema de benefícios fiscais, adequando-o a fins extrafiscais claros e de necessidade comprovada;

  • Eliminação da isenção de IMI aos imóveis detidos por partidos políticos;

  • Eliminação da isenção de IMI aos imóveis detidos por Misericórdias que não estejam afetos à realização dos seus fins estatutários;

  • Eliminação de taxas reduzidas sobre rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou sociedades de investimento mobiliário;

  • Revisão os acordos de dupla tributação com países que isentam o rendimento de tributação, e.g., Mónaco, alguns cantões da Suíça, Luxemburgo ou outras zonas fiscalmente privilegiadas para as SPGS, tendo em perspetiva a sua modificação por via negocial, ou se tal não for possível, a denúncia de tais acordos de dupla tributação;

  • Criação de taxas desagravadas de imposto sobre os lucros de fundações e associações sem fins lucrativos a partir de 15 mil euros de matéria coletável;

  • Revisão do regime aplicável ao Centro Internacional de Negócios da Madeira, limitando e adaptando a atribuição de benefícios fiscais à efetiva criação de emprego e atividade económica, com a aplicação de novos critérios de verificação e transparência;

  • Eliminação do SIFIDE.

7. Controlo Público dos Setores Estratégicos

Setores estratégicos como a energia, as infraestruturas, os transportes, o serviço postal ou a banca devem estar ao serviço da sociedade, isto é, sob controlo público. PS e PSD têm desbaratado, ao longo de décadas, o nosso património público e a maioria absoluta do PS apenas aprofundou essa política.

Sem controlo dos setores estratégicos, Portugal perde capacidade de intervir no preço da energia, de decidir sobre política de transportes ou de garantir um serviço postal de qualidade. Perde também, por ano, milhares de milhões de euros em dividendos que deviam ser usados para financiar políticas públicas.

O Bloco propõe a recuperação da soberania do país em áreas fundamentais, através do controlo público de empresas como a Galp, EDP, REN, ANA ou CTT. Propõe ainda a criação de instrumentos de reforço da propriedade e intervenção públicas no sistema bancário.

Ao longo das últimas décadas, PS e PSD têm desbaratado o património público. Vendem empresas estratégicas e lucrativas em negócios ruinosos para o Estado e que retiram capacidade de intervenção em áreas chave como a energia, transportes, infraestruturas ou serviço postal. Noutras áreas, como o caso da banca, utilizaram milhares de milhões de euros dos contribuintes para resgatar bancos e entregá-los, limpos e baratos, aos mesmos que criaram as crises financeiras.

Para termos uma economia promotora de justiça social, os setores estratégicos, onde não há efetiva concorrência e que representam um interesse soberano, não podem estar nas mãos dos privados (ou de Estados estrangeiros). Têm de ser controlados pelo Estado português. É por isso que o Bloco de Esquerda defende a nacionalização das empresas estratégicas. Só assim é possível controlar e regular os preços da energia, definir uma política nacional de transportes e de infraestruturas, voltar a dar qualidade aos CTT, disciplinar a atividade da banca.

7.1. GALP, EDP e REN: recuperar o controlo sobre o setor da energia

A GALP foi alvo de um longo processo de privatização que teve a sua fase final em 2006, com o PS no Governo, enquanto a EDP foi vendida a uma empresa estatal chinesa em 2012, altura de um Governo PSD/CDS.

Estas privatizações foram ruinosas para o Estado e um jackpot para os que compraram as empresas públicas nacionais ao desbarato. Desde 2006 a GALP distribuiu mais de 6 mil milhões de euros em dividendos aos seus acionistas e em 2022 teve um lucro recorde de 880 milhões de euros. Já a China Three Gorges amealhou numa década, só em dividendos, cerca de 80% do montante investido na participação na EDP. Para além disso a empresa valorizou-se e em 2022 a participação da empresa estatal chinesa na EDP valia cerca de 4 mil milhões quando o seu investimento, apenas dez anos antes, foi de 2,7 mil milhões de euros.

[Gráfico 36: dividendos GALP e EDP na última década]

Fonte: Relatório e Contas da EDP e Galp

Só na Galp e EDP, em dividendos que deixou de receber, o Estado perde, por ano, mais de 1000 milhões de euros. Para além de perder dinheiro, ano após ano, por já não deter estas empresas, Portugal perdeu também a capacidade de intervenção num setor tão importante como é o da energia.

Nos últimos anos os preços da energia subiram e, à boleia destes, subiram muitos outros produtos. Como se vê pelos enormes lucros da Galp (€880M em 2022 e €720M só nos primeiros 9 meses de 2023) e da EDP (€950M em 2022 e previsão de lucro de €1,3 mil milhões em 2023) uma parte significativa do aumento de preços foi pura e simples especulação que reverteu para as empresas e acionistas em forma de lucros multimilionários.

Deter estas empresas teria permitido ao Estado uma política de controlo e de regulação de preços da energia que faria baixar as fatura energética das famílias e faria também baixar os preços de outros produtos, a começar pelos alimentos. Ao invés disso, os preços dispararam, a população empobreceu e os acionistas das empresas agora privatizadas ganharam como nunca.

Já a relevância estratégica da REN - Redes Energéticas Nacionais define-se pelo facto de deter a exclusividade do transporte em alta das redes de energias no país. A resposta aos desafios da penetração da renovável descentralizada, do planeamento de rede e da segurança de abastecimento estão hoje em mãos da REN, controlada pelo Estado chinês, que assim detém o monopólio do transporte de eletricidade e gás natural. É um erro político e um atentado contra a soberania e segurança energética deixar este monopólio nacional nas mãos de multinacionais, Estados estrangeiros, fundos de investimento e de capital de risco.

A proposta do Bloco:

  • Recuperar a soberania pública sobre o setor da energia, obtendo o controlo acionista da Galp, a EDP e a REN. Os dividendos gerados por estas empresas têm sido de 1000 milhões de euros por ano, pelo que será possível financiar essa aquisição, realizando a operação inversa à que esses acionistas realizaram.

EDP: Os favores que os liberais fazem com o nosso dinheiro

A EDP foi vendida há dez anos pelo governo PSD/CDS a uma empresa pública chinesa, a Three Gorges, dirigida por Cao Guagjin, membro do Comité Central do Partido Comunista Chinês. Foi uma festa liberal, tinha sido destruído o controlo público sobre uma das maiores empresas portuguesas, que desempenha uma função estratégica. De facto, o liberalismo é um sistema de favores: Favor número um: em dez anos, a Three Gorges recuperou em dividendo 80% do seu investimento inicial de 2,7 mil milhões de euros. Favor número dois: a EDP vendeu a concessão de seis barragens por 2,2 mil milhões. O governo da maioria absoluta do PS fez o que podia para evitar que pagasse o imposto que devia por esta venda. E conseguiu que o imposto fosse zero, deixando caducar o prazo da sua cobrança. As privatizações são a corrupção da economia nacional, a entrega do que é nosso aos clientes dos liberais e dos partidos dos negócios.

7.2. CTT: o saque de um serviço público

Os CTT foram, até 2012, uma empresa pública prestadora do serviço público universal de comunicações em todo o território nacional, com apreciáveis níveis de qualidade e de rentabilidade. Entre, 2005 e 2012, os Correios realizaram mais de 500 milhões de euros de lucro para o Estado, integrando o ranking dos 5 melhores serviços postais da Europa.

Em 2013-14, o governo do PSD/CDS vendeu a empresa a privados por pouco mais de 900 milhões de euros. Os compradores incluíam grandes bancos, como a Goldman Sachs ou o Deutsche Bank, fundos de investimento como a Standard Life ou a Allianz Global Investors, ou grupos como o de Manuel Champalimaud.

A partir daí começaram os problemas. O total de reclamações aumentou 122%, originadas por atrasos, extravios, falhas de distribuição e mau atendimento. Tudo violações grosseiras do contrato de concessão, já prorrogado por ajuste direto e sem garantias de melhoria do serviço.

Quem comprou os CTT tinha apenas duas intenções: apropriar-se dos lucros dos CTT e explorar a licença bancária que o Governo ofereceu como bónus. E foi isso que fez.

Os números de um assalto Para garantir a remuneração dos acionistas privados, o anterior presidente da administração, Francisco Lacerda, entregou dividendos acima dos resultados líquidos anuais, conseguidos à custa da venda do património e da descapitalização da empresa. A sua remuneração anual era superior a 900 mil euros, mas anunciava ao mesmo tempo a redução de mil efetivos em nome da “sustentabilidade futura da empresa”.

Logo nos primeiros anos de gestão totalmente privada, os novos donos dos CTT procederam a uma clara descapitalização da empresa, distribuindo dividendos acima dos lucros obtidos. Desde 2014 até 2022 esse montante já atingiu os €320 milhões.

[Gráfico 37 : Lucros e distribuição de dividendos nos CTT, 2014-2022]

  • Não foram distribuídos dividendos relativos ao exercício de 2019. Inicialmente, e indiferentes à turbulência económica existente em 2020 por causa da pandemia, pretendiam a distribuição de cerca de €16M, que acabou por ser cancelada depois de muita contestação.

Fonte: Relatórios e Contas dos CTT

Como se a descapitalização do nosso serviço postal não fosse suficiente para encher os bolsos aos acionistas, os governos ainda lhes têm garantido negócios lucrativos, desde a licença bancária até à venda de certificados de aforro e de tesouro, em regime de quase monopólio. Os CTT, através das comissões pagas pelo Estado pela venda aos balcões destes títulos de dívida pública, têm vindo a obter rendimentos brutais - €40,7 Milhões só nos primeiros 9 meses de 2023-, superiores ao rendimento obtido pelos CTT com os juros de crédito à habitação, que no mesmo período atingiram €15,7M.

Apesar do visível e comprovado mau serviço às populações e do cenário de descapitalização do serviço público postal, o PS nunca reverteu a privatização e manteve a decisão de PSD e CDS. Para acabar com o saque é preciso devolver os CTT à gestão pública.

A proposta do Bloco:

  • Garantir o controlo público dos CTT e realizar uma auditoria independente que quantifique todas as ações lesivas do serviço e do erário público tomadas pela atual gestão dos CTT.

7.3. ANA: mais um negócio que só teve em conta os interesses dos privados

A ANA constitui um dos ativos estratégicos mais valiosos do país, sendo a entidade responsável por todas as infraestruturas aeroportuárias nacionais. Até 2012 foi uma empresa pública lucrativa que constituía um monopólio natural em regime de exclusividade conferido por lei. No final desse ano, foi comprada pelo grupo francês Vinci a troco de 3080 milhões de euros; no entanto, 1200 milhões correspondem à concessão dos aeroportos por cinquenta, em regime de monopólio. Facto é que a ANA, em apenas dez anos, gerou lucros de 1.437 milhões de euros a favor da Vinci, que assim recuperou o dinheiro que investiu para a exploração dos aeroportos portugueses. Esta empresa tem agora 40 anos para gerar mais-valia à custa de um setor estratégico nacional. Esta é mais uma privatização que, como sempre, apenas correu bem para o lado dos privados.

Esta operação lesou o Estado e não salvaguardou o interesse público. O Bloco de Esquerda sempre o disse; mais recentemente, uma auditoria do Tribunal de Contas confirmou-o exatamente.

Uma exceção europeia e um negócio suspeito

Na União Europeia, para além de Portugal, apenas Chipre, Hungria e Eslovénia tinham todos os seus aeroportos concessionados a entidades privadas. Esta é mais uma das áreas em que Governos passados desbarataram a soberania nacional em nome do negócio privado. Em janeiro de 2024, o Tribunal de Contas apresentou um relatório que acusa o processo de privatização da ANA de “não ter salvaguardado o interesse público” e ter sido assente em “deficiências graves”. O detalhe da acusação sublinha como foi feita esta privatização: abaixo do valor que tinha sido “oferecido e aceite”, após uma “avaliação intempestiva” à empresa concessionária dos dez maiores aeroportos nacionais, sem uma “avaliação prévia” para calcular o preço, como era “legalmente exigível”. Acrescenta o Tribunal que há outras “graves desconformidades e inconsistências” no caderno de encargos, que revelam “risco material e falta de fidedignidade” dos documentos no processo. Assim, não foram asseguradas “todas as condições necessárias à sua regularidade e transparência”, o que significa que o país foi prejudicado.

Proposta do Bloco:

  • Resgatar as infraestruturas aeroportuárias para a gestão pública através da nacionalização da ANA.

O aeroporto que não descola Fala-se de um novo aeroporto há 50 anos. E mesmo assim ele insiste em não descolar do papel. Nos últimos anos o grande obstáculo à sua construção foi a Vinci, a empresa privada a quem se vendeu a ANA. Isto porque os acionistas da Vinci só se interessam por uma solução mais barata e que não envolva investimento da parte privada. A sua preferência tem sido o Montijo e o Governo do PS cedeu a esse lóbi durante muito tempo. Aliás, chegou a apresentar essa escolha, uma péssima solução para o ambiente, para a região e para o país, mas conveniente para a Vinci.

Depois de muita contestação, o projeto foi abandonado e foi criada uma Comissão Independente para avaliação de possíveis localizações. A conclusão é clara: Alcochete é a melhor solução. Tal como o Bloco vinha a defender. Mas, mais uma vez, a decisão foi adiada. O PS remeteu para o próximo Governo, o PSD anunciou mais um grupo de trabalho para estudar o que já foi estudado e, como não podia deixar de ser, a Vinci veio criticar a solução Alcochete porque não quer ser obrigada a investir.

Para o Bloco é claro que:

  • o aeroporto, uma decisão estratégica, não pode continuar a ser adiado e a sua localização ideal já está estudada: Alcochete;

  • que enquanto a ANA for dominada por interesses privados os interesses estratégicos de Portugal continuarão secundarizados, pelo que é preciso nacionalizar a ANA e retomar controlo sobre este importante setor.

7.4. Tap

A TAP é mais uma das empresas com um histórico de privatizações com maus resultados. Quando a direita decidiu a sua privatização em 2015, à vigésima quinta hora e sabendo que o seu programa de governo iria ser chumbado, cometeu um erro que se pagou caro. Quando veio a pandemia e todo o setor da aviação civil sofreu um embate nunca antes visto, o acionista privado revelou a sua verdadeira cara. Além de negócios com aviões, ainda hoje por explicar cabalmente, o privado recusou-se a investir quando mais foi preciso e o Estado teve que intervir (como aliás sucedeu em praticamente todos os países naquela altura). O PS fê-lo, no entanto, com a promessa de uma futura reprivatização.

Enquanto empresa com valor estratégico para a economia portuguesa, a nacionalização da TAP não deve ser provisória. A TAP deve ter propriedade e gestão públicas, única forma de garantir os interesses do país.

7.5. Uma banca pública estratégica

A transformação do atual modelo económico, que alia a financeirização às desigualdades e à destruição ambiental, requer o controlo democrático do sistema financeiro. Para isso, a propriedade pública é condição essencial, mas não suficiente. Ao controlo acionista dos bancos devem corresponder uma estratégia económica clara para o desenvolvimento do país e uma gestão profissional, limpa e transparente.

A fragilidade do atual modelo ficou exposta com a derrocada de todos os grandes negócios alavancados em dívida no pressuposto de uma eterna valorização dos ativos financeiros. Para além da destruição de tecido empresarial das PME, muito dependente da procura interna atacada pela austeridade, os bancos foram obrigados a registar nos seus balanços milhares de milhões de euros de perdas associadas a créditos especulativos. As imparidades foram, em parte, pagas com fundos públicos. Depois de várias transferências a fundo perdido no BPN, BPP e no Banif, o sistema bancário foi financiado pelo Fundo de Resolução que, por sua vez, foi financiado pelo Estado, direta e indiretamente (além do contributo da CGD, as contribuições obrigatórias das outras instituições bancárias são receitas do Estado, que fica no Fundo).

Desde 2008, o Estado colocou-se assim numa situação de financiador de última instância do capital dos bancos, tendo, no entanto, abdicado dos seus direitos de gestão e propriedade. Estas opções desastrosas resultaram também, em larga medida, de pressões europeias, como foi visível na decisão de venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star: o Estado ficou com 25% do capital e 75% da responsabilidade sobre as perdas futuras, tendo ainda abdicado de participar na administração.

O erro da privatização do Novo Banco Em 2017, o governo do PS vendeu 75% do Novo Banco ao fundo Lone Star, abdicando de ter uma posição na gestão do banco. No âmbito desse contrato de venda foi criada uma garantia de 3900 milhões de euros, que seria acionada pela combinação de dois mecanismos: as perdas associadas a uma carteira de ativos “tóxicos” e as necessidades de capital do banco. Nos seus atos de gestão corrente, a administração do Novo Banco (ao serviço da Lone Star) interferiu em ambas as dimensões, pelo que a venda criou um conflito de interesses. Ainda que existam alguns mecanismos de verificação, no caso da gestão da carteira de ativos diretamente coberta pela garantia, o mesmo não se verifica para os restantes atos de gestão do banco. O potencial de abuso criado por este contrato resultou em litígios entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco relativamente a verbas indevidamente imputadas à garantia pública. Aos escândalos da alienação de carteiras de imóveis por valores simbólicos ou da incapacidade de cobrança a grandes devedores, soma-se agora a certeza de que o Estado não garantiu a defesa dos seus interesses no caso do Novo Banco. Depois de esgotada a garantia pública, o banco volta agora aos lucros. A privatização do Novo Banco foi um erro que o Bloco de Esquerda procurou evitar desde o primeiro momento, ao defender que a utilização de recursos públicos deveria ser acompanhada da propriedade do banco. Essa posição permanece válida e justifica a intervenção para recuperar o controle público do banco.

Não foi apenas no Novo Banco. Os casos do Banif e mesmo da Caixa Geral de Depósitos deixam claro que as instituições europeias têm promovido ativamente um quadro legal que retira soberania aos Estados nacionais com o objetivo de promover a privatização e concentração das instituições bancárias a nível internacional.

As regras europeias de resolução bancária, conjugadas com o regime das ajudas de Estado, transferiram para o BCE e para a Direção de Concorrência da Comissão

Europeia as decisões estratégicas sobre a banca nacional: o momento da intervenção, a sua forma (liquidação ou resolução) e o destino privado do banco de transição. Além disso, em Portugal, da aplicação destas regras resultou, não apenas a entrega do sistema bancário aos interesses de curto prazo dos seus acionistas, mas também o controlo de 61% da banca nacional por acionistas estrangeiros, em particular fundos de investimento, cuja submissão à lei nacional é mais difícil. No caso do setor segurador, depois da venda da Fidelidade e da Tranquilidade, 86% do capital é estrangeiro.

Esta opção é errada. Por um lado, a banca é um bem público e um setor demasiado estratégico para ser gerido de acordo com os interesses financeiros dos acionistas privados. Uma política industrial orientada para o emprego e para a transição energética precisa de instrumentos financeiros democraticamente controlados e geridos. Esta conclusão é ainda mais grave se a banca for dominada por fundos de investimento estrangeiros sem ligação ao tecido empresarial português, nem vocação para uma gestão de longo-prazo e muito expostos aos riscos dos mercados internacionais.

A propriedade pública é, assim, uma condição essencial para a transformação do sistema bancário num fator de desenvolvimento da economia. É por esta razão que o Bloco de Esquerda defende a recuperação do sistema bancário como serviço público. Para prevenir formas de instrumentalização da banca pública por interesses particulares, é necessário garantir objetivos estratégicos claros e democraticamente discutidos, padrões de excelência a nível comportamental e prudencial e regras firmes de fiscalização e transparência.

Entre 2007 e 2018 foram disponibilizados aos bancos portugueses 23.800 milhões de euros em fundos públicos. Esta soma contabiliza valores entretanto devolvidos, bem como uma parte das dívidas dos bancos ao Estado através do Fundo de Resolução, tem hoje um valor de 6383 milhões de euros, mas exclui outras formas de apoio. Entre elas estão garantias públicas e, em particular, os ativos por impostos diferidos, criados ao abrigo do regime especial de 2014, que constituem verdadeiras ajudas de Estado à banca.

A imaginação criativa para cobrar aos contribuintes a conta dos bancos Aos gastos associados ao Fundo de Resolução acresce a dimensão dos Ativos por Impostos Diferidos (AID). Os AID surgem pelo facto de existirem regras diferentes para a admissão de perdas por imparidade na contabilidade e na fiscalidade, sendo mais estritas nesta última. Em teoria, a diferença entre estes dois registos leva ao pagamento de um IRC superior no ano em que a perda se verifica, constituindo-se um AID que posteriormente poderá ser deduzido no ano da aceitação fiscal do registo da imparidade (ou nos 5 anos seguintes, em caso de prejuízo fiscal). Com a crise financeira, o registo de imparidades (perdas) disparou levando a um crescimento explosivo do stock de AID, que se tornou uma parte substancial dos ativos e que foi registado como capital dos bancos em Portugal.

Em 2014, a regulação bancária constatou que, dado o enorme valor de AID existente nalguns bancos e a perspetiva negativa de lucros no médio prazo, não seria viável “escoar” o stock de AID e, por conseguinte, aqueles valores poderiam não ser recuperados pelos bancos. Assim, os AID deixariam de contar para os rácios de capital dos bancos, colocando vários deles em situação de insuficiência de capital. Para resolver o problema, o governo PSD/CDS conferiu a estes AID direitos especiais que os aproximam, de facto, de capital garantido pelo Estado. Daí o nome de AID elegíveis.

Os AID elegíveis podem:

  • ser descontados perpetuamente: só deduzem ao apuramento do lucro fiscal se este for positivo, de outra forma transitam para o ano seguinte, por oposição à obrigatoriedade dos AID anteriores de entrar para o apuramento do lucro (ou prejuízo) fiscal no ano em que são reconhecidos fiscalmente;

  • ser “reclamados” ao Estado: em caso de prejuízo, a instituição pode pedir ao Estado a devolução de AID, num montante equivalente à relação entre o resultado desse ano e os capitais próprios;

  • ser “reclamados” ao Estado num processo de liquidação do banco.

Em 2016 este regime foi revogado mas até então os bancos já tinham registado milhares de milhões de imparidades. Não pagaram IRC porque apresentaram prejuízo, mas mesmo assim guardaram o direito de deduzir essas perdas, de montante superior a 3000 milhões de euros, nos seus impostos futuros - para sempre. Os bancos que mantiveram prejuízos ao longo destes anos puderam pedir esse dinheiro ao Estado, ficando este com direitos de conversão no seu capital, que pode exercer ou vender depois ao próprio banco. Até 30 de junho de 2022, a data do último relatório publicado pela Autoridade Tributária sobre a matéria, os bancos apresentaram pedidos de conversão de impostos diferidos em injeções de capital pelo Estado (sob a forma de créditos tributários) no valor de 1.131 milhões de euros, sendo que, desse total, 956 milhões foram aceites pelo fisco. Os responsáveis por esses pedidos foram a Caixa Geral de Depósitos, o Banco Montepio, o Novo Banco, o Haitong Bank, o Banco Efisa, o Banif - banco de investimentos, e o Bison Bank.

As propostas do Bloco:

  • Criação de instrumentos de reforço da propriedade e intervenção públicas no sistema bancário, através de: o Conversão dos AID elegíveis em capital e conversão das dívidas ao Fundo de Resolução em instrumentos convertíveis em capital, de forma a dotar o Estado de direitos de propriedade e gestão executiva na proporção dos montantes e riscos assumidos com o financiamento do sistema bancário; o Revisão das leis de resolução bancária, retomando o Estado poderes soberanos sobre decisões relativas à intervenção de bancos em situação financeira insustentável. Para além das hipóteses de liquidação e resolução, deve ser previsto o controlo público correspondente ao capital financiado pelo Estado, direta ou indiretamente (através do Fundo de Resolução); o Elaboração de um programa estratégico, a debater no Parlamento, com as principais linhas orientadoras da atuação da banca pública. Este programa deve ter em conta a prioridade do país, que é a sua reconversão produtiva, de um modelo financeirizado e dependente para o investimento em mobilidade, eficiência energética, e indústria ambientalmente sustentável.

  • Reforço e alargamento da base da contribuição das instituições financeiras.

Proteger os clientes da banca

As sucessivas alterações de taxas, de regras de acesso e de padrões contratuais têm vindo a prejudicar os depositantes e clientes dos bancos. Para o Bloco, é essencial preservar as regras dos serviços mínimos universais, do direito a usar uma conta bancária, a receber informação fidedigna e compreensível, e a poder usufruir de serviços bancários a preços acessíveis, o que implica a redução das atuais comissões bancárias.

8. Investir na Coesão Territorial

O desinvestimento e encerramento de serviços públicos no interior tem tido uma consequência: a desertificação. Aos milhares de serviços encerrados o Governo do PS tem juntado ainda uma política de municipalização de serviços públicos essenciais que apenas agravará desigualdades territoriais.

Investir no território passa por reabrir serviços públicos, abrir um processo participado com vista à regionalização e garantir solidariedade nacional com as regiões autónomas.

8.1. Serviços públicos e democracia para os territórios de baixa densidade

Durante décadas o país litoralizou-se. Hoje, 60% das pessoas vivem nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa ou em grandes cidades. Esta tendência foi agravada por decisões políticas que esvaziaram o interior de serviços públicos, de transportes, de empregos e de qualidade de vida.

Gráfico 3 8

Só durante o século XXI foram encerrados milhares de serviços, desde escolas a juntas de freguesia, passando por estações de correio, extensões de saúde, balcões da Caixa Geral de Depósitos ou repartições de finanças. Estes encerramentos somam às centenas de quilómetros de ferrovia - que foram desativados principalmente desde os anos 80 do século passado - ou à quase inexistência de transportes públicos rodoviários em muitas destas regiões.

Criar coesão territorial significa recuperar todos estes serviços públicos e de condições de vida nos territórios menos povoados. Esta necessidade não se confunde com a chamada “descentralização de competências” que, não passando da municipalização de serviços apenas vai agravar desigualdades territoriais. Com este modelo tão defendido pelo PS, os municípios com menos recursos financeiros irão ter enormes dificuldades em assegurar os serviços de educação, saúde e segurança social, por exemplo, que as suas populações precisam.

Não basta falar de “coesão territorial”, é preciso construir essa coesão com a organização administrativa que lhe dê sustentação.

As propostas do Bloco:

  • Programa de reabertura de serviços públicos nos territórios de baixa densidade, acompanhado de incentivos à fixação de trabalhadores e trabalhadoras do Estado nesses territórios;

  • Autonomia e responsabilização dos serviços públicos na execução dos seus orçamentos, nomeadamente despesas correntes e preenchimento dos seus quadros de pessoal. Dos tribunais aos museus, passando pelas escolas, transportes e centros de saúde, a necessidade de autorização do Ministério das Finanças para todas as despesas e contratações, incluindo substituição de trabalhadores ou trabalhadores, provoca estrangulamentos insustentáveis e uma degradação dos serviços, que é particularmente penalizadora nos territórios mais vulneráveis;

  • Reversão da fusão de freguesias nos casos em que a população o deseje através da aplicação da Lei n.º 39/2021 de 24 de junho, particularmente o Artigo 25.º (Procedimento especial, simplificado e transitório);

  • Um processo participado, aberto e democrático com vista à regionalização. Os serviços públicos devem estar adstritos ao nível do Estado mais ajustado ao seu cumprimento e escrutínio e, em muitos casos, essa escala é regional. Assim, é necessário dotar as estruturas intermédias do Estado de legitimidade democrática. Os cidadãos e as cidadãs têm o direito de eleger os órgãos e participar na definição das políticas da sua região. A constituição de regiões serve a promoção de políticas de coesão territorial e o escrutínio popular do investimento público e de políticas económicas com vista a suprir as desigualdades entre territórios.

8.2. Regiões Autónomas: solidariedade e autonomia Os custos da insularidade colocam desafios especiais à coesão social e territorial. Segundo os dados do INE, a população das regiões autónomas é a mais exposta ao risco de pobreza.

[Gráfico 39 : Taxa de risco de pobreza]

[Gráfico 40 : Taxa de privação material e social severa]

As respostas devem obedecer a uma dupla responsabilidade: a solidariedade nacional e o respeito pela autonomia. Mas com demasiada frequência, assiste-se a uma total desresponsabilização com um jogo de passa culpas entre a República e os governos regionais.

Tem faltado a solidariedade orçamental da República para responder às necessidades da condição ultraperiférica das regiões autónomas e falta compromisso para os investimentos estratégicos. O aprofundamento das

autonomias está ainda refém de mecanismos institucionais que as menorizam e que lhes retiram capacidade de decisão em matérias fundamentais ao seu desenvolvimento.

As propostas do Bloco:

  • Garantia de audição das regiões sobre acordos e tratados internacionais e obrigação de parecer vinculativo regional nas matérias que respeitam diretamente à região autónoma;

  • Substituição da figura do representante da República por um órgão autónomo com os mesmos poderes;

  • Revisão da Lei das Finanças Regionais, retirando os constrangimentos impostos no período da troika, garantindo estabilidade e adaptando-a às atuais necessidades, estabelecendo ainda em sede estatutária condicionantes à revisão da Lei de Finanças Regionais protegendo assim a sua estabilidade de maiorias conjunturais;

  • Apresentação pelo governo da República, no prazo máximo de seis meses após a tomada de posse, do seu programa de investimento nas regiões autónomas;

  • Garantia de controlo, gestão e investimento públicos nos cabos submarinos que ligam as regiões autónomas ao continente; financiamento do projeto de substituição do anel de cabos submarinos inter-ilhas;

  • Nova política para o mar, incluindo alteração do regime jurídico e investimento na investigação;

  • A celebração de contratos-programa entre a República e as regiões, no quadro dos projetos de interesse comum e que visem, entre outras áreas, a transição energética, o investimento em infraestruturas de saúde ou a investigação científica;

  • Garantia do direito à mobilidade dos residentes nas regiões autónomas, com a concretização do fim do pagamento total e antecipado das tarifas no acesso ao subsídio de mobilidade;

  • Garantia da compensação financeira por parte da República nas ligações aéreas, com obrigações de serviço público entre o continente e a região autónoma dos Açores, e o direito equitativo à mobilidade entre todas as ilhas e o continente;

  • Aplicação de obrigações de serviço público no transporte aéreo de mercadorias e garantia de distribuição atempada de correio;

  • Reforço da RTP nas regiões, garantindo autonomia financeira, financiamento adequado à realidade de cada região e capacidade de produção própria, bem como de preservação e promoção dos arquivos, com orçamentos que respondam às obrigações de programação no contexto dos arquipélagos, incluindo mais delegações, profissionalização dos correspondentes nas ilhas sem delegação, substituição de equipamento obsoleto, reforço e vinculação dos e das profissionais em situação precária.

Para a Região Autónoma dos Açores, o Bloco propõe ainda:

  • Fim da presença norte-americana na Base das Lajes, com exigência de indemnização para reparação de danos sociais e ambientais e obrigação de cumprimento da legislação laboral nacional no período de transição;

  • Aprofundamento, sistematização, controlo e divulgação de forma transparente do processo de requalificação ambiental dos terrenos na Ilha Terceira;

  • Garantia de duas tripulações dos helicópteros da Força Aérea estacionados nas Lajes que permitam assegurar evacuações médicas de emergência a todo o tempo;

  • No quadro de uma nova política para o mar, constituição no Faial de um laboratório do Estado com estatuto de Instituto Público Nacional e no quadro dos projetos de interesse comum;

  • Reforço do financiamento à Universidade dos Açores, tendo em conta a sua insularidade e tripolaridade e concretizar o acordo já firmado entre esta e o governo da república;

  • Garantia de que a ANA prolonga a pista do aeroporto da Horta com vista à melhoria das condições de operacionalidade;

  • Conclusão da rede de radares meteorológicos, com instalação dos radares de Flores e de São Miguel

  • Construção do estabelecimento prisional de Ponta Delgada em local adequado, requalificação do estabelecimento prisional da Horta e reforço dos meios humanos e materiais das forças de segurança;

  • Pagamento da remuneração complementar a todos os trabalhadores da administração pública central, à semelhança dos trabalhadores da administração local e regional;

  • Cumprimento das obrigações de serviço público de transporte de carga aérea previstas na lei e sem aplicação desde 2015;

  • Cumprimento das obrigações do Estado ao nível das condições físicas dos serviços do estado na região, nomeadamente daqueles com maior défice ao nível das instalações e meios humanos como a justiça e forças de segurança;

  • Garantia dos meios necessários com a fiscalização da ZEE;

  • Cumprimento do compromisso do governo da república em financiar em 85% os prejuízos causados pelo Furacão Lorenzo.

  • Garantia de que quem recebe o salário mínimo nos Açores, a que acresce o complemento regional ao salário mínimo, não paga IRS.

Para a Região Autónoma da Madeira, o Bloco propõe ainda:

  • Renegociação da dívida da Região ao Estado, permitindo redução de encargos anuais e dos juros totais;

  • Programa para a melhoria da operacionalidade do Aeroporto da Madeira, incluindo investimento em meios tecnológicos e estudo dos ventos;

  • Garantia do princípio de continuidade territorial e do direito à mobilidade com o financiamento de uma ligação marítima regular de passageiros e de mercadorias entre a Região e o continente;

  • Programa de recuperação dos serviços públicos da responsabilidade da República, com principal enfoque naqueles que apresentam maior défice ao nível das instalações e meios humanos como são os casos da justiça e das forças de segurança;

  • Pagamento do subsídio de insularidade a todos os trabalhadores da administração pública central, à semelhança dos trabalhadores da administração local e regional;

  • Garantia em permanência de helicóptero da Força Aérea para missões de resgate e salvamento

  • Reforço do apoio financeiro à Universidade da Madeira, em virtude da insularidade e ultraperiferia da RAM;

  • Promoção da gratuitidade dos transportes públicos e reforço dos apoios às energias verdes, para empresas e particulares, com o objetivo de acelerar a transição energética e a descarbonização;

  • Reforço do apoio à construção de habitação social e a preços controlados, atendendo à grave situação habitacional de milhares de famílias da Região;

  • Apoio, por parte do Governo da República, para o reforço de meios de combate aos incêndios na Região Autónoma da Madeira e para a assunção de encargos decorrentes da utilização de meios aéreos e do apoio às populações afetadas.

9. Combate à Corrupção e ao Crime Económico

A opacidade favorece a corrupção e o crime económico. A forma como se acumulam cargos mesmo com incompatibilidades manifestas, a forma como não se tem de declarar os rendimentos ou justificar o enriquecimento súbito, a forma como se foge com o dinheiro para offshores para que não se possa ter um rasto do dinheiro... É aqui que a corrupção e o crime germinam. São regimes de privilégio para ricos que muito têm custado à sociedade. Só a fuga para offshores representa 22% do PIB português e mais de 500 milhões de euros só em IRC.

Combater a corrupção exige, como propõe o Bloco, a criminalização do enriquecimento injustificado e o seu confisco, um regime de transparência e incompatibilidades rígido para titulares de cargos públicos e a luta sem tréguas aos offshores.

9.1. A democracia contra a corrupção

Demasiadas vezes o interesse público tem ficado refém de interesses privados. Privatizações de empresas estratégicas, parcerias público-privado, concursos feitos à medida de um determinado privado, legislação feita por escritórios de advogados ou encomendada por interesses empresariais, os poderes ocultos dos “donos disto tudo” num sistema financeiro sempre salvo com dinheiros públicos, tudo isto tem saído caro ao país.

O PS e a direita uniram-se contra as mudanças de fundo necessárias, impedindo o alargamento do período de nojo para ex-governantes ou a exclusividade dos deputados e deputadas, rejeitando um regime mais apertado de impedimentos e incompatibilidades, travando exigências de maior transparência e publicidade de património e rendimentos de políticos.

O Bloco de Esquerda considera o combate à corrupção uma prioridade. A corrupção mina as bases da confiança num Estado de Direito. A transparência é a defesa que qualifica e protege a democracia. A exclusividade no exercício do mandato dos deputados é condição para separação entre interesses públicos e privados no poder legislativo.

As propostas do Bloco:

  • Criminalização do enriquecimento injustificado, com confisco dos bens obtidos dessa forma. A riqueza sem origem clara e acumulada abusivamente deve ser taxada a 100%;

  • Fiscalização do património e dos rendimentos dos titulares de cargos políticos e dos altos cargos do Estado por uma Entidade para a Transparência, que disponha dos recursos necessários para a sua tarefa. Se há património não declarado, é crime. Se há enriquecimento desproporcionado, é comunicado ao Ministério Público para investigação;

  • Reforço significativo dos meios humanos, financeiros e logísticos ao dispor da Entidade de Contas e Financiamento Políticos, para evitar a prescrição dos processos de apreciação das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais;

  • Reforço dos meios e pessoal da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Polícia Judiciária afetos ao combate à evasão fiscal e à criminalidade económico- financeira.

  • Total transparência de quem é eleito e dos altos cargos do Estado, alargando a lista de responsáveis públicos com a obrigação de declarar o seu património, desde membros do Governo, consultores e peritos do Estado, deputados e deputadas e responsáveis de gabinetes ministeriais. Quem decide no país tem que declarar o seu património. Quem não deve, não teme: essas declarações devem estar acessíveis à população;

  • Alargamento para seis anos do período em que os e as ex-governantes não podem ser contratados por empresas do setor que tutelaram, assegurando um período de nojo que proteja o interesse público;

  • Recuperação dos direitos sobre mais-valias urbanísticas criadas por ação do Estado, designadamente pela classificação administrativa de terrenos rurais, com a subsequente autorização para edificar;

  • Entrada em vigor do fim do regime dos Vistos Gold à data do seu anúncio, em 16 de fevereiro de 2023, e realização de uma auditoria a todos os vistos atribuídos;

  • Criação de uma entidade inspetiva para as autarquias locais para a promoção da transparência e o combate à corrupção.

9.2. Tolerância zero aos offshores

Investigações como os Panama Papers ou os Pandora Leaks mostraram como os offshores estão no centro do crime financeiro. Com base em milhões de documentos associados a 14 empresas especializadas em offshores, a investigação revela como líderes mundiais, celebridades e criminosos utilizam estes serviços para ocultar a origem das as suas fortunas, para fugirem aos impostos, para evitarem perguntas incómodas ou até mesmo escaparem à justiça.

Metade do mercado offshore é detido por apenas quatro países europeus - Holanda, Suíça, Luxemburgo e Reino Unido - a que se juntam a Irlanda, os EUA (Delaware e Nevada), Hong Kong ou Singapura, e também o Panamá e as conhecidas ilhas Caimão, Jersey, Virgens Britânicas ou Bahamas. Cada um destes países ou regiões cumpre uma função específica, especializando-se em diferentes serviços oferecidos pela rede offshore, que funciona por centros geográficos. Se a Suíça, por exemplo, é exímia na proteção do segredo bancário, o Luxemburgo facilita a criação de veículos financeiros, e a Holanda oferece vantagens fiscais às empresas europeias. Hong Kong serve o capital chinês, e as Bahamas ou o Belize são tipicamente utilizados por criminosos internacionais.

Nenhuma razão é boa para justificar a existência destas jurisdições, que promovem uma corrida para o fundo em impostos e impedem padrões mínimos de decência financeira. Ao invés de promover o investimento ou o emprego, como às vezes é sugerido, os offshores criam uma economia de opacidade e desigualdade. Às grandes empresas e detentores de fortunas individuais é assim concedido o privilégio de escaparem às normas e leis que, por questões de justiça ou de segurança, se aplicam a todas as restantes pessoas. O resultado é a facilitação de atividades ilegais ou abusivas, a descredibilização dos sistemas de justiça, o agravamento das desigualdades e a perda de importantes recursos financeiros que financiam os serviços públicos e o desenvolvimento económico.

Portugal: o preço dos offshores Segundo o Observatório Fiscal da União Europeia, existem mais de 50 mil milhões de euros colocados em offshores por parte de pessoas e empresas portuguesas, a maior parte deles na Suíça, mas também nos Países Baixos, Luxemburgo, Irlanda, Bélgica, Macau, Hong Kong, Singapura, Porto Rico, Panamá, nas Ilhas Virgens Britânicas, Caimão e Bermudas.

Esta fuga de capitais representa mais de 22% do PIB português e uma perda de mais de 500 milhões de euros em receita de IRC, ou seja, 8,45% da receita total deste imposto.

[Gráfico 41 : Percentagem de impostos sobre lucro das empresas perdida para offshores]

Fonte: Atlas of the Offshore World

A ONU recomenda a criação de uma taxa tributária mínima global e a realização de uma Convenção da ONU sobre Tributação, estabelecendo uma alternativa às regras tributárias da OCDE – que têm promovido o crescimento do sistema financeiro sombra.

Ainda que nenhum país possa declarar de forma unilateral o fim de todos os offshores, Portugal pode adotar um quadro legal de tolerância mínima ao recurso a estas jurisdições.

As propostas do Bloco:

  • Revisão da lista de offshores para incluir todas as jurisdições com fiscalidade agressiva e para servir de referência a políticas de combate à corrupção, ao crime económico e ao abuso fiscal;

  • Criminalização do recurso a serviços prestados por entidades situadas em territórios offshore;

  • Exclusão do acesso aos apoios públicos e contratação com o Estado a empresas que sejam direta ou indiretamente participadas, detenham participações diretas ou indiretas ou sejam beneficiárias últimas de entidades offshore;

  • Obrigatoriedade de publicação do organograma completo e detalhado das entidades coletivas que se enquadrem no âmbito de ação da Unidade dos Grandes Contribuintes. Este organograma deve incluir a estrutura acionista, bem como todas as participações detidas, indicando todas relações diretas ou indiretas com entidades offshore;

  • Defesa da criação de um registo internacional dos beneficiários efetivos das sociedades offshore.

9.3. A tecnologia ao serviço do crime económico

Se as contas offshore e o sistema financeiro sombra têm estado tipicamente ligados ao crime económico e ao financiamento de atividades criminosas, o recente desenvolvimento de novas formas de novos ativos digitais - nomeadamente as criptomoedas - abriram novas possibilidades.

A explosão de ativos como a Bitcoin, construídos para garantir o anonimato dos seus utilizadores, serve a especulação financeira mas também o branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e outras atividades criminosas.

Ainda que os registos de várias criptomoedas sejam abertos para os utilizadores do sistema, a verdadeira identidade por detrás de cada pseudónimo é difícil de descobrir e requer técnicas avançadas por parte das autoridades de investigação. Essa tarefa pode ainda ser dificultada quando estes criptoativos são especificamente configurados para esconderem informações sobre transações e utilizadores (as “moedas privadas”). Existem ainda, neste universo digital, sites que, a troco de uma comissão, misturam grandes quantidades de criptomoedas, confundindo o seu rasto (as “misturadoras” ou “blenders”).

A rápida adaptação do crime à tecnologia torna necessária a criação de mecanismos de controlo e supervisão, de forma a impedir o uso das criptomoedas de forma abusiva e ilegal.

As propostas do Bloco:

  • Criação de um sistema de reporte obrigatório dos montantes detidos em criptomoedas, bem como de todas as transações efetuadas, quer de conversão em moeda corrente como de aquisição de bens/serviços ou de outros ativos digitais;

  • Tributação das operações com criptoativos, nomeadamente das suas mais- valias, até agora parcialmente isentas.

10. Administração Pública

Não há serviços públicos sem trabalhadores. O problema é que as más condições remuneratórias e de carreiras que o Governo do PS instituiu para os funcionários públicos fazem com que seja cada vez mais difícil fixar médicos, enfermeiros, professores, oficiais de justiça, técnicos da segurança social e tantos outros profissionais essenciais.

As remunerações têm sido consumidas pela inflação e pela especulação e os inúmeros expedientes de retirada de pontos, congelamentos de progressões ou atrasos nas negociações de revisão de carreiras apenas têm levado a que os serviços públicos se degradem.

É preciso - e é isso que o Bloco propõe - aumentar salários, combater a precariedade e melhorar as carreiras da administração pública.

10.1. Garantir o reforço dos serviços públicos

Os serviços públicos são condição de igualdade e de democracia. Não podem estar sujeitos aos ímpetos do mercado. À falta de médicos, enfermeiros, técnicos superiores e assistentes operacionais que paralisam hospitais e centros de saúde, a maioria absoluta do PS acrescentou a falta de professores, que faz com que milhares de alunos passem o ano sem aulas a pelo menos uma disciplina. Soma-se a enorme falta de recursos na justiça que a torna cada vez mais morosa, a precariedade como norma no ensino superior e a absoluta falta de resposta à infância e à velhice em tantas partes do território.

Se faltam enfermeiros, professores, psicólogos e funcionários judiciais; se faltam assistentes operacionais e técnicos da segurança social, se faltam investigadores científicos e profissionais de cuidados integrados, se faltam efetivos nas forças de segurança, a resposta só pode ser uma: contratar.

É preciso contratar mais profissionais para as várias áreas da administração pública.

Mas, para o conseguir fazer, é preciso garantir condições, de salário e de carreira, para captar e fixar profissionais. A administração pública não pode ser sinónimo nem de empobrecimento nem de precariedade. Caso contrário continuará a assistir-se a concursos desertos para o SNS, à falta de profissionais, a assistentes operacionais que trocam a administração pública por um salário mais alto na caixa de um supermercado.

As reivindicações das PSP

A revisão das carreiras, das tabelas remuneratórias e a atribuição de um condigno suplemento de risco aos profissionais das forças de segurança têm sido desde há largos anos reivindicações dos sindicatos e associações socioprofissionais da PSP e da GNR. Para além de uma questão de justiça, estas medidas corrigem a falta de atratividade destas carreiras.

Com efeito, a redução do número de efetivos nas forças de segurança é hoje um problema sério, agravado pelo envelhecimento dos seus profissionais – que veem a sua reforma sucessivamente adiada - e pela falta de candidatos nos concursos que vão sendo lançados.

O descontentamento dos profissionais da PSP e GNR tem, legitimamente, aumentado pelo facto de outras forças de segurança e de investigação criminal terem recebido um tratamento mais favorável, provocando uma intolerável injustiça relativa.

O Bloco propõe:

  • Aumentar o valor pago a título de subsídio de risco à PSP e à GNR, equiparando-o ao valor pago aos profissionais da Polícia Judiciária.

  • Revisão das carreiras e tabelas remuneratórias da PSP e GNR, ouvindo os sindicatos e associações profissionais.

  • Garantir a igualdade salarial entre GNR e PSP.

  • Abrir novos concursos de ingresso na PSP e GNR

10.2. Aumentar os salários e combater a precariedade na Administração pública e no Setor Empresarial do Estado

As atualizações remuneratórias dos trabalhadores e das trabalhadoras da Administração Pública são um exemplo da perda de rendimentos. Considerando o impacto da inflação para aferir a evolução do poder de compra, o salário dos trabalhadores e das trabalhadoras do Estado regista uma queda real - a remuneração base média mensal na Administração Pública caiu 0,7% entre outubro de 2015 e abril de 2023.

À exceção dos rendimentos mais baixos, como os dos assistentes operacionais e dos assistentes técnicos em início de carreira, em que aumentos apenas compensam a inflação registada em 2021, para muitos funcionários públicos, tanto da carreira geral, como das carreiras especiais, a perda de poder compra pode chegar aos 7,8%.

Mantém-se uma tendência de décadas de empobrecimento dos trabalhadores e trabalhadoras da Administração Pública, seja porque os aumentos não são reais, seja porque os entraves criados na progressão na carreira são intransponíveis.

[Gráfico 42 : Variação salários função pública vs. Inflação]

Fonte: Orçamentos do Estado

A ausência de políticas salariais justas na Administração Pública tem um reflexo direto na organização das carreiras. A criação da tabela remuneratória única, a fusão de várias carreiras, a aplicação de um sistema de avaliação que institui um sistema de quotas para limitar a progressão na carreira têm como consequência o afastamento de profissionais qualificados e a manutenção de desigualdades - um assistente operacional pode ter décadas de serviço e ganhar o mesmo que um recém-contratado.

Esta desvalorização das carreiras da Função Pública, agravada pelo desaparecimento de muitas carreiras especiais, é um dos maiores fatores de desmotivação e dificuldade de atração dos melhores profissionais para o serviço público.

Segundo a DGAEP, em 2022 o número de trabalhadores abaixo dos 55 anos que integram a Administração Pública diminuiu significativamente.

[Gráfico 43 : Estrutura etária na AP 2011 vs. 2021]

Fonte: DGAEP-SIEO

A falta de efetivos em muitos setores da Administração Pública sobrecarrega os existentes e pressiona a qualidade dos serviços públicos.

A resposta que o governo encontrou para esta incapacidade de renovação dos serviços públicos foi recorrer à contratação com vínculo precário. Entre 2019 e 2023, registou-se um aumento da quota de emprego precário no total do emprego público e do número total de contratos a termo na Administração Pública.

[Tabela 8 : Número de contratos a termo na AP]

Fonte: DGAEP

É urgente dar uma resposta a estes trabalhadores e a estas trabalhadoras através da garantia da sua internalização, porque representam necessidades permanentes, e da celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado que permitam o acesso à respetiva carreira.

As propostas do Bloco:

  • Contratação de trabalhadores para os vários setores da administração pública e revisão das suas carreiras, de forma a melhorar a capacidade de atrair e fixar novos trabalhadores na função pública;

  • Revisão da especialidade e diferenciação funcional das carreiras bem como da tabela remuneratória da Administração Pública para recuperar proporcionalidade e justiça;

  • Aumento salarial anual mínimo ajustado à inflação acumulada e aumentos reais no quadro da valorização da Administração e serviços públicos;

  • Revogação do SIADAP e do seu sistema de quotas, substituindo-o por um verdadeiro sistema de avaliação que permita a justa progressão na carreira;

  • Regularização de todos os vínculos precários na Administração Pública e no Setor Empresarial do Estado.

  • Substituir o recurso à contratação a prazo e a prestações de serviços por contratações seguras e estáveis por tempo indeterminado.

  • Atribuir à Autoridade para as Condições do Trabalho poderes para fiscalizar o cumprimento da legislação laboral por parte das autarquias.

11. Escola Pública, Pilar de Igualdade

Os anos letivos começam e arrastam-se com milhares de alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina. O Governo do PS insistiu na não reposição do tempo de serviço dos professores e hoje faltam- e faltarão cada vez mais - milhares de professores no ensino.

Acresce que os pressupostos liberais invadiram as políticas educacionais, centradas nos resultados estatísticos, no individualismo e na meritocracia, numa lógica mecânica e estritamente técnica. Quando falamos de escola pública universal de qualidade temos de falar de um projeto de todas e de todos, que acolha a diversidade e combata as desigualdades; de um modelo educativo que, em vez de reproduzir e ampliar diferenças sociais, seja um impulso para uma escola verdadeiramente inclusiva, de aprendizagem cívica, ecológica, contra qualquer discriminação.

Contratar professores e assumir que o seu tempo de serviço é para ser reposto já são dois dos compromissos do Bloco de Esquerda, assim como a gratuitidade do ensino, com materiais gratuitos, e a democratização da escola.

11.1. Investir numa Escola inclusiva, moderna e democrática

A despesa pública em Educação em Portugal continua muito longe dos 6% do PIB preconizados pela UNESCO e pela OCDE. Mesmo com o pré-escolar e com o ensino superior, perfaz 4,3% apenas. Depois de atingir 4% no início do século XXI, está agora em valores semelhantes aos da década oitenta do século XX.

[Gráfico 44 : Despesas das Administrações Públicas em educação em % do PIB]

Fonte: INE/PORDATA

Esse fraco investimento traduz-se na degradação da Escola Pública. O ano letivo de 2023/24 começou com 90 mil alunos sem professor a pelo menos uma disciplina. Este é um problema que se repete ano após ano. Lisboa, Setúbal e Algarve são as regiões mais afetadas, mas o problema está a alastrar ao resto do país. Muitos alunos chegam ao segundo período, ou mesmo ao terceiro período, sem professor. Informática, Físico- Química, Português, Matemática, o número de disciplinas com uma falta gritante de professores vai aumentando. E assim os alunos vão acumulando falhas no seu percurso escolar, vendo o seu direito à Educação prejudicado.

[Gráfico 45 : Necessidades de recrutamento cumulativas de novos docentes em Portugal Continental, 2021/22 a 2030/31]

Fonte: Nunes, Luís Catela, Ana Balcão Reis, Pedro Freitas, Miguel Nunes, e José Mesquita Gabriel. 2021. Estudo de diagnóstico de necessidades docentes de 2021 a 2030. Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

De acordo com um estudo encomendado pelo Governo, será necessário contratar pelo menos 34.500 novos professores até 2030. Em 2023 reformaram-se cerca de 3500 professores, milhares de outros foram abandonando o ensino ao longo dos anos por desmotivação e cansaço de pagar para trabalhar e não ver reconhecimento pelo valor da sua profissão. Falta quem os substitua.

Um maior investimento na Escola Pública passa também pelo reforço e valorização dos quadros de trabalhadores não-docentes, nomeadamente restabelecendo a carreira de técnico auxiliar de ação educação.

Recuperação de todo o tempo de serviço e valorização da carreira docente: compromissos de sempre do Bloco de Esquerda

Há anos que os professores e os educadores de infância lutam pela valorização da sua carreira, uma luta que é parte integral da defesa da Escola Pública. O fim da precariedade, a compensação aos professores deslocados e a recuperação total do tempo de serviço cumprido pelos docentes durante o congelamento 2011-2017 são causas justas dessa luta. Em 2019, PS e PSD chumbaram a recuperação integral do tempo de serviço proposta pelo Bloco. Desde então, sempre que o Bloco apresentou propostas de recuperação do tempo de serviço e de valorização da carreira, o Governo PS manteve essa recusa.

Desde o início do ano letivo 2022/2023, os profissionais da educação têm realizado uma nova vaga de greves e protestos. Conquistaram algumas vitórias. No entanto, persistem vários problemas. Desde logo, o processo de vinculação criou uma chantagem para obrigar os professores a concorrer a todo o país, o que é inaceitável. Também o Decreto-lei n.º 74/2023, de 25 de agosto, que incide sobre a progressão na carreira, ficou muito aquém do necessário, ao deixar de fora a recuperação integral do tempo de serviço. Manteve desta forma uma desigualdade entre os docentes do Continente e os docentes das Regiões Autónomas, os quais, justamente, já recuperaram o seu tempo de serviço para progressão na carreira. O Bloco defende que o Governo tem de fazer uma negociação séria com os representantes dos docentes para encontrar novas medidas de valorização da carreira. Estas são cinco das mais urgentes:

O Bloco defende a valorização da carreira docente e estas são as medidas mais urgentes:

  • Recuperação de todo o tempo de serviço;

  • Reposicionar todos os professores na carreira a partir da contagem integral do tempo de serviço, tendo como único critério o tempo de serviço e a graduação profissional;

  • Programa de vinculação extraordinária de docentes precários e alteração das regras da vinculação dinâmica, eliminando, a obrigatoriedade de concorrer ao país inteiro;

  • Respeito pela graduação profissional e pelo direito à progressão na carreira, com eliminação das quotas de acesso aos 5º e 7º escalões;

  • Alteração dos intervalos horários e mais direitos para os horários incompletos;

  • Criação de um regime de compensação a docentes deslocados;

  • Melhoria da formação inicial e contínua, bem como alteração do sistema de avaliação de desempenho, da sua subjetividade e injustiças.

  • Considerar todas as tarefas docentes exclusivamente como componente letiva e terminar com a designação de componente não letiva

  • Igualdade de horários para todos os docentes e recuperação dos horários de 22 horas, assim como os cálculos por tempos em vez de minutos;

  • Direito à reinscrição na CGA dos docentes que já foram subscritores e saíram por motivos de desemprego.

Menos qualificações não é resposta para a falta de professores

O recurso massivo a trabalhadores não profissionalizados para dar aulas, isto é, apenas com as chamadas habilitações próprias, bem como a estagiários e a jovens sem licenciatura completa, coloca em risco a qualidade do ensino.

No ano letivo 2023/24, o número de docentes com habilitação suficiente triplicou. São já 16% dos professores em funções. A formação pedagógica destes profissionais é essencial para assegurar a qualidade do ensino num período de acentuada carência de professores com habilitação própria.

O Bloco propõe:

  • Aos professores não profissionalizados devem ser proporcionadas a profissionalização em serviço ao cabo de 1095 dias de serviço, seguido ou intercalado, e a frequência de 50 horas de formação pedagógica, ministrada pelos centros de formação de referência da respetiva escola/agrupamento ou pelas universidades onde existem mestrados de ensino, cujo número de vagas deve ser adequado às presentes necessidades.

  • ⁠As pessoas colocadas em escolas com estatuto de técnico especialista para formação e que exercem funções docentes, passam a ser remuneradas pela tabela dos vencimentos dos docentes do ensino público e integradas no respetivo grupo de recrutamento de acordo com o Estatuto da Carreira Docente, sendo igualmente abrangidos pela vinculação dinâmica, pondo fim à precariedade existente.

O aumento exponencial do investimento em educação tem de ser acompanhado de mudanças profundas nas políticas. O sistema educativo tornou-se numa manta de retalhos, avulsa e incoerente, marcado pela agenda neoliberal e pela escassez de recursos. É fundamental a diminuição do número de alunos e alunas por turma e o alargamento da gratuitidade dos materiais escolares.

Ficaram por tomar, por recusa do PS, medidas tão importantes como a democratização do modelo de gestão, o reforço da autonomia das escolas, a revisão dos programas e do modelo de avaliação, a criação de um programa de rejuvenescimento do corpo docente.

De igual modo, para promover uma educação inclusiva, é necessário reforçar as escolas com mais pessoal técnico, nomeadamente, profissionais da psicologia, terapeutas, mediadores e mediadoras, animadores e animadoras culturais, tutores e tutoras, entre outras pessoas, para trabalharem em conjunto com todas as comunidades e com todos os alunos e alunas, tendo ou não diversidade funcional.

Programa Especial de Rejuvenescimento do Corpo Docente

[Tabela 9 : Índice de envelhecimento dos docentes* por nível de ensino (2021/2022)]

Fonte: Perfil do Docente 2021/2022, Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência

  • número de professores com mais de 50 anos por cada 100 professores com menos de 35 anos.

O envelhecimento da classe docente representa um risco para a sustentabilidade da Escola Pública e pesa sobre o desenvolvimento do país. O Bloco propõe um Programa Especial de Rejuvenescimento do Corpo Docente, que permitirá a substituição voluntária de docentes com mais longas carreiras por jovens no início da carreira, com benefícios para um sistema educativo mais inovador.

As propostas do Bloco:

  • Regime temporário de antecipação da aposentação das professoras e professores com idade próxima da reforma (medida de adesão voluntária e que deve incluir a possibilidade de reconversão de tempo de serviço ainda não contabilizado em antecipação da reforma);

  • Incentivo à contratação e vinculação dos docentes contratados e contratadas. Desta forma é possível gerir a renovação geracional, evitando a saída abrupta de metade do corpo docente e acautelando a entrada atempada de novos professores e professoras.

Pede-se hoje à Escola quase tudo e não se pode exigir menos: que seja espaço de aprendizagem para a cidadania, para a liberdade, para os conhecimentos técnicos e científicos atuais, para a cultura, a arte e o desporto e que garanta condições de igualdade. Não há escola inclusiva sem uma política educativa que trabalhe esse objetivo.

Uma verdadeira educação inclusiva passa, entre outros aspetos, por uma educação antirracista, uma educação sexual sem preconceitos, uma educação laica, aberta à diversidade cultural e de capacidades, e que promova o sucesso e a participação de todas as crianças e jovens.

Isso será impossível sem a participação de docentes e não docentes na organização da escola, sem um processo de reforma curricular participado por toda a comunidade educativa, sem a valorização de todo pessoal que trabalha na Escola e o respeito pelos e pelas estudantes. Até práticas pedagógicas inovadoras, como o programa de autonomia e flexibilidade curricular e a introdução de aprendizagens essenciais, esbarram na continuidade de programas extensos e obsoletos, metas curriculares inalcançáveis, um modelo de avaliação obcecado por exames e na desarticulação entre os novos modelos desejados e a ausência de alterações significativas na formação de professores.

É urgente uma coerência curricular que respeite a autonomia das escolas, dos professores e dos alunos, mas também que não despreze o conhecimento, as humanidades, a arte e o desporto. A escola deve adaptar-se ao mundo que a rodeia e às necessidades sociais, mas não da forma que a direita pretende, tornando-a num apêndice do centro de emprego. É urgente que a escola esteja baseada numa prática democrática, em que haja maior participação de alunos, professores, restantes profissionais e encarregados de educação.

Uma Escola Democrática

Defendemos a aposta num modelo de gestão democrático. A revisão da legislação sobre gestão escolar e do estatuto do aluno são prioridades para o Bloco de Esquerda. Defendemos um modelo com maior participação de alunos, professores e funcionários, e onde não sejam esquecidos os encarregados de educação e toda a comunidade em que a escola se insere.

É necessário ainda abrir o debate sobre a organização por ciclos. Portugal tem o primeiro ciclo mais curto da Europa, decorrente de lógicas anacrónicas e desatualizadas. Temos uma das médias mais altas da Europa de horas passadas em sala de aula pelos alunos do primeiro ciclo. A este debate tem de ser associado o debate sobre a formação contínua específica de docentes deste ciclo de ensino.

Investir no Ensino Profissional

É necessário repensar o modelo atual do ensino profissional. O Ensino Profissional tem vindo a formar técnicos em diferentes áreas, num esforço digno de registo. É também uma via que precisa de ser mais valorizada, pois é frequentemente votada a uma segunda escolha ou, pelo contrário, via única para alunos de meios socialmente mais desfavorecidos. Torna-se, por vezes, um meio de reprodução de desigualdades sociais, quando poderia dar um contributo mais efetivo para o progresso social. Acresce que a escolha de um curso profissional para os jovens que concluem o 9.º ano está fortemente condicionada à oferta autorizada pelo Ministério da Educação na sua área de residência. Os ciclos de formação dos mesmos cursos repetem-se nos mesmos locais, mesmo quando os interesse dos alunos e o entorno comercial e industrial da região onde o Agrupamento se insere já aconselham a aposta em novas ofertas.

O Bloco propõe:

  • Revisão das matrizes curriculares dos cursos profissionais, com contributos de profissionais ligados às áreas de formação, e reformulação da formação em contexto de trabalho;

  • Apoiar os alunos que queiram frequentar cursos profissionais que não existam na sua área de residência habitual, nomeadamente através de alojamento estudantil.

A escola que prepara para o futuro não é compatível com modelos pedagógicos antiquados, expositivos, decorrentes do elevado número de alunos por turma e da necessidade de formar e treinar para exames.

Há ainda um longo caminho pela frente até a escola pública conseguir eliminar o abandono escolar, baixar as taxas de retenção e assegurar a possibilidade de terminar a escolaridade obrigatória garantindo igualdade de oportunidades. Se os manuais escolares gratuitos foram um primeiro passo, é necessário, agora, reforçar a ação social escolar e dotar as escolas com as melhores condições de aprendizagem possíveis. É imprescindível acabar com os exames em todos os ciclos de ensino e separar a conclusão do secundário do acesso à universidade.

Por fim, não pode haver educação inclusiva que não responda à persistência do analfabetismo e das baixas taxas de escolarização em Portugal. Há ainda 500 mil pessoas analfabetas no país. Sobretudo nos meios rurais e entre as mulheres. Do mesmo modo, no quadro da Educação Permanente e do direito à escolaridade, é fundamental assegurar que os adultos que abandonaram a escola precocemente, tenham a possibilidade de completar os doze anos de escolaridade.

As propostas do Bloco:

  • Abertura de um processo de reforma curricular e revisão de programas, com a participação de professores e professoras, estudantes, academia e organizações da sociedade civil mais relevantes em cada área, envolvendo o ensino superior para assegurar a necessária reforma na formação de docentes;

  • Plano de investimento na Educação que vise alcançar a meta de pelo menos 6% do PIB;

  • Redução do número de alunos por turma;

  • Recuperação do tempo de serviço, vinculação extraordinária de docentes contratados sem obrigação de concorrer a todo o país, incluindo os professores contratados como “técnicos de formação para a docência”, e valorização de carreira docente (ver caixa);

  • Valorização profissional e reforço do número de trabalhadores não-docentes nas escolas, através da criação de uma carreira de técnico auxiliar de educação, da revisão das tabelas salariais e da portaria de rácios;

  • Alargamento do ensino articulado e das respostas públicas de ensino artístico;

  • Investir no ensino profissional enquanto fator de qualificação (ver caixa);

  • Reforço do número de psicólogos escolares para atingir o rácio de um psicólogo/a por cada 500 alunos e alunas;

  • Revisão da organização dos ciclos e do calendário escolar;

  • Gratuidade dos materiais escolares, inclusive os materiais do ensino artístico;

  • Revisão do estatuto do aluno e da aluna para valorizar participação e direitos;

  • Reforço da ação social escolar e materiais pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos com necessidades educativas específicas;

  • Adoção de medidas de promoção do uso saudável de tecnologias nas escolas.

Limitar o uso de smartphones nas escolas

O aumento da exposição, durante grandes períodos de tempo, de crianças e de jovens aos ecrãs dos smartphones e dos tablets tem motivado grandes preocupações por parte dos profissionais da saúde e dos especialistas em educação. Conforme alertou a UNESCO em 2023, os estudos mais recentes, focados nas crianças e nos usos de ecrã para lazer, apontam para uma forte associação entre o tempo de uso de tablets/smartphones e perturbações do humor, ansiedade, uso problemático das redes sociais, vício do jogo e a outros usos negativos dos smartphones. O aumento do tempo passado ao ecrã reduz o tempo de socialização entre pares e a prática de outras atividades importantes para o desenvolvimento pessoal e social das crianças e dos jovens. Em 2017, a Escola EB 2/3 António Alves Amorim, de Santa Maria da Feira instituiu a proibição do uso de telemóveis no espaço escolar. O objetivo era aumentar a socialização e evitar situações de cyberbullying. O sucesso desta experiência e iniciativas como a petição “VIVER o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!”, que reuniu mais de 22 mil assinaturas, levaram a que outras escolas seguissem este exemplo. É preciso criar enquadramento legal, orientações e envolver as comunidades educativas na promoção do uso saudável das tecnologias, de forma adequada às idades.

  • O Bloco propõe a alteração do estatuto do aluno com vista a: o para os alunos do 1º e do 2º ciclos do ensino básico, estender aos períodos de intervalo as restrições ao uso de smartphones que se aplicam nas horas letivas; o para os restantes alunos, promover, em sede de regulamento interno, a regulação dos usos de equipamentos tecnológicos, ouvindo obrigatoriamente as associações de encarregados de educação e de estudantes;

  • Produzir orientações para o uso saudável de tecnologias nas escolas, diferenciado por faixas etárias, sobre limites à utilização de telemóveis e outros equipamentos de comunicações;

  • Definição da política de materiais pedagógicos com base nos conhecimentos mais avançados sobre a exposição das crianças e dos jovens aos ecrãs.

  • Gratuitidade de equipamentos informáticos e de acesso a rede de internet;

  • Reforço das bibliotecas escolares;

  • Valorização do ensino profissional com garantia de ensino unificado até 9º ano;

  • Reforço das respostas de educação inclusiva nas escolas, com recursos humanos adequados, nomeadamente docentes especializados, assistentes operacionais com formação e dedicados, contratação direta de equipas técnicas e alargamento da rede de unidades especializadas;

  • Dotar as escolas de meios humanos e recursos materiais que permitam o acolhimento e a integração escolar de filhos de migrantes, independentemente do país de origem, de acordo com as necessidades decorrentes da diversidade linguística e cultural e de fatores socioeconómicos;

  • Revisão do modelo de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), Componentes de Apoio à Família (CAF) e Atividades de Animação de Apoio à Família (AAF) de modo a valorizar as atividades lúdicas, combatendo a sua excessiva curricularização e a precariedade dos vínculos dos profissionais;

  • Inclusão da formação artística no currículo escolar do 1° Ciclo do Ensino Básico;

  • Gestão pública das cantinas escolares com produção local e circuitos curtos de abastecimento;

  • Reversão da municipalização e novo modelo de descentralização com base na autonomia das escolas;

  • Recuperação de um modelo de gestão democrático e fim dos mega- agrupamentos;

  • Apoiar a participação dos jovens e das associações estudantis numa política de decisão partilhada, como princípio democrático;

  • Fim das provas nacionais do 9.º ano;

  • Realização das provas de aferição por amostragem em que a avaliação incida sobre o sistema educativo;

  • Revisão do programa escola a tempo inteiro;

  • Criar respostas e recursos efetivos de apoio aos alunos Português Língua não Materna, que devem beneficiar de um momento propedêutico para aquisição da língua portuguesa;

  • Dotar as escolas de respostas diferenciadas efetivas, como as Unidades Especializadas, equipas multidisciplinares, e formação contínua de docentes e não docentes neste âmbito, que permitam uma educação inclusiva independente da severidade das barreiras funcionais ou desenvolvimentais;

  • Criação, na escola pública, de cursos pós-laborais dirigidos aos adultos que pretendam melhorar a sua escolaridade;

  • Adoção de uma estratégia descentralizada de erradicação do analfabetismo;

  • Desenvolver um programa integrado de educação/formação ao longo da vida.

11.2. Um programa de requalificação das escolas públicas

Muitas das escolas secundárias e a maioria das escolas básicas não tiveram as intervenções necessárias ao longo dos anos. Frio e calor, chuva dentro das salas de aulas, falta de condições ou ausência de refeitórios e pavilhões desportivos e degradação geral dos espaços, tudo isso perturba o normal funcionamento de uma escola. Acresce que, apesar do programa de remoção de amianto, conseguido devido à luta das comunidades educativas, as intervenções limitaram-se a remover telhados de fibrocimento, sendo necessário prosseguir a remoção e/ou isolamento de todos os materiais com amianto.

Estão em causa a higiene, a segurança, as condições de trabalho e o conforto de centenas de milhares de alunos e alunas e profissionais, assim como a qualidade da educação em Portugal.

É necessário um plano de investimento a quatro anos, com calendário e prioridades. Sem projetos de luxo, a cada escola deve ser dada autonomia para identificar as suas necessidades de requalificação e manutenção dos edifícios escolares.

A proposta do Bloco:

  • Adoção de um programa de requalificação dos edifícios escolares, que vise, entre outros aspetos, autoconsumo e eficiência energética, a remoção de barreiras arquitetónicas, o isolamento ou a eliminação de materiais com amianto, a garantia de instalações adaptadas à educação física, científica e artística.

  • Dotar as escolas de condições de climatização e conforto, bem como espaços adequados às necessidades educacionais e sociais para o bem-estar de quem as frequenta.

11.3. Uma rede pública de creches

A educação e os cuidados da primeira infância são, cada vez mais, considerados uma base para a educação e para a formação ao longo da vida. No entanto, a taxa de cobertura continua a rondar os 50%, o que quer dizer que cerca de metade das crianças até aos três anos não consegue ter acesso a uma creche.

Este quadro limita o acesso das famílias à creche e ignora que a criança é um sujeito de direitos desde que nasce. A política de creches tem sido orientada por duas opções erradas: não incluir as creches no sistema educativo, mas no campo da ação social, remetendo a oferta essencialmente para o setor privado e o setor social (IPSS) financiado através de acordos de cooperação com a Segurança Social; e situar as creches como assistência às famílias e não como direito da infância, o que contribui para desresponsabilizar o Estado da criação de uma rede pública. A política de creches gratuitas tem vindo a mitigar este problema, mas não mudou o paradigma.

A Recomendação nº 3/2011 do CNE sobre “A educação dos 0 aos 3 anos” considera que a concretização do direito das crianças à creche é “um fator de igualdade de oportunidades, de inclusão e coesão social”. O mesmo documento sustenta que a frequência da creche deve “ser universal, de modo a que as famílias disponham de serviços de alta qualidade a quem entregar os seus filhos, serviços esses que devem estar geograficamente próximos da respetiva residência ou local de trabalho” (2ª recomendação). E, no mesmo sentido, defende que “o Ministério da Educação deve assumir progressivamente uma responsabilização pela tutela da educação da faixa etária dos 0-3” (3ª recomendação).

Nos últimos anos, o programa público Creche Feliz tem promovido o acesso à creche gratuita para crianças em determinadas condições. Todavia, há uma grande escassez de vagas, o que faz com que cerca 125 mil crianças não encontrem lugar numa creche abrangida pelo programa.

O Bloco propõe, por isso, que seja criada uma Rede pública de creches, com o objetivo de proporcionar um número de vagas suficiente e bem distribuído no território, de forma a garantir a gratuitidade de frequência de creche a todas as crianças. Essa rede pública de creches será desenvolvida quer pelo Estado central, designadamente através da cooperação entre o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, quer pela administração local, através do incentivo à oferta de vagas de creche por parte das autarquias, com o apoio da Segurança Social, que passou a ser uma possibilidade a partir de 2024.

Também na perspetiva dos direitos das crianças ao desenvolvimento e à aprendizagem, o Bloco propõe que o direito à creche seja incluído na Lei de Bases do Sistema Educativo e o reforço do Sistema de Intervenção Precoce na Infância.

As propostas do Bloco:

  • Inclusão das creches no sistema educativo;

  • Criação de uma rede pública de creches com cobertura universal, garantindo ao longo da legislatura a abertura de 125 mil novas vagas, a integrar no Serviço Nacional de Cuidados em articulação com os ministérios da Educação e da Segurança Social;

  • Contabilização do tempo de serviço dos Educadores de Infância afetos às creches para todos os efeitos do Estatuto da Carreira Docente.

  • Garantir um serviço de intervenção precoce para a infância inclusivo e com cobertura universal, reforçando e capacitando as equipas multidisciplinares dedicadas.

12. Ensino Superior e Investigação Científica

O acesso ao ensino superior reproduz todas as desigualdades existentes na sociedade. O preço dos quartos, a propina, o custo das deslocações... Tudo isso são despesas impossíveis para muitas famílias e estudantes. Um novo modelo de acesso e de frequência é urgente - sem propinas, com alojamento estudantil público e com transportes gratuitos - para que o ensino superior seja, de facto, universal.

Já a investigação científica tem sido uma fábrica de precariedade, mais do que bolsas, projetos, recibos verdes ou contratos temporários, o que é preciso é uma política de investimento e de contratação para dinamizar a ciência em Portugal.

12.1. O nosso ranking mede-se na igualdade de oportunidades

A produção de conhecimento através da ciência, a sua disseminação e partilha são instrumentos essenciais para lutar contra o obscurantismo, criar soluções para problemas ambientais, sanitários e sociais e enfrentar desafios futuros.

No entanto, assiste-se a uma degradação da governança da ciência, frequentemente sem estratégias informadas, com investimento público insuficiente, optando frequentemente por preterir ciência fundamental por ciência aplicada, numa duvidosa visão utilitarista da ciência como mero instrumento económico. Os custos do alojamento, as propinas e emolumentos, a dificuldade de acesso a bolsas e a precariedade na investigação só pioram a situação.

Esta total falta de estratégia a médio e longo prazo agudizou-se ainda mais nos últimos dois anos da maioria absoluta do Partido Socialista. São, assim, urgentes políticas que revertam esta situação, que viabilizem e consolidem infraestruturas de investigação científica, que tornem o ensino superior universal, que promovam a formação e manutenção de trabalhadores qualificados e que, dentro do sistema científico nacional, criem efetivamente conhecimento e inovação.

Por uma política de investimento público no Ensino Superior e na Ciência

Nos últimos quinze anos, as Instituições de Ensino Superior (IES) sofreram uma quebra de cerca de um terço no seu financiamento, conduzindo-as a uma política de gestão de curto prazo e de sobrevivência, baseada na procura de receitas próprias – propinas, contratos com empresas privadas, taxas e emolumentos. A despesa em Portugal com o Ensino Superior é de tal forma limitada que não atinge 1,5% do PIB.

[Gráfico 46 : Despesa orçamentada para Ciência, Tecnologia e Ensino Superior em percentagem do PIB]

Fonte: Orçamentos do Estado

A promessa da meta dos 3% do PIB em Ciência adia-se de ano para ano e a maioria absoluta tornou esse desígnio ainda mais difícil de alcançar.

Preço do alojamento: um dos principais obstáculos para frequentar o Ensino Superior Segundo o Observatório do Alojamento Estudantil, em setembro de 2021, havia 10.216 quartos disponíveis para alojamento estudantil no mercado de arrendamento privado; dois anos depois, em setembro de 2023, havia apenas 3.305 quartos. Esta escassez fez disparar os preços de um quarto, hoje 25% mais caros do que há 2 anos, e em muitos distritos a atingir valores absolutamente proibitivos.

[Gráfico 47 : Alojamento estudantil: oferta e preço por distrito]

Enquanto a selva se instala, o Governo continua a falhar os seus anúncios de construção de mais alojamento estudantil.

A especulação imobiliária e a gentrificação dos grandes centros urbanos impedem hoje milhares de jovens de prosseguirem estudos superiores. A par do fim das propinas e do reforço da Ação Social, o investimento público deve colmatar o número que atormenta o setor: apenas 10% dos estudantes deslocados encontram resposta pública de alojamento.

É preciso construir alojamento estudantil e colocar em marcha um plano de emergência que garanta alojamento a custos controlados a todos os estudantes deslocados. Estas são as propostas do Bloco:

  • Adaptação de edifícios públicos sem utilização para conversão em residências estudantis;

  • Protocolos com o setor hoteleiro e do alojamento local que disponibilizem quartos em número suficiente e a preços controlados aos estudantes deslocados bolseiros e não bolseiros;

  • Requisição de imóveis afetos ao alojamento local ou alojamento utilizado com fins turísticos, priorizando as habitações detidas por proprietários com elevado número de imóveis em alojamento local/turístico.

12.2. Democratizar as Instituições de Ensino Superior, combater a mercantilização e reverter a precariedade

O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) introduziu uma lógica mercantil no funcionamento do sistema, patente na entrada para os Conselhos Gerais dos representantes dos principais grupos económicos, ao mesmo tempo que remeteu a democracia na gestão da academia para um nível quase simbólico. O RJIES estabeleceu ainda uma hierarquia inaceitável entre universidades do mesmo sistema, introduzindo incentivos financeiros em função das escolhas de modelo de gestão e condicionando, por essa via, a autonomia das instituições.

A empresarialização da gestão académica, combinada com o défice democrático, transformou o Ensino Superior numa fábrica de gente precária: falsos bolseiros e bolseiras, docentes com contratos semestrais a assegurar tarefas permanentes, uso e abuso da figura de “docente convidado” para evitar a abertura de concursos para lugar de carreira são apenas alguns exemplos do estado de degradação que o setor atingiu.

O relatório da Comissão Independente de Avaliação do RJIES, apresentado recentemente, dá algumas pistas para futuras alterações. Porém, não existiu até hoje vontade do Partido Socialista na busca de modelos alternativos de governação das IES.

O Bloco de Esquerda elege como prioridade para a próxima legislatura uma profunda revisão do RJIES, envolvendo a comunidade académica e as demais entidades dentro do setor, assim como a abertura de um novo PREVPAP para o Ensino Superior e Ciência.

O Concurso Estímulo ao Emprego Científico, que decorreu desde 2017, falhou os seus principais objetivos, não tendo reforçado o emprego científico, nem potenciado o impacto da investigação científica no ensino superior. Pelo contrário, alargou o fosso entre a Ciência e o Ensino Superior, permitiu que a empresarialização da gestão académica fosse instrumentalizada para facilitar a precariedade e agudizou o défice democrático nas instituições de Ensino Superior.

A área da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é aquela onde o emprego precário tem mais expressão. Segundo dados da Direção Geral da Administração e do Emprego Público, em junho de 2023, dos 93.442 contratos a termo existentes na Administração Central, mais de 18 mil estavam na área da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, representando 39% do total de contratos desta área.

[Gráfico 48 : Percentagem de contratos precários por área governativa]

Fonte: Jornal Expresso

Assumir o combate à precariedade no Ensino Superior e na Ciência O Processo de Regularização Extraordinária de Vínculos Laborais Precários na Administração Pública (PREVPAP) foi uma oportunidade perdida no setor da ciência. Ele expôs claramente a dimensão deste problema – na área da Ciência foram recebidos 3200 pedidos para regularização de docentes e investigadores, dos quais apenas 10% tiveram parecer positivo. Ao mesmo tempo, o número de contratados sem termo no final do processo que decorreu ao abrigo da norma transitória do Decreto-Lei n.º 57/2016 tem sido igualmente reduzido.

A oposição de muitos reitores e a inação do governo foram fatores críticos para o falhanço destes programas, sobrepondo-se com frequência à aplicação da lei e contribuindo para a manutenção sistemática de falsos bolseiros e bolseiras, docentes contratados e contratadas de semestre em semestre para assegurar tarefas permanentes, e uso abusivo da figura de “docente convidado ou convidada” para evitar a abertura de concursos para lugares de carreira. A estes problemas soma-se ainda uma tendência crescente de privatização do enquadramento contratual do trabalho docente e de investigação. Aqui, a naturalização da precariedade é feita através de vínculos intermitentes ou tornando as unidades de U&I (investigação e desenvolvimento) completamente dependentes da lógica de “projetificação” da ciência, na qual o investigador é levado a ocupar parte relevante do seu tempo a preparar constantemente candidaturas a projetos como forma de garantir o seu salário ou das equipas, gerando insegurança laboral e, frequentemente, desperdício de tempo necessário à produção científica.

Nos últimos oito anos ficou claro que apenas apenas o caminho inverso ao do subfinanciamento crónico do setor contribui para impor os contratos de trabalho como vínculo normal para o trabalho científico. É, portanto, nestas medidas que devemos apostar. A obrigatoriedade de cumprir uma percentagem crescente de investigadores nos quadros para acesso a financiamento, parece ser o caminho. No entanto, sem um aumento progressivo e sustentado do financiamento plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior e ciência, o combate à precariedade será sempre uma batalha perdida, como parece estar a mostrar o programa FCT-Tenure.

É também imperativo promover uma revisão articulada dos estatutos de carreira de investigação e docência, de modo a permitir uma maior compatibilização entre ambos, revendo também os mecanismos de progressão de forma justa, transparente e abrangente, e pondo fim ao recurso a legislação avulsa para benefício apenas de alguns.

O funcionamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é pautado por uma burocratização estrutural que, aliada à falta de meios e pessoal técnico, deixa o setor numa imprevisibilidade e atrasos constantes. O aumento do orçamento para a ciência, proposto neste Programa, deverá ser executado com rigor e acompanhado de uma avaliação consequente dos programas de investimento anteriores. Também o funcionamento da FCT carece de reavaliação, de forma a garantir mais autonomia e financiamento plurianual.

12.3. Por um novo modelo de acesso ao ensino superior

Desde meados da década de 90, com a introdução dos exames nacionais do Ensino Secundário e a extinção das provas de ingresso, foi atribuída ao ensino secundário uma responsabilidade que, à partida, não deveria ser sua: a seleção dos alunos que entram no ensino superior.

A competição pelos melhores lugares nos rankings, definidos apenas pelo desempenho nos exames nacionais, fez com que as escolas privadas tenham transformado o ensino secundário numa mera preparação para estas provas, desvalorizando outros aspectos, como a educação para a cidadania, a educação para a saúde e o trabalho de projeto.

É necessário lançar um novo modelo de acesso, o fim dos exames nacionais, dos numerus clausus, assim como novos instrumentos de aferição de conhecimentos e competências.

Para além disso, é preciso garantir o acesso efetivo ao ensino superior, eliminando propinas e aumentando as bolsas de estudo, seja no valor, seja no número de estudantes abrangidos.

Um novo modelo para um ensino superior universal

São vários os países onde os estudantes não pagam propinas no primeiro ciclo de estudos - Dinamarca, Grécia, Chipre, Malta, Finlândia, Suécia - ou onde uma parte significativa dos estudantes estão isentos de propinas - casos, por exemplo, da Bélgica, Irlanda, França ou Itália.

Portugal é, pelo contrário, um dos países onde todos os estudantes são obrigados a pagar propina e onde a bolsa é tão pequena que dá para pouco mais do que pagar propinas.

[Gráfico 49 : Percentagem de estudantes de licenciatura que pagam propinas, por país]

Fonte: Eurydice

Também somos dos países que menos ajuda pública oferece para que um estudante faça face aos custos inerentes à frequência do ensino superior. Ao contrário de países como a Noruega, a Dinamarca, a Suécia, a Finlândia ou a Holanda, onde o apoio estatal ao estudante do superior é elevado, em Portugal o fardo recai essencialmente sobre a família e sobre o estudante, o que acaba por perpetuar desigualdades sociais.

[Gráfico 50 : fonte de rendimento de estudantes do ensino superior em vários países]

Fonte: Eurostudent

Um novo modelo de acesso e frequência ao primeiro ciclo do ensino superior é fundamental. Tornando-o universal e gratuito. É por isso que o Bloco de Esquerda propõe:

  • Eliminação das propinas na licenciatura, CTeSP e mestrados integrados;

  • Transportes gratuitos até aos 25 anos;

  • Alojamento estudantil público para todos os estudantes deslocados;

  • Alargamento do número de alunos com bolsa e aumento do valor das bolsas.

Desenvolvimento científico ao serviço do interesse público

O Estado deve assumir um papel decisivo no desenvolvimento das políticas para o Conhecimento e garantir a sua democratização. Deve-se assim procurar promover as formas de tecnologia aberta e que sejam regidas por princípios de espírito crítico e utilidade pública. Este esforço deve contribuir também para capacitar as respostas dos serviços públicos e reforçar a relação entre os decisores políticos e os cidadãos.

12.4. As propostas do Bloco para um Ensino Superior democrático e participado

  • Atingir, na próxima legislatura, 3% do PIB em investimento em ciência e investigação, em financiamento maioritariamente público e que reequilibre a relação de investimento em ciência básica e ciência aplicada;

  • Financiamento público plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior, laboratórios e centros de investigação, com a contrapartida de um mecanismo avaliativo de políticas na melhoria da ação social escolar e do combate à precariedade;

  • Redução do valor das propinas de mestrados e doutoramentos, desde já através da fixação de um teto máximo nacional não superior aos valores praticados de bolsas de ação social (no caso do 2º ciclo);

  • Cancelamento da dívida estudantil;

  • Revisão do Estatuto do Estudante Internacional, propondo um modelo solidário de apoio a estudantes oriundos da CPLP, otimização da relação entre estudante/instituição de ensino superior/serviços do Estado português e programas de combate ao racismo e à xenofobia;

  • Redução das propinas para estudantes internacionais;

  • Plano Nacional para o alargamento da rede de residências estudantis e revisão do regulamento de bolsas com nova fórmula de cálculo e definição de um calendário regular para a transferência das bolsas;

  • Revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, recuperando a participação paritária entre corpos e de género nos órgãos de gestão e a eleição do ou da reitora/presidente por um colégio eleitoral alargado e representativo;

  • Revisão dos estatutos das carreiras docente (ECDU e ECDESP) e de investigação científica (ECIC) com definição de critérios claros de avaliação de desempenho e regras justas de progressão e recuperação de uma carreira dedicada aos quadros técnicos de apoio à investigação;

  • Valorização do Ensino Superior Politécnico, aprofundando o seu financiamento e os mecanismos de ação social, garantindo efetivamente a possibilidade destas instituições ministrarem doutoramentos e reforçando a sua capacidade na área da investigação científica;

  • Alteração do modelo de funcionamento da FCT, através da contratação de pessoal especializado, um modelo de governança que garanta mais autonomia na decisão e melhor ligação com o setor científico;

  • Revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica e inserção dos atuais bolseiros num enquadramento legal que garanta o direito a um contrato de trabalho, com 14 meses, direito a subsídio de desemprego e outros direitos constantes no código laboral e na LTFP;

  • Obrigatoriedade de contratação ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica, revendo por cima o atual rácio mínimo de pessoal na carreira para aceder a financiamento estatal e/ou comunitário;

  • Regulamentação das Carreira de Docente no Ensino Superior Privado, em negociação com as organizações representativas da classe;

  • Alargamento dos Centros de Ciência Viva no país, aproximando este programa da realidade educativa, social e cultural desses territórios e articulando com a disciplina de Cidadania do Ensino Básico e Secundário;

  • Apoio de projetos que desenvolvam conhecimento científico com utilidade pública em tecnologias de licença aberta copyleft ou, em alguns casos, copycenter;

  • Desenvolvimento da ligação entre as Instituições de Ensino Superior, os seus Laboratórios e Centros de Investigação e os restantes serviços da Administração Pública, para promover a sua modernização e o desincentivo à contratação de serviços privados de consultoria; criação de Pactos de Investigação e Desenvolvimento orientados para a valorização científica e tecnológica da Administração Pública;

  • Criação de códigos de conduta e de uma estrutura independente de apoio à vítima e de denúncia em caso de assédio nas instituições de ensino superior.

13. Uma Nova Política de Cuidados

Faltam respostas sociais, especialmente respostas públicas. Faltam lugares em creches, em lares, em cuidados continuados. Faltam, também, respostas que rompam com a lógica da institucionalização e que promovam a autonomia e a vida independente. O Governo PS, que preferiu entregar estas respostas a entidades privadas e a IPSS, é o mesmo Governo que mantém os apoios a cuidadores informais a um nível residual.

Para dar resposta a tantas ausências é preciso construir um Serviço Nacional de Cuidados. É isso que o Bloco de Esquerda propõe: uma rede pública de creches, centros de dia, lares, centros comunitários, cuidados continuados e paliativos, mas também bolsas de assistentes pessoais e apoio domiciliário para todas e para todos, para cuidar de todas e de todos os que precisam.

13.1. Serviço Nacional de Cuidados

Vivemos uma crise de cuidados com múltiplas dimensões. Colocar os cuidados no centro das prioridades sociais e políticas é uma urgência à qual o Estado tem de responder com políticas públicas para a comunidade.

Ao contrário do que acontece com a Educação e a Saúde – direitos consagrados na Constituição, que atribuem ao Estado a responsabilidade de os realizar por via de sistemas públicos e universais – os cuidados sociais em situação de dependência, designadamente na infância, velhice e deficiência, foram remetidos para a família e para o campo da solidariedade social. Ao Estado cabe assim o papel, essencialmente, de apoiar as famílias na prestação de cuidados e de financiar as instituições particulares de solidariedade social. É a estas, e não à provisão pública, que a Constituição atribui a responsabilidade de uma “rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade” e a prossecução dos direitos dos cidadãos com deficiência e da terceira idade.

O setor social não tem, contudo, obrigações de política pública. Ao longo das últimas décadas, a oferta de respostas sociais, embora tenha crescido muito, continua a estar

aquém dos serviços essenciais necessários à comunidade. Ao mesmo tempo, a maior parte dos cuidados prestados continua a assentar nas famílias e, dentro destas, a sobrecarregar as mulheres no cuidado de crianças, idosos e pessoas dependentes. Medidas que se limitem a apoiar os cuidados familiares não remunerados não são capazes, por si só, de contrariar a desigualdade de género.

As respostas para a infância, para a velhice, para as pessoas com deficiência e com doença crónica, protagonizadas pelo setor privado não lucrativo, que recebe cerca de 1500 milhões de euros por ano do Orçamento do Estado, através de acordos de cooperação com a Segurança Social, são insuficientes, e não chegam à maior parte da população. Porém, apesar desta carência, tem vindo a ser rejeitado que o Estado disponha de uma rede pública de creches, de respostas para a velhice e para a dependência ou de uma bolsa pública de ajudantes familiares ou assistentes pessoais.

[Gráfico 51 : Rede de Serviços e Equipamentos sociais - Principais indicadores - 2021]

Fonte: Carta Social, MTSS

Por outro lado, a escassez de cuidados profissionais, que obriga tanta gente, maioritariamente mulheres, a abandonar os seus trabalhos para cuidar dos seus familiares, não é sequer compensada com tempo, direitos e reconhecimento. O estatuto do cuidador informal, que teve o mérito de reconhecer a existência do cuidado informal, foi boicotado pelo Governo no alcance que poderia e deveria ter, mas não tem. Deixa muita gente de fora, o subsídio de apoio tem um valor bastante reduzido e vários dos direitos laborais e de descanso ficaram a meio caminho.

Ao mesmo tempo, grandes multinacionais têm vindo a organizar-se na Europa para criarem um mercado de cuidados, particularmente para idosos, aproveitando os vazios da política pública.

A área dos cuidados é das que mais tem criado emprego, mas num modelo precário. Entre as profissionais de cuidados e do serviço doméstico (em ambos os casos, cerca de 90% mulheres) a precariedade e os baixos salários são a norma. Criar uma resposta a esta lacuna, garantindo a criação de dezenas de milhares de postos de trabalho com direitos, deve ser uma prioridade da esquerda. Os modelos de resposta que hoje prevalecem, assentes na institucionalização das pessoas, na estandardização de procedimentos e na desvalorização da autonomia de cada um e cada uma geram sofrimento e têm de ser repensados.

13.1.1. Crise nos cuidados à velhice

Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo. No ano de 2021, 23,6% da sua população tinha mais de 65 anos de idade, o que torna urgente a adoção de políticas públicas eficazes a enfrentar o combate ao isolamento e solidão, bem como a diminuir a taxa de risco de pobreza deste grupo geracional, sendo que as mulheres se encontram entre as mais atingidas por este flagelo.

[Gráfico 52 : Pirâmide etária em Portugal, 2011 - 2021]

Em: INE, Estatísticas demográficas, 31 de março de 2023.

Portugal tem, no entanto, uma taxa de cobertura de respostas sociais para este grupo etário bastante reduzida: menos de 13% dos idosos têm acesso a apoio de profissionais, seja apoio domiciliário, seja apoio institucional (centros de dia e lares). A despesa pública em cuidados de longa duração é muito limitada: 0,4% do PIB, quando em países do norte da Europa, por exemplo, é dez vezes mais.

[Gráfico 53 : Acesso a cuidados pessoas idosas]

Apesar do crescimento, a rede de cuidados continuados não tem mais de 16,5 mil vagas, e apenas 2% da oferta é pública, sendo que em algumas tipologias, não há nenhuma resposta pública, mas sim uma parte comparticipada pelo Estado. Este número de vagas está muito aquém das necessidades. O tempo necessário para conseguir acesso, cria desespero em milhares de pessoas que se vêem sem solução para os seus familiares.

13.1.2. Crise nos cuidados à infância

A falta de creches a nível nacional é outro dos problemas estruturais do país há várias décadas. O facto de em 2021 o número de vagas nas creches existentes cobrir pouco mais de metade das crianças em idade de frequentá-las, demonstra a falta de prioridade que foi dada a este tema nas últimas décadas.O programa “Creche Feliz”,

que resultou de uma luta da esquerda por creches gratuitas, representa o início de uma alteração estrutural no nosso modelo de cuidados e é um bom exemplo de uma política transformadora de desfamiliarização. Contudo, apesar de ele ter passado a garantir um novo direito à gratuitidade da creche, através de vagas em creches do sector social e solidário, sector privado e, a partir de 2024, em, creches das autarquias locais, não foi capaz ainda de colmatar a insuficiência de vagas, tendo deixado sem vaga cerca de 120 mil crianças que estariam em condições de frequentar as creches.

[Gráfico 54 : evolução no nº de creches e taxa de cobertura]

Fonte: Carta Social, MTSS

13.1.3. Crise nos cuidados a pessoas com deficiência

As respostas existentes às pessoas com deficiência, para além de serem bastante insuficientes, são sobretudo numa óptica de institucionalização, ao invés da promoção da autonomia e da vida independente. O Serviço de Apoio Domiciliário e de Assistentes

Pessoais é onde o Estado tem investido menos, deixando estas pessoas sem alternativas à institucionalização, ou a cuidados informais.

[Gráfico 55 : evolução no nº de CACI e lar residencial e taxa de cobertura]

Fonte: Carta Social, MTSS

Precisamos de uma mudança paradigmática. Essa transformação no modo de organizar os cuidados em Portugal tem várias dimensões: culturais, laborais e económicas. E deve ser feita a vários tempos.

13.2 Mudança de paradigma

13.2.1. O Direito ao cuidado na Constituição - O Serviço Nacional de Cuidados como resposta pública a uma necessidade de todas as pessoas

O Bloco propõe que os cuidados sociais sejam assumidos como uma responsabilidade do Estado, única forma que garante que todas as pessoas têm o direito a serem cuidadas independentemente da sua condição económica ou social. Além disso, propomos que a política de cuidados do Estado português seja orientada pelos objetivos formulados pela Organização Internacional do Trabalho: “reconhecer, reduzir e redistribuir o trabalho de cuidados”, deixando de o imputar maioritariamente à família e operando uma transformação paradigmática através da sua consagração como direito a realizar pelo Estado.

Trata-se de um salto qualitativo na democratização dos cuidados, estendendo o Estado Social a uma nova área de políticas públicas.

O Bloco propõe a criação do Serviço Nacional de Cuidados, estruturado numa rede de estabelecimentos e serviços de acesso gratuito e universal, em todo o território nacional.

Este serviço deve começar a ser construído a partir da identificação das zonas com maior carência de resposta e da identificação de imóveis que sejam propriedade do Estado e que possam ser utilizados para respostas públicas nas seguintes tipologias:

  • rede pública de creches,

  • rede pública de centros de dia,

  • estruturas residenciais para pessoas idosas,

  • centros comunitários,

  • centros de atividades ocupacionais,

  • unidades de cuidados continuados,

  • equipas de cuidados paliativos.

Além disso, o Serviço Nacional de Cuidados deve ainda integrar a criação de mais resposta nas:

  • amas de creche familiar,

  • bolsa nacional de assistentes pessoais,

  • apoio domiciliário

Uma nova política pública deste tipo deve promover a articulação entre os serviços de saúde e da segurança social, nomeadamente integrando o apoio domiciliário com a

intervenção domiciliária das equipas de cuidados na comunidade existentes na rede de cuidados primários de saúde, e a articulação entre a segurança social e a educação, nomeadamente nas respostas à infância e na concretização da rede pública de creches. Deve também tutelar as respostas aos cuidadores e cuidadoras informais, concretizando todas as dimensões em falta no Estatuto dos Cuidadores Informais, designadamente o descanso ao cuidador, o apoio domiciliário, o acesso à rede de cuidados continuados e o acesso a licenças.

Este Serviço tem também como objetivo a promoção de um plano de desinstitucionalização, que passe pela construção e pelo financiamento de novas respostas assentes na autonomia das pessoas e na sua associação cooperativa: modelos de co-habitação e novos formatos de habitação pública com infraestruturas de cuidados (centros de convívio, lavandarias públicas, espaços para crianças, cozinhas partilhadas), uma bolsa nacional de apoio domiciliário (incluindo cuidados sociais de saúde, serviço doméstico e atividades culturais para pessoas dependentes) e uma bolsa nacional de assistentes pessoais (na linha do modelo da Vida Independente, que deve merecer um investimento robusto);

O Serviço Nacional de Cuidados deve prever a possibilidade de parcerias público- público, eliminando desde logo a impossibilidade legal de financiamento direto da Segurança Social a respostas sociais geridas pelos municípios e freguesias, como acontecerá em 2024 com as creches municipais, o que é um primeiro passo muito importante.

O Serviço Nacional de Cuidados pode paulatinamente internalizar algumas das funções e dos equipamentos que fazem atualmente parte da rede de instituições do setor social, como se fez aquando da criação do Serviço Nacional de Saúde, dando coerência e planeamento a uma rede pública em todo o território.

13.2.2. Mais tempo remunerado para cuidar

  • Licença para Cuidados à família pagos a 100% (15+15 dias)

O Bloco de Esquerda propõe que aos 15 dias de falta justificada por ano para assistência família (com majoração de mais 15 dias em caso de pessoa com deficiência ou doença crónica, que seja cônjuge ou viva em união de facto com o trabalhador), já previstos no art.º 252º do código de Trabalho, seja associada uma licença que remunere esses dias com 100% do valor da remuneração diária de referência líquida. Na linha da Diretiva Europeia, esta licença é ainda aplicável a qualquer pessoa que tenha o Estatuto do Cuidador Informal e que seja reconhecida como cuidadora informal não principal.

Mais tempo para os filhos

O Bloco de Esquerda propõe que, a par do direito a falta justificada e do subsídio para assistência a filho (já resultante do art.º 49.º do Código do Trabalho), seja criada uma nova licença, que garanta a todos os progenitores, de forma pessoal e intransmissível e insindicável, o direito a 5 dias por ano, remunerados, para a fruição e cuidado dos filhos até aos oito anos.

13.2.3. Outras propostas do Bloco:

  • Investimento na rede de serviços de proximidade e de cuidados domiciliários, como suporte de continuidade das pessoas nas suas casas e na comunidade;

  • Reformulação dos acordos de cooperação com o setor social para permitir a adaptação das respostas sociais às necessidades da população, designadamente através de alargamento de horários de funcionamento;

  • Inspeção regular das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (Lares) e dos Centros de Dia, tanto nas condições de segurança como na garantia da qualidade dos cuidados prestados e adequação de funções dos e das profissionais que lá trabalham;

  • Exigência de contrapartidas laborais nos acordos de cooperação com IPSS, designadamente a progressiva uniformização das tabelas salariais entre setor social e as mesmas categorias no setor público, a existência de contratos estáveis e o não recurso a falsos recibos verdes por parte das instituições com as quais o Estado celebra acordos de cooperação;

  • Exigência de que seja alargado a todo o território nacional e aplicado integralmente o Estatuto dos Cuidadores e Cuidadoras Informais, reconhecendo o seu trabalho na prestação de cuidados;

  • Prioridade ao policiamento de proximidade que, em articulação com as autarquias locais, USF ou Centros de Saúde, permitam a sinalização de séniores em risco, seja de violência, seja de solidão, seja de pobreza extrema;

  • Criação de um Sistema de Telecuidado público articulado com o SNS;

  • Criação de unidades locais de reabilitação e suporte a pessoas com doenças degenerativas em todas as freguesias ou por uniões de freguesia.

14. Justiça

O acesso à justiça é um dos principais problemas em Portugal. A morosidade e as custas judiciais são obstáculos que fazem com que exista, de facto, uma justiça para ricos e outra para pobres.

Nada disto se alterou com a maioria absoluta do PS. Pelo contrário, a desvalorização dos oficiais de justiça ou a recusa de propostas para eliminar custas judiciais ou alargar o apoio judiciário apenas perpetuam a injustiça.

O Bloco propõe um novo paradigma: um Serviço Nacional de Justiça assente nos princípios da gratuitidade no acesso, da proximidade dos serviços de justiça e dignificação dos seus profissionais.

14.1. Um Serviço Nacional de Justiça

O acesso ao direito, aos tribunais e à justiça deve ser garantido universal e não pode ser negado a ninguém por insuficiência económica. Infelizmente é isso que acontece. A morosidade dos tribunais e o elevado valor das custas judiciais criou, de facto, uma justiça para ricos e uma justiça para pobres.

A governação do PS na área da Justiça demonstrou uma inequívoca falta de vontade política para alterar este cenário. Bastando-se com anúncios de modernização tecnológica e de negociação com os profissionais do setor que não passaram disso mesmo, a política do governo falhou no essencial: na correção de um sistema de Justiça que dificulta a defesa dos direitos das pessoas com mais baixos rendimentos e que não trata condignamente os seus profissionais.

O PS, tal como a Direita, não vê o acesso universal à justiça como um direito básico num Estado de Direito democrático nem como uma prioridade, mas sim como um serviço caro e que deve ser pago. A degradação de infraestruturas, o desrespeito pela dignidade profissional de quem trabalha na justiça, desde os tribunais às conservatórias, dos estabelecimentos prisionais à reinserção social e às forças de segurança, e, em geral, a uma inaceitável seletividade material da Justiça são um legado crítico da governação do PS.

Esta degradação estende-se às condições do sistema penitenciário. Confrontado com uma taxa de encarceramento e uma duração média das penas de prisão muito acima das médias europeias, o governo não conseguiu qualificar o parque prisional, nem conferir centralidade à reinserção social, deixando na gaveta o relatório por si mesmo elaborado com uma programação de intervenções e de reforço dos quadros de profissionais para a década 2017-2027.

É preciso traduzir também na Justiça a centralidade que os serviços públicos têm no nosso modelo constitucional de democracia.

As propostas do Bloco para um acesso universal à Justiça:

  • Elaboração de uma Lei de Bases da Justiça que consagre um Serviço Nacional de Justiça assente nos princípios da gratuitidade no acesso, da proximidade dos serviços de justiça, orientação do sistema de execução de penas pelo primado dos direitos humanos e da ressocialização, e dignificação das carreiras dos/as profissionais do sistema de Justiça;

  • Redução generalizada das taxas e custas processuais, nomeadamente, isenção de custas em ações por acidente de trabalho, fim das custas de parte em processos de trabalho, alargamento da capacidade jurídica das comissões de trabalhadores em empresas com mais de 250 trabalhadores, incluindo isenção de custas para defesa dos interesses individuais e coletivos dos trabalhadores;

  • Alargamento dos critérios para a atribuição de apoio judiciário para que todas e todos os cidadãos possam ter acesso à justiça;

  • Dignificação do sistema de execução de penas, criando condições para que a reinserção social deixe de ser desvalorizada e retomando a dinâmica interrompida de aplicação de penas alternativas à de prisão para a pequena criminalidade; requalificando o parque penitenciário e procedendo à contratação dos profissionais necessários, nos termos assumidos no Relatório “Olhar o futuro para guiar a ação presente – 2017 - 2027”; pondo fim ao entendimento das prisões como offshores de legalidade, fazendo cumprir direitos tão básicos como o apoio jurídico aos reclusos, a instalação em celas individuais dignas ou a saúde em todas as suas valências;

  • Criação de um julgado de paz por município, ou por agrupamento de municípios, cuja população seja igual ou superior a 50 mil habitantes.

Propostas relativas aos profissionais da área da justiça:

  • Revisão da tabela de honorários dos/as profissionais afetos/as ao sistema de acesso ao direito e aos tribunais. O Bloco de Esquerda bater-se-á pela urgente adoção de uma nova tabela de honorários dos/as advogados/as pelos serviços prestados no âmbito do sistema de acesso ao Direito e aos tribunais, sustentada numa nova base de cálculo e alterando os montantes devidos pelos diferentes atos processuais praticados nesse contexto;

  • Integração da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores na Segurança Social. Milhares de advogados e advogadas continuam sem proteção social, o que, aliás, ficou bem patente durante a pandemia. O Bloco de Esquerda continuará a bater-se para que a CPAS seja integrada na Segurança Social, com a garantia de que quem descontou durante toda uma vida para a CPAS não é prejudicado;

  • Recusa das restrições impostas pela Ordem dos Advogados no acesso à profissão. A decisão da Ordem de fazer depender o acesso à profissão de advogado do grau de mestre revela uma orientação restritiva que, sendo errada em si mesma, é agravada pela evidente carga de discriminação socioeconómica que envolve. O Bloco de Esquerda continuará a opor-se, como já o fez, a esta medida;

  • Respeito pelos direitos dos oficiais de justiça, através de uma revisão do respetivo Estatuto que sirva à justiça e aos seus profissionais, nomeadamente que preveja a inclusão do suplemento de recuperação processual nos 14 meses de vencimento, com efeitos a 1 de janeiro de 2021; a abertura de concursos para acesso a todas as categorias; o preenchimento integral dos lugares vagos e da regulamentação do acesso ao regime de pré-aposentação;

  • Dotação do Instituto de Registos e Notariado dos meios humanos indispensáveis para a garantia de um serviço público de qualidade. Para isso é necessário:

    • Abertura de recrutamentos externos adequados às reais carências de pessoal nos serviços;
    • Revisão do sistema remuneratório;
    • Regulamentação em falta dos prémios de desempenho e produtividade;
    • Atualização urgente dos meios técnicos afetos a este serviço;
  • Recrutamento e revisão das carreiras técnicas da DGRSP. As funções exercidas por técnicos profissionais de reinserção social, técnicos superiores de reinserção social e técnicos superiores de reeducação assumem uma importância fundamental para a prevenção da criminalidade e integração social de adultos e jovens. Para além da falta crónica de recursos humanos - não colmatada com as insuficientes vagas abertas em concursos recentes - verifica-se que, apesar da missão em causa e da especificidade das funções inerentes, até hoje a carreira profissional não foi revista nem regulamentada como carreira especial no âmbito da Administração Pública, embora a lei assim o imponha. Como tal, o Bloco propõe:

    • Abertura de concursos que supram de forma efetiva as necessidades atuais dos serviços;
    • Revisão da carreira e que deve ser criada a carreira especial única de Técnico de Reinserção, em conjunto com as organizações representativas dos trabalhadores, garantindo a valorização e progressão das carreiras;
  • Recrutamento e revisão das carreiras e das tabelas remuneratórias dos órgãos de Polícia Criminal, ouvindo os sindicatos e associações profissionais e garantindo uma efetiva melhoria das condições laborais destes profissionais.

14.2. Infância e Juventude

Adoção Na legislatura passada o Bloco de Esquerda conseguiu reverter uma injustiça histórica no que respeita à adoção, alargando a idade máxima até a qual os jovens podiam ser adotados dos 15 para os 18 anos. Este foi um passo necessário e justo. Porém, outras medidas são necessárias para operacionalizar esta alteração e para que, de facto, possa desfazer preconceitos, remover obstáculos e importar mudanças significativas nas vidas das crianças e jovens confiados para a adoção.

De acordo com o relatório CASA de 2022, cerca de 70% das crianças e jovens em situação de acolhimento têm mais de 12 anos de idade. Do número total de crianças e jovens em acolhimento, 84% estão em casas de acolhimento, seguindo-se 3,6% em famílias de acolhimento.

Significa que, quer da parte das famílias de acolhimento, quer da parte dos candidatos a adoção há uma menor disponibilidade para acolher e adotar crianças mais velhas. Sendo certo que a adoção de crianças destas faixas etárias se reveste de características próprias e requer desafios específicos, também é certo que alterar esta realidade depende, em grande medida, da mudança de mentalidades e da capacitação das famílias de acolhimento e dos candidatos a adoção para o acolhimento e adoção de crianças mais velhas. É imperativo que se reduza o número de crianças institucionalizadas, quer aumentando a integração em famílias de acolhimento, quer promovendo a adoção de crianças mais velhas.

As propostas do Bloco:

  • Campanhas de sensibilização para a adoção e acolhimento de crianças mais velhas

  • Formação multidisciplinar das famílias de acolhimento e dos candidatos a adoção com vista à sensibilização e capacitação para o acolhimento e adoção de crianças mais velhas, devendo ser integrada nos Planos de Formação para Adoção e na Formação inicial e contínua das Famílias de Acolhimento,

  • Divulgação do acompanhamento prestado pelo Estado a adotantes e adotados durante e após o processo de adoção.

Acolhimento de crianças e jovens em risco Em 2022, deram entrada no sistema de acolhimento 2.228 crianças e jovens, o que representa um crescimento de 19% relativamente às entradas registadas em 2021. Nas situações de perigo que levaram a estes acolhimentos, surgem os vários tipos de negligência com 71,5%, como falta de supervisão e acompanhamento familiar, maus tratos psicológicos e exposição a violência doméstica.

Por outro lado, verificou-se que, nesse ano, reentraram no sistema 165 crianças e jovens. Este valor corresponde a um crescimento de 42% em comparação com o ano anterior. A reentrada no sistema de acolhimento ocorreu de forma mais expressiva em jovens com 15 e mais anos (45%). Significa isto que o Estado, o sistema de acolhimento e o sistema de promoção e proteção estão a falhar a estas crianças e jovens.

As propostas do Bloco:

  • Revisão do sistema de acolhimento de crianças e jovens e do sistema de promoção e proteção de crianças e jovens.

  • Desenvolvimento de programas de formação para crianças e jovens em situação de acolhimento com vista a capacitá-las para a vida independente, a autonomia e a integração social.

  • Desenvolvimento de programas de formação inicial e contínua especializada para técnicos e educadores de casas de acolhimento, nomeadamente em temas como trauma, vinculação, desenvolvimento infantojuvenil, promoção da autonomia, qualidade do acolhimento, educação para a sexualidade, promoção de competências de parentalidade.

  • Reforço do financiamento para contratação de forma adequada e suficiente de técnicos e educadores para casas de acolhimento.

Provedor da criança Uma conceção moderna dos direitos das crianças e das suas especificidades reclama mais do que um mero enquadramento nos direitos humanos em geral, desde logo porque há determinados direitos que se aplicam de forma exclusiva às crianças.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança prescrevem que as crianças têm o direito de participar nos processos de tomada de decisão que possam ser relevantes nas suas vidas e de influenciar as decisões tomadas a seu respeito - na família, na escola ou na comunidade. Para que as crianças possam exercer estes direitos de forma efetiva, é necessário que exista quem lhes dê voz, um representante, um defensor.

No plano internacional, constata-se que Portugal é dos poucos países europeus que não instituiu a figura do Provedor da Criança, sendo que a Rede Europeia de Provedores da Criança conta com a participação de 34 países Estados-Membros do Conselho da Europa.

As propostas do Bloco:

  • A criação da figura do Provedor da Criança, um órgão singular, dotado de autonomia administrativa, que prossegue as suas funções de forma isenta, autónoma e imparcial e que tem por missão a promoção e a plena aplicação da convenção sobre os Direitos da Criança, a defesa dos direitos, interesses e bem-estar das Crianças e Jovens, a sensibilização das crianças e dos adultos para os direitos humanos das crianças, bem como o reforço da participação das crianças nas decisões e nas políticas que lhes digam respeito. O Provedor da Criança acompanhará a atuação dos poderes públicos e em colaboração com o Provedor de Justiça, os organismos da Administração Pública, associações, instituições ou outras entidades cujo objeto seja a promoção dos direitos das crianças.

Prevenção dos Maus Tratos a crianças e jovens A violência contra crianças e jovens é um fenómeno reconhecido como sendo um problema de saúde pública que afeta milhões de crianças em todo o mundo, e que pode assumir diversas formas, como o abuso físico, a negligência, o abuso emocional ou o abuso sexual. O reconhecimento público de que esta realidade constitui uma violação dos mais elementares direitos e necessidades de crianças e jovens, que compromete a sua segurança, dignidade e desenvolvimento pleno, é um passo importante e que tem sido acompanhado pelo nosso ordenamento jurídico. No entanto, o certo é que a violência contra crianças tem persistido em Portugal com números verdadeiramente alarmantes.

Tabela 10

No ano de 2022, as CPCJ movimentaram 78.173 Processos de Promoção e Proteção, mais 6,7% em comparação com o ano anterior.

[Gráfico 56 : Evolução do número de Processos de Promoção e Proteção]

O Bloco de Esquerda entende que o sistema de promoção e proteção de crianças e jovens deve enfatizar não apenas a proteção das crianças e jovens, mas também apostar na prevenção e na promoção dos direitos das crianças.

As propostas do Bloco:

  • A criação do Programa Nacional para a Prevenção dos Maus Tratos na Infância com enfoque na prevenção da violência contra crianças e jovens e na promoção dos direitos das crianças, e que permita que se possa prevenir, sinalizar e intervir de forma precoce mediante uma melhor articulação entre os vários organismos públicos que atuam nesta área, as escolas, as polícias, os hospitais e centros de saúde e a sociedade civil.

  • Campanhas de informação e sensibilização contra os maus-tratos e abusos de crianças e jovens e de divulgação dos direitos das crianças.

  • O desenvolvimento de programas de luta contra a pobreza infantil, de apoio às crianças e às suas famílias.

  • O desenvolvimento de programas de formação dos profissionais que lidam com as crianças para a deteção precoce dos maus tratos e de promoção de competências parentais.

  • Realização de campanhas de sensibilização pública acerca dos direitos das crianças e jovens, alertando para os perigos e efeitos dos maus-tratos e dos abusos contra as crianças, bem como de incentivo às denúncias.

  • Criação de uma base de dados única que agregue os dados relativos à violência contra crianças e jovens provenientes das diversas fontes (CPCJ, OPC, ONG, Tribunais, Sistema de Saúde).

  • A constituição, formação e treino de equipas especializadas, de proximidade e em número suficiente para que, no terreno, de forma continuada, possa ser feito o acompanhamento e desenvolvimento de formações junto das crianças e das famílias em prevenção da violência contra crianças e jovens.

Na jurisdição de família e menores: A jurisdição de família e menores apresenta especificidades e trata de matérias sensíveis, tecnicamente complexas e que contendem com os mais basilares direitos humanos. Nela se decidem questões que impactam no âmago das vidas de crianças, jovens e famílias, pelo que deve ter ao seu alcance os meios necessários à boa execução da justiça, nomeadamente condições humanas, técnicas e processuais.

As propostas do Bloco:

  • Criação de um corpo de peritos (pediatras, psicólogos, psiquiatras, técnicos de serviço social) nos quadros permanentes dos tribunais de família;

  • Formação específica dos magistrados;

  • Revisão dos trâmites dos processos penais que envolvam menores, no sentido de evitar repetição de atos em sede cível (que penalizam duplamente as vítimas obrigadas a reviver as situações);

  • Criação de secções da família e da criança nos tribunais superiores.

15. Cultura

A Cultura continua a merecer menos de 0,2% do PIB e os profissionais da cultura continuam na mais absoluta precariedade. Sobre isto, o ministro da maioria absoluta do PS só teve a dizer que a precariedade não era um “mal absoluto” e que “não era desejável” acabar com ela.

Perante tais palavras, a única coisa que se pode dizer é que para defender a cultura é mesmo preciso mudar de governo.

Contratos para os profissionais, estabilidade para criar e um orçamento de pelo menos 1% do PIB: essas são algumas das prioridades do Bloco.

A política pública para a Cultura tem a responsabilidade de promover a criação e fruição culturais de toda a população e de contribuir para o rompimento da padronização e mercadorização da cultura. Assim, ao Estado cabe garantir os recursos para preservar, estudar e divulgar o património comum, para promover a criação artística, para sustentar redes de equipamentos que garantam o acesso à cultura e divulguem as artes em todo o território. Só assim se combate a concentração dos meios de produção culturais que, pelo seu poder simbólico, além do económico, precisam de ser democratizados.

As condições de trabalho nos setores da cultura são um elemento central da política cultural. Nos anos da pandemia, assistimos a uma tomada de consciência e uma capacidade de organização coletiva do setor sem precedentes. Como nunca antes, juntaram-se pessoas na luta contra as mesmas dificuldades: baixos salários, falso trabalho independente, falso outsourcing, abuso de direitos laborais e ausência de proteção social. Foi esta mobilização que fez a pressão necessária para a criação do Estatuto dos Profissionais da Cultura, cuja definição têm sido o campo da disputa da dignidade do trabalho no setor.

Contudo, e depois de um início de vigência da lei conturbado, 2023 terminou sem que o governo fizesse a necessária revisão do Estatuto. Uma revisão que estava prevista para o final dos primeiros dois anos de vigência da lei e para a qual o governo tinha todas as condições necessárias. O PS preferiu nem sequer encetar debate sobre o que é necessário corrigir na lei, para que esta possa, efetivamente, levar à melhoria das condições de trabalho e da proteção social de centenas de milhares de trabalhadores dos setores da cultura.

Faltam mecanismos de imposição do cumprimento da legislação laboral, de promoção do contrato de trabalho e combate aos falsos recibos verdes, e um regime de proteção no desemprego que enquadre todas as pessoas e tenha regras mais simples, justas e adequadas às especificidades de todos os tipos de trabalho na cultura. Nomeadamente, o regime especial deve abranger todas as pessoas que trabalham na área da cultura e não apenas uma parte, deve ser repensado o seu caráter facultativo e devem ser sempre englobadas todas as contribuições à segurança social para o apuramento das proteções. Além da urgente revisão desta lei, é necessária a imposição de mais instrumentos de combate à precariedade nas grandes instituições culturais públicas ou com financiamento público. Não é admissível que museus ou teatros nacionais não cumpram a legislação laboral, nomeadamente recorrendo a falso outsoursing ou recibos verdes, como acontece com assistentes de sala e outros profissionais fundamentais.

A proteção social que o governo definiu no Estatuto dos Profissionais da Cultura fica muito aquém das expectativas e das necessidades. Ao contrário do prometido, o novo apoio no desemprego exclui uma parte importante dos trabalhadores e não responde à condição intermitente.

A desregulação laboral e a desproteção social dos trabalhadores é um dos problemas estruturais do setor cultural, mas não o único. Neste século assistiu-se a uma estagnação nas políticas públicas para a Cultura, tanto orçamental como teórica, com as suas atividades nucleares - património, arqueologia e artes - convertidas em adereço promocional da iniciativa turística e imobiliária.

Faltaram políticas públicas de democratização ao acesso à cultura, do património à criação artística, e agravou-se a mercantilização e concentração da produção, edição e distribuição (controlo do mercado livreiro pelas grandes editoras, salas de cinema sob monopólio da NOS, ausência de salas públicas com dimensão e características técnicas para concertos).

O extenso património português classificado pela UNESCO como Património Cultural Mundial, seja material ou imaterial, está sem a devida monitorização e o Ministério da Cultura não desenvolveu planos específicos para a sua preservação. No Programa Revive, o Ministério da Cultura assumiu-se como sucursal do Ministério da Economia para a política turística, fazendo letra morta da Lei de Bases do Património Cultural, abdicando de garantias de acesso ao património classificado agora concessionado. A exceção foi o lançamento do Museu Nacional Resistência e Liberdade, no Forte de Peniche, que, em 2017, foi salvo pela indignação pública do projeto de transformação em unidade hoteleira. A atualização de sistemas de inventário e arquivo, a promoção da investigação ou o trabalho em rede dos equipamentos culturais foram pura e simplesmente esquecidos.

Nos últimos oito anos, os únicos avanços na democratização cultural do país foram alcançados por proposta do Bloco de Esquerda e no período 2015-2019: aumento da oferta em sinal aberto da Televisão Digital Terrestre, redução do IVA para espetáculos e criação da Rede de Teatros e Cineteatros. Esta rede, uma proposta em que o Bloco de Esquerda insistiu durante mais de uma década, começa agora a fazer caminho. Em 2023, foi também por proposta do Bloco, que se garantiu a quota de 30% de música portuguesa nas rádios e outros serviços de programas de radiodifusão sonora.

No pós-pandemia, a reabertura de espaços ou o fim das limitações que foram impostas a atividades culturais, por si só, não resolvem os problemas que a pandemia tornou mais visíveis. A desregulação laboral e a desvalorização das profissões do setor mantêm-se e a fragilidade económica das instituições agravou-se. À precariedade e subfinanciamento crónicos, juntou-se a pressão imobiliária que tem vindo a determinar o encerramento de muitos espaços culturais. Uma nova política de rendas, também para o setor da cultura, é um dos passos fundamentais para garantir espaços culturais e diversidade de oferta em todo o território. Esse caminho, deve ser feito juntamente com os municípios, que são os principais investidores na cultura. O caminho de articulação entre Estado central e autarquias, de que a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses é exemplo, deve ser aprofundado. Mais equipamentos devem ser dotados com os meios necessários para se tornarem polos culturais de portas abertas, que além de uma oferta cultural diversificada, funcionem como centros de recursos culturais para usufruto das populações (com ateliês, estúdios, salas, formação artística, etc.) No património assinalamos duas decisões importantes: a recuperação de uma tutela autónoma para os museus e monumentos e o investimento, via PRR, na recuperação de património. Estas decisões, contudo, não escondem a precariedade estrutural que se mantém. Falta regulamentação, falta recuperar a autonomia de cada instituição, falta preencher os quadros de pessoal, falta a garantia de financiamento para o funcionamento e trabalho quotidiano na área do património. Falta estratégia e falta compromisso.

1% para a Cultura!

A promessa do PS de investir 2% da despesa em Cultura rapidamente se revelou um logro. O investimento do Orçamento do Estado, excluindo RTP, fica-se pelos 0,19% do PIB, valor muito abaixo do recomendado pela UNESCO. O Bloco mantém o compromisso e exigência de 1% do PIB para a Cultura. Esta meta não impõe um valor absoluto de investimento, mas a escolha sobre a distribuição da riqueza do país.

[Gráfico 57 : Orçamento para a Cultura em % PIB (excluindo RTP)]

Fonte: Orçamentos do Estado

O Ministério da Cultura limitou-se à gestão corrente de recursos mínimos, cujas cativações impediram que as pequenas melhorias aprovadas em sucessivos orçamentos vissem a luz do dia. As alterações testadas ficam muito aquém das necessidades e a política cultural mantém-se subalternizada face a outras agendas.

O Bloco de Esquerda avança com um programa para romper com a precariedade do setor e dar centralidade ao direito constitucional de acesso à Cultura:

As propostas do Bloco:

  • Alteração do Estatuto dos Profissionais da Cultura, com medidas concretas para a promoção de contratos dos trabalho e combate à precariedade - em especial ao falso trabalho autónomo - , mais apoio à reconversão nas profissões de desgaste rápido e universalização do acesso à proteção social na intermitência;

  • Programa de combate ao trabalho informal, com responsabilização das entidades patronais e possibilidade de reconstituição de carreiras contributivas;

  • Vinculação dos trabalhadores precários dos organismos públicos e autonomia de contratação das instituições públicas para preenchimento dos lugares de quadro vazios;

  • Garantia do cumprimento da legislação laboral, nomeadamente a celebração de contratos de trabalho, nos protocolos e programas de financiamento público a instituições e projetos culturais;

  • Garantir a atribuição, pela segurança social, em tempo útil, do subsídio por suspensão da atividade cultural;

  • Criação de uma plataforma online com recursos e materiais úteis aos trabalhadores da cultura, como legislação laboral, informação sobre proteção social e fiscalidade, minutas de contratos, documentos de boas práticas e contactos úteis;

  • Programa excepcional de recuperação do tecido cultural com apoio à retoma de atividade de micro e pequenas empresas e de associações, agentes e produtores, salas de espetáculos e outros espaços culturais de pequena dimensão, incluindo apoios à renda;

  • Inscrição no Orçamento do Estado a dotação de 1% do PIB para a Cultura;

  • Criação de uma Lei de Bases da Cultura que redefina o papel do Estado na democratização e universalização dos serviços públicos de Cultura, reorganizando legislação e reativando e redes existentes, como a Lei Quadro dos Museus Portugueses, a Lei de Bases do Património Cultural, a Rede Nacional de Bibliotecas e a Rede de Teatros e Cineteatros;

  • Reativação do Observatório das Atividades Culturais como organismo do Ministério da Cultura e redefinição do Conselho Nacional de Cultura como local de pensamento estratégico das políticas públicas de cultura, nomeadamente garantindo a autonomia da secção de património e extinguindo a secção de tauromaquia;

  • Financiamento plurianual dos equipamentos públicos (museus, teatros nacionais, biblioteca e arquivo nacionais), das orquestras regionais e das entidades privadas que contratualizam serviço público com o Estado; concursos, protocolos e financiamento em prazos compatíveis com a programação; transparência e simplificação dos respetivos procedimentos;

  • Regulamentação das alterações na tutela do património e efetivar a aplicação da Lei da Autonomia e Monumentos;

  • Recuperação dos laboratórios de conservação e restauro, dotando-os dos meios necessários e salvaguardando o saber acumulado durante décadas nesta área.

  • Definição de estratégias diferenciadas para os usos de interesse público do Património;

  • Promoção dos Arquivos Nacionais, com garantias de autonomia, meios adequados e política de novas incorporações para a Torre do Tombo e para o Arquivo Nacional das Imagens em Movimento e com a concretização do Arquivo do Som;

  • Programa de salvamento e valorização de arquivos e inventários do Património Cultural Português material e imaterial;

  • Criação de um Observatório de Monitorização do património português classificado como Cultural da Humanidade, composta maioritariamente por entidades não governamentais;

  • Identificação, classificação e promoção dos sítios representativos do Património Cultural Imaterial da Humanidade, incluindo linhas de apoio a artesãos, casas de fado, sedes da prática coletiva do cante alentejano e outras coletividades que mantêm vivo o património imaterial classificado;

  • Reforço dos meios da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas e da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares e das bibliotecas de investigação (Biblioteca Nacional, Biblioteca da Ajuda, Biblioteca da Academia das Ciências, entre outras), garantindo quadros de pessoal e políticas de aquisições e sensibilização de públicos adequados à sua missão;

  • Revisão da Lei do Preço Fixo do Livro, combatendo a concentração do mercado livreiro e promovendo mecanismos de apoio a livrarias e editoras independentes;

  • Definição da missão do Fundo de Fomento Cultural e estabelecimento de mecanismo de transparência nos protocolos com as fundações financiadas (Serralves, Casa da Música, Museu Berardo, entre outras);

  • Aumento significativo e diversificação do financiamento à criação artística e aos projetos de difusão da criação artística, considerando redes de programação e áreas que têm sido marginalizadas nos programas de financiamento (literatura, música e artes plásticas, entre outras); novas linhas de financiamento (artistas jovens, projetos artísticos nas escolas, entre outras); mecanismos de coesão territorial na distribuição do financiamento;

  • Aumento progressivo da linha de financiamento à programação dos equipamentos da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses e criação de outras linhas de financiamento associadas à RTCP, para formação profissional, aquisição de equipamentos, medidas de sustentabilidade energética, entre outras.

  • No cinema e audiovisual, a par com o reforço do financiamento, combate ao monopólio na distribuição, criando uma entidade pública de distribuição que permita estruturar o acesso de cineteatros públicos e cineclubes à produção cinematográfica nacional e internacional;

  • Criação de novas obrigações para operadoras e distribuidoras cujo modelo de negócio assenta nos conteúdos culturais, incluindo quotas para a produção musical e audiovisual portuguesa independente, fim da taxa da cópia privada, promoção da organização coletiva dos direitos dos autores, artistas e intérpretes, sem prejuízo da decisão individual sobre a disponibilização das suas obras;

  • Imposição de mecanismos de justa retribuição aos autores, artistas e intérpretes na transposição das directivas relativas a direitos de autor e direitos conexos em streaming e no Mercado Único Digital;

  • Assunção da RTP como parceiro privilegiado da cultura, com reforço dos meios e obrigações da rádio e televisão públicas na produção e difusão culturais. Articulação entre o Arquivo da RTP e a Cinemateca/ANIM para o acesso dos criadores aos arquivos e para a criação de um arquivo de som e imagem da produção artística;

  • Promoção da presença das artes na vida pública e na Escola, defesa do ensino e práticas artísticas, promoção da literacia da leitura e outras, incluindo a literacia para a imagem e novos media, reforço de políticas culturais de proximidade através de contratos locais de parceria entre equipamentos culturais, sociais, escolas e outros;

  • Promoção da produção e fruição da cultura: presença de produção nacional na web, com disponibilização gratuita de todas as obras nacionais em domínio público, descriminalização da partilha não comercial, programa estratégico para arquivos, definição de critérios de coleção, preservação, documentação, digitalização e acesso público;

  • Criação de um plano de visibilização, fomento e mediação dirigido a manifestações culturais de comunidades minoritárias;

  • Garantia do acesso pleno a pessoas com diversidade funcional a equipamentos culturais, apoio à interpretação em língua gestual portuguesa nos espetáculos ao vivo e à produção de versões em braille ou em áudio dos materiais impressos;

  • Política de preços que garanta o direito de acesso aos equipamentos culturais: programas de acesso livre para estudantes, desempregados e reformados, bilhetes de família a preços acessíveis e dias de acesso gratuito.

16. Desporto

Em Portugal, o investimento público em desporto ronda os 50 euros por habitante, muito abaixo da média da europeia, que se situa nos 108 euros por habitante. A contínua falta de aposta nesta área, perpetuada pela maioria absoluta do PS, põe em causa a sobrevivência de muitas modalidades e o desporto que não de competição.

Investir e desenvolver o desporto, nas suas várias modalidades e facetas, combater a violência e garantir que adeptos e clubes têm sempre maioria das sociedades desportivas são algumas das propostas do Bloco de Esquerda.

Desporto: motor de desenvolvimento e inclusão social

O direito à atividade desportiva consta da Constituição da República Portuguesa e, por isso, apresenta-se como um dos pilares das obrigações do Estado para com os cidadãos e cidadãs. O desporto é um instrumento de inclusão social e só pode ser olhado como um serviço que o Estado, através de vertentes diferentes – sistema educativo, movimento associativo de base, alta competição, lazer – deve proporcionar a todas as pessoas, independentemente da sua idade, condição social, territorial, económica.

O papel deste setor na coesão territorial e no combate ao abandono das zonas de baixa densidade populacional é indiscutível. A par disso, os escalões de formação têm desempenhado uma função de combate ao abandono escolar, pedagogia de trabalho em grupo, desenvolvimento físico saudável e fortalecimento da saúde mental. Os impactos positivos nas políticas públicas e no bem-estar da população são evidentes e não podem, principalmente num momento de crise, ser escamoteados.

A par das matérias orçamentais, o Bloco reafirma o seu compromisso para a busca de respostas fortes no combate a todas as manifestações de violência e ódio patentes nos espetáculos desportivos, tal como está apostado em defender os direitos laborais de todos os atletas e agentes sociais envolvidos. O papel inclusivo e de promoção da igualdade no Desporto deve ser encarado como um objetivo social e uma regra para o seu funcionamento.

Propostas:

  • Capacitação do Desporto Escolar e dos seus Docentes, através do aumento da dotação para o programa, modernização dos espaços de atividade física nas escolas públicas e apoios aos docentes de Educação Física responsáveis pelo programa;

  • Criação de uma figura jurídica protocolar intitulada “Mais Desporto, Melhor Escola”, a celebrar entre instituições de ensino e clubes, de forma a reconhecer a importância do desporto em meio escolar bem como o trabalho realizado pelos professores de educação física e pelos clubes onde muitos estudantes treinam. O protocolo poderá abordar, entre outros temas, a otimização horária entre os treinos e as aulas.

  • Inclusão do Conselho Nacional de Associações de Profissionais de Educação Física e Desporto e da Sociedade Portuguesa de Educação Física no Conselho Nacional do Desporto, por outro lado, de forma a reforçar do papel da disciplina de Educação Física e dos seus docentes no universo do debate das políticas públicas para o setor;

  • Combate à violência no desporto, apostando numa metodologia de corresponsabilização dos clubes desportivos e das respetivas SAD em relação ao fenómeno em causa, criando um regime de transparência entre grupos organizados de adeptos e os respetivos clubes, e ainda reforçando do ponto de vista orçamental e de pessoal o Instituto Português do Desporto e da Juventude e as autoridades competentes na matéria;

  • Aumento gradual do rendimento dos atletas olímpicos e paralímpicos e plano de apoio para deslocações a competições por parte de atletas de alta competição;

  • 1% para o Desporto - Programa de reforço orçamental das políticas públicas desportivas, onde se inclui: mais apoios financeiros e materiais a federações com menos recursos; reabilitação e criação de estruturas desportivas para usufruto da comunidade, junto de populações e de clubes com menos capacidade financeira; apoio a atletas;

  • Desenvolvimento de infraestruturas, programas de literacia, apoio a competições locais e ao desporto amador, nomeadamente em outras modalidades além do futebol;

  • Alteração no regime legal que consagra a existência e o funcionamento das sociedades desportivas, criando uma nova regra: “50+1” - garantindo que os clubes e os seus associados detêm, obrigatoriamente, 51% das ações da sociedade desportiva (direitos económicos e desportivos).

17. Comunidades Portuguesas no Estrangeiro

A relação do Estado com a comunidade portuguesa no estrangeiro tem sido desastrosa. Os tempos de espera enormes nos consulados e a propina que afasta jovens do ensino doportuguês são exemplos disso. Mais recentemente, o Governo mostrou como considera as e os portugueses no estrangeiro como cidadãos de segunda, ao propor que passem a utentes inativos sem acesso a equipa de saúde familiar.

Estreitar a relação com as e os portugueses no estrangeiro são prioridade para o Bloco, reforçando o número de consulados, garantindo a gratuidade do ensino do português e revogando as infames alterações ao registo nacional de utentes.

A redução drástica do número de consulados e dos seus recursos deixou abandonadas as pessoas que emigraram de Portugal. A isto juntou-se a deterioração das condições de trabalho e das remunerações dos trabalhadores de consulados e embaixadas. A situação tornou-se tão grave que alguns trabalhadores consulares tiveram de recorrer a apoios sociais para fazer face à deterioração do poder de compra; noutros casos tornou-se impossível contratar pessoas.

Assim, ao longo dos anos, seja de governos PSD/CDS, seja de governos PS, os consulados perderam qualquer capacidade de agência económica ou cultural e não respondem sequer às mais básicas formalidades administrativas. Os seus trabalhadores sofrem a pressão de afluxo de solicitações a que não conseguem responder e que não foram – e em muitos casos, nem podem ser – resolvidas pela digitalização dos serviços.

Tornaram-se recorrentes e continuam a surgir notícias de emigrantes portugueses que esperam meses por documentos fundamentais como passaporte e Cartão de Cidadão ou por resposta em processos da segurança social.

Face à manifesta falta de profissionais e capacidade de resposta dos consulados portugueses, os governos optaram por externalizar serviços como o tratamento dos pedidos de vistos. Em 2022 Portugal tinha externalizado este serviço em 21 países e, em 18 destes, o serviço tinha sido adjudicado sempre à mesma multinacional, a VFS Global.

O ensino da língua portuguesa a crianças de segunda geração também sofreu limitações: foi reduzido em termos territoriais e passou a ser pago através da chamada "propina". A introdução da propina fez cair para metade o número de crianças que frequentam este ensino. Enquanto o Ensino de Português no Estrangeiro definha, os docentes estão abandonados à sua sorte e em vias de extinção com salários desajustados à realidade dos países em que exercem atividade.

O Bloco tem proposto a reversão desta propina (criada no tempo da troika e mantida pelo PS) e a gratuitidade dos manuais escolares. Propomos também a melhoria da qualidade de ensino, evitando agrupar alunos de 3 e 4 níveis de escolaridade dentro de uma única turma.

Apesar de iniciativas bem sucedidas do Bloco de Esquerda na criação do recenseamento eleitoral automático na área de residência do emigrante e da gratuitidade do voto, a participação eleitoral é reduzida e complicada.

Registo Nacional de Utentes: Emigrantes não são cidadãs e cidadãos de segunda

Também no acesso à saúde os emigrantes portugueses têm sido tratados como cidadãos de segunda: as alterações ao Registo Nacional do Utente (RNU) que entraram em vigor no início de 2023 implicam que nenhum cidadão português com residência no estrangeiro possa ter um registo ativo no RNU, perdendo assim acesso à inscrição nos cuidados de saúde primários, a médico e enfermeiro de família.

Para muitos portugueses que vivem no estrangeiro, o acompanhamento pelo médico de família quando visitam Portugal é a única forma de acesso a cuidados regulares de saúde, a serem vistos por alguém que conhece o seu historial clínico e fala a sua língua. Segundo a lei de bases de saúde e a Constituição da República Portuguesa, todos os cidadãos portugueses devem ter acesso ao SNS em igualdade de circunstâncias. Negá-lo aos emigrantes portugueses é uma óbvia discriminação que tem de ser corrigida o quando antes, revogando as alterações ao RNU para garantir que todos os portugueses, independentemente da sua residência, têm acesso a uma equipa de saúde familiar e aos cuidados de saúde primários no SNS.

Perante a indignação pública, o Ministro da Saúde afirmou que ninguém ficaria privado do acesso ao SNS, mas com o Despacho em vigor os emigrantes portugueses correm o risco de perder acesso a uma equipa de família e de terem de pagar os cuidados de saúde integralmente.

O que se exige é a:

  • Revogação das alterações ao Registo Nacional do Utente (RNU) que impedem que cidadãos portugueses residentes no estrangeiro possam ter um registo ativo e, consequentemente, acesso a médico e equipa de família, assim como à gratuitidade no acesso ao SNS.

As propostas do Bloco:

  • Alargamento da rede consular;

  • Reforço dos serviços consulares, com mais recursos humanos e reforço do número, tipo e qualidade dos serviços disponíveis online e por telemóvel. Este reforço deve ser acompanhado de uma nova capacidade de diplomacia cultural e económica, rentabilizando o investimento nessas infraestruturas físicas, digitais e equipas para promover sinergias com as câmaras de comércio, os institutos Camões e outras instituições de promoção da internacionalização da cultura portuguesa;

  • Aumento das assembleias eleitorais nos consulados para exercício do voto presencial e reforço do uso do voto postal;

  • Teste de voto eletrónico à distância, com a participação de especialistas de segurança das Universidades portuguesas, utilização de código aberto, e amplo escrutínio público;

  • Reforço dos meios da Segurança Social para garantir o atempado pagamento das reformas e pensões aos residentes no estrangeiro;

  • Fim das "propinas" no ensino do português no estrangeiro, gratuitidade dos manuais escolares e melhoria da qualidade de ensino, evitando agrupar alunos de 3 e 4 níveis de escolaridade dentro de uma única turma;

  • Aprofundamento da missão e reforço dos recursos do Instituto Camões e da RTP Internacional;

  • Criação de programas e dispositivos de apoio a projetos culturais e sociais nos territórios da emigração, que facilitem a preservação e transmissão da cultura, língua e história portuguesa e que permitam criar pontes com os territórios de acolhimento e combater o isolamento das comunidades portuguesas;

  • Ponderação das necessidades das comunidades emigrantes nas decisões estratégicas das empresas públicas, nomeadamente a TAP e a Caixa Geral de Depósitos.

18. Democracia e Informação

A imprensa é parte fundamental e integral da democracia. não se coaduna com precariedade, falta de financiamento ou com a opacidade de fundos que tentam interferir na linha editorial de jornais e rádios. Também não se coaduna com um governo que permite tudo isto.

O Bloco de Esquerda tem como prioridade a criação de uma assinatura digital gratuita para estudantes, um imposto sobre gigantes digitais para financiar a imprensa e a obrigatoriedade de transparência e de avaliação de idoneidade de acionistas e administradores de empresas detentoras de grupos de comunicação.

18.1. Imprensa livre pela democracia

Vivemos um tempo decisivo para os jornais, para a rádio, para a televisão. Os problemas identificados nos últimos anos agudizaram-se rapidamente. Este processo de degradação das condições em que é feito o jornalismo teve consequências extremas em alguns grupos de comunicação social, com jornalistas privados dos mais básicos direitos e com interesses obscuros organizados sob fundos de investimento sem rosto conhecido. Mas a crise é hoje transversal a todo o setor.

Esta crise não é de hoje, tendo consequência numa contínua quebra de vendas e receitas publicitárias, na escassez de recursos ou na generalização da precariedade das redações. As decisões que forem tomadas nos próximos anos responderão a uma pergunta essencial: está, ou não, assegurado o direito a informar e a ser informado? Não é uma questão menor. Num tempo em que o discurso de ódio se organiza na sombra da desinformação, um jornalismo rigoroso é fundamental para a salvaguarda da própria democracia.

Neste contexto de crise, o Estado tem duas obrigações. Desde logo, garantir que o serviço público é, em todas as suas vertentes, uma referência na comunicação social. Esta é uma expectativa legítima do público que lê, vê e ouve o serviço público. Mas é também uma exigência de todas as pessoas que o pagam e dos profissionais que o asseguram. O papel do Estado, porém, não se esgota na salvaguarda do serviço público. Ao Estado exige-se uma intervenção com vista a assegurar, na esfera das

suas competências, as condições de exercício do direito a informar e a ser informado; e a independência do jornalismo face aos poderes político e económico.

Para responder à crise da comunicação social e do jornalismo, o Bloco propõe:

Assegurar a autonomia e independência dos meios de comunicação:

  • Criar um programa nacional para a atribuição de uma assinatura digital gratuita de imprensa generalista a todos os estudantes do secundário e do ensino superior;

  • Criar um imposto sobre os gigantes digitais, conhecido como “Imposto Google”, tributando os seus rendimentos obtidos em território nacional como forma de financiar os apoios ao jornalismo;

  • Eliminação de IVA nas assinaturas comerciais;

  • Redução dos custos com a distribuição, através da reposição do porte pago como forma de apoio à distribuição, particularmente relevante para a imprensa local e regional;

  • Fomento dos géneros jornalísticos diminuídos sob o peso da crise (investigação jornalística, grande reportagem, etc): bolsas públicas, dirigidas a empresas de media, media comunitários, novos projetos e profissionais individuais – sob decisão de júris plurais e independentes.

Garantir a transparência e idoneidade dos acionistas dos meios de comunicação social:

  • Garantir a transparência de toda a cadeia da titularidade e a prévia avaliação da idoneidade dos acionistas e administradores das empresas e grupos de comunicação social, como condição de qualquer alteração na estrutura acionista;

  • Reintroduzir limites à concentração de órgãos de comunicação social regionais e locais;

  • Criar um fundo público de financiamento de risco para estímulo à criação de novos media, que mitigue as dificuldades comerciais do seu arranque (instalações, formas de apoio técnico, condições de crédito e fiscais) e permita o ensaio de novas formas de produção jornalística independentes do oligopólio.

Reforçar o serviços públicos de informação:

  • À importância da agência Lusa deve corresponder o adequado financiamento, que considere um reforço da indemnização compensatória e o seu atempado pagamento;

  • Proteger a Agência Lusa, garantindo a maioria da posição acionista do Estado na empresa através da aquisição das participações atualmente detidas pelo Global Media e pelas Páginas Civilizadas

  • Garantir o investimento necessário na RTP, tanto na televisão como na rádio, para superar o seu crónico subfinanciamento e respeitar os trabalhadores que asseguram o serviço público;

  • Rever o modelo de gestão da RTP, extinguindo o Conselho Geral Independente e assegurando que a Assembleia da República tem um papel central na definição da administração da empresa;

  • Dar posse a um administrador não-executivo da RTP eleito pelos trabalhadores;

  • Tornar público o Relatório Único, garantindo a transparência sobre os pagamentos a trabalhadores e avençados da RTP;

  • Adotar uma política de tolerância zero à precariedade no serviço público, impedindo novos contratos precários e integrando os que persistem na rádio, televisão e Agência Lusa.

Na imprensa livre não pode haver lugar para proprietários obscuros

Nos últimos meses, o Global Media Group, que detém importantes títulos da comunicação social portuguesa, tornou-se um exemplo dos problemas que resultam da falta de transparência e na falta de liberdade editorial.

O Global Media Group, no seguimento de um processo de reestruturação acionista, é agora controlado pelo fundo World Opportunity Fund, um fundo de investimento, com sede nas Bahamas, cuja propriedade do capital se desconhece. O processo de reestruturação foi concretizado através da venda da maioria do capital da empresa Páginas Civilizadas, que controla a Global Media, cessando Marco Galinha as funções de presidente da Comissão Executiva.

Entretanto, surgiram várias notícias que caracterizam uma situação de enorme instabilidade, com suspeitas de descapitalização das empresas e má gestão. Há salários em atraso, uma proposta de despedimento de cerca de 200 trabalhadores,

declarações públicas do CEO José Paulo Fafe que desprestigiam os órgãos de comunicação detidos pelo grupo, demissões das direções do JN, do Jogo, da TSF e do Dinheiro Vivo, acusações de interferência nas linhas editoriais e de pressões sobre jornalistas, suspeitas de tentativas de controlo da imprensa por interesses que não são certamente os da democracia.

O Bloco propõe:

  • O controlo público do grupo Global Media Group, com vista à salvaguarda da continuidade dos seus títulos e emissora de rádio, que são parte essencial da comunicação social portuguesa e do jornalismo de qualidade produzido. Estabilizado o grupo e as suas redações, ele deverá desenvolver-se futuramente como propriedade privada ou cooperativa.

18.2. Direitos digitais

Para Democratizar o acesso à internet

  • Serviço de internet universal a custos muito reduzidos e com volume e velocidade que evitem a infoexclusão. A tarifa social da internet decidida pelo governo junto dos operadores privados é limitada a agregados com carência económica, sem identificação automática no momento da adesão (dependente de requerimento) e com volume e velocidades que são apenas metade dos recomendados pela entidade reguladora do setor, a Anacom.

  • Neutralidade e liberdade de expressão na Internet. Nenhuma censura pode ser tolerada, nenhuma filtragem de conteúdos em estabelecimentos públicos, sejam bibliotecas públicas, académicas, de investigação ou arquivos sejam outros postos públicos de acesso. Os filtros já instalados deverão ser removidos;

  • Fim dos mecanismos anticópia (DRM) e defesa do direito à cópia privada; fim da criminalização da partilha de conteúdos para fins não comerciais;

  • Promoção do uso de Repositórios Abertos para a produção científica e de aprendizagem.

  • Produção científica financiada com dinheiros públicos deve ser aí depositada, como contrapartida obrigatória e como forma de divulgação;

  • O software criado ou comprado com dinheiro dos contribuintes deve ser software livre ou de código aberto, permitindo a reutilização pelas várias entidades da Administração Pública.

18.3. Reforçar a participação democrática

O sistema democrático português é herdeiro das lutas populares que há 50 anos derrubaram o fascismo e abriram caminho à construção de um país mais justo, solidário e inclusivo. Hoje, o desafio que a sociedade portuguesa nos coloca passa por defender a memória destas conquistas através do seu aprofundamento. Por isso, a resposta da esquerda só pode passar pelo reforço da participação popular e pela recusa de alterações à lei eleitoral que distorçam a proporcionalidade da representação.

As propostas do Bloco:

  • Atribuir o direito de voto a partir dos 16 anos de idade;

  • Redução de 20 mil para 7.500 as assinaturas necessárias para a apresentação de uma Iniciativas Legislativa de Cidadãos à Assembleia da República, e de 7.500 para 4.000 para a apresentação de uma petição;

  • Redução de 60 mil para 40 mil as assinaturas necessárias para a apresentação de uma Iniciativa de Referendo de Cidadãos à Assembleia da República;

  • Tornar obrigatório o regime de exclusividade dos deputados e deputadas à Assembleia da República, dos executivos das autarquias locais e das entidades intermunicipais que exerçam o cargo em regime de permanência;

  • Reforço das competências fiscalizadoras das Assembleias Municipais, designadamente a moção de censura ao executivo com caráter vinculativo;

19. Feminismo e Igualdade de Género

Com a maioria absoluta do PS os direitos das mulheres ficaram trás. O acesso ao aborto por decisão da mulher está a ser negado, na prática, e o Governo limitou-se, pura e simplesmente, a assobiar para o lado; a violência obstétrica não teve qualquer resposta, a pobreza menstrual é matéria em que o Governo nada fez e a espera para PMA torna-a impossível para muitas mulheres.

O Bloco de Esquerda compromete-se com avanços nas causas feministas. Por isso, propomos alterações à lei para promover o acesso à IVG, o apoio às vítimas de violência de género, a luta pela igualdade salarial e o combate à violência obstétrica.

O Feminismo é a causa das nossas vidas, a resposta aos desafios de todos os dias, pela liberdade, pela autodeterminação, pela igualdade, pela democracia. Em nome de todas as lutas e de todas as mulheres que ocuparam, e continuam a ocupar, as ruas contra o conservadorismo. Em nome de todos os direitos conquistados, que não poderão recuar, e de todos os direitos que ainda temos por conquistar.

Pelo acesso efetivo ao aborto legal, seguro e gratuito, pelo fim de todas as violências de género, pelo combate à desigualdade salarial e à exclusão social, pelo Serviço Nacional de Cuidados, pelo avanço nos direitos sexuais e reprodutivos, queremos um Estado feminista, social e cuidador.

19.1. Acesso efetivo ao direito ao aborto legal, seguro e gratuito

Dezassete anos após a aprovação da Lei n.º 16/2007, que descriminalizou o aborto a pedido da mulher e estabeleceu novos prazos para a exclusão de ilicitude da interrupção voluntária da gravidez, é necessário reconhecer que a sua aplicação enfrenta obstáculos efetivos no Serviço Nacional de Saúde.

Atualmente, mais de uma dezena de hospitais não realiza interrupções voluntárias da gravidez. Ainda que 71% das IVG sejam feitas em unidades do SNS, e outras se realizem por encaminhamento do serviço público, os inúmeros atrasos na marcação de consultas, a multiplicação de “serviços objetores de consciência” e a obstaculização de reencaminhamentos transformam-se em boicotes quotidianos ao acesso das mulheres ao aborto. Além da humilhação e das dificuldades a que estão sujeitas, muitas mulheres acabam por ter de recorrer a hospitais privados e a hospitais estrangeiros, ou simplesmente são empurradas para a ilegalidade pela incapacidade do SNS de cumprir os prazos legais.

O abuso da objeção de consciência é hoje reconhecido como um entrave à aplicação da lei. Este abuso ocorre quando, em vez de uma decisão de consciência individual, a objeção de consciência é exercida ad hoc como uma tomada de posição política coletiva em determinados serviços e/ou hospitais. A situação torna-se mais grave, por vezes inultrapassável, quando saímos dos grandes centros urbanos para territórios com menor oferta de serviços de saúde.

O Estado português tem obrigação legal de garantir que da objeção de consciência não resulta uma barreira ao aborto legal. Só uma fiscalização atenta pode fazer cumprir a lei (artigo 4, n.º 1), designadamente «assegurar que do exercício do direito de objeção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde não resulte inviabilidade de cumprimento dos prazos legais». Isto significa que, nas instituições públicas hospitalares com ginecologia e obstetrícia, os direitos sexuais e reprodutivos devem ser integralmente cumpridos. Nesse sentido, nos concursos de ingresso deve ser garantido que há vagas preenchidas com pessoas não objetoras de consciência.

Por outro lado, é preciso reconhecer que a lei portuguesa mantém-se uma das mais restritivas entre os países europeus que permitem a interrupção voluntária da gravidez.

Na maior parte dos países europeus, o limite gestacional para o aborto a pedido da mulher são as 12 semanas. No limite oposto, de 24 semanas, estão os Países Baixos. O limite gestacional de 14 semanas é aplicado na Alemanha, Bélgica, Espanha, França e Luxemburgo. Com um limite de 12 semanas encontram-se a Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Estónia, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Noruega e República Checa. Nesta matéria, é necessário que Portugal acompanhe as recomendações da OMS e do European Parliamentary Forum for Sexual and Reproductive Rights para Portugal.

Propostas:

  • Alteração à Lei n.º 16/2007, que descriminalizou o aborto a pedido da mulher, tendo como princípios orientadores: o O consenso internacional sobre prazos de exclusão de ilicitude da interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher e por razões de doença fetal; o As legislações que, desde 2007, têm sido aprovadas em diversos países, sustentadas nos direitos humanos e em princípios pró-escolha; o O princípio da igualdade no acesso à saúde, independentemente da nacionalidade e da zona do território em que residam as mulheres; o Fim do período de reflexão obrigatório; o Fim da exigência da intervenção de 2 médicos na Interrupção Voluntária da Gravidez. o Alargamento do prazo para a Interrupção Voluntária da Gravidez por decisão da mulher até às 12 primeiras semanas de gravidez;

  • A descentralização da prática do aborto médico, alargando-a para os centros de saúde e para as unidades de saúde familiar.

  • Instalação de um ponto focal sobre IVG e planeamento familiar em cada agrupamento de centros de saúde, como forma de aumentar o acesso à informação.

19.2. Violências de género

As violências de género, tantas vezes silenciadas, registam ano após ano estatísticas que envergonham o país. De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) mais recente, em 2022 houve 29 mil 258 participações por crime de violência doméstica contra mulheres, o que representa um aumento de participações de 9,7% face ao ano anterior. A violência doméstica contra cônjuge ou situação análoga continuou a ser o crime mais participado em Portugal (26 073 queixas). Sendo que do total de vítimas de violência doméstica, a maioria são mulheres e raparigas (72,4%), enquanto que a maioria dos denunciados são homens (80,2%). A marca de género destes crimes é inquestionável.

As violências de género sobressaem também nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual. Nos casos de abuso sexual de menores, 93,5% dos arguidos são homens e as suas vítimas correspondem a 82% de raparigas e 18% de rapazes. Nos crimes de violação, cujas denúncias cresceram 30,7% entre 2021 e 2022, 97,7% dos arguidos são homens e 93,6% das vítimas são mulheres.

A denúncia do crime de violação não pode continuar a ser responsabilidade única da vítima, o que exige a alteração da natureza do crime para crime público. Igualmente, a expressão do consentimento livre, conforme definida no artigo 36º da Convenção de Istambul, tem de ser claramente inscrita na tipificação do crime de violação, pois é na ausência de consentimento que radica a violência do ato e a natureza do crime.

Acresce que as mulheres mais pobres, as mulheres lésbicas, bissexuais e trans, as pessoas não-binárias, as pessoas racializadas e as pessoas com deficiência são alvo de múltiplas violências. Exemplo disso, as mulheres e raparigas com deficiência têm 2 a 5 vezes mais probabilidade de sofrer violência e 34% das mulheres com problemas de saúde ou com deficiência já foram agredidas física ou sexualmente por um companheiro, de acordo com dados revelados pelo Fórum Europeu da Deficiência.

Em Portugal, desde que foi criado o Observatório de Mulheres Assassinadas (UMAR) há registo de 647 mortes nas duas últimas décadas (2004-2023). Só entre 1 de janeiro e 15 de novembro de 2023, houve 25 mulheres assassinadas, tendo sido 15 vítimas de feminicídio em contexto de relações de intimidade e 10 noutros contextos. Em 12 dos casos de feminicídio tinha sido identificada violência prévia e em 6 deles já tinha sido feita denúncia às autoridades.

As mulheres vítimas de violência doméstica sofrem com especial gravidade os problemas de habitação, em especial, porque grande parte das vezes são elas que são forçadas a abandonar a casa de morada de família. As medidas de coação de afastamento da vítima têm de prever que quem abandona a casa de morada de família é o agressor e não a vítima.

Propostas:

  • Alteração da natureza do crime de violação para crime público;

  • Alargamento da bolsa pública de fogos para vítimas de violência doméstica;

  • Criação de uma bolsa pública, de renda acessível, para famílias monoparentais.

  • Garantia que as mulheres vítimas de violência doméstica e os seus filhos têm prioridade na atribuição de habitação pública e a custos controlados, no caso de terem de abandonar a moradia familiar;

  • Inscrição do princípio do consentimento, manifestado de forma clara e por vontade livre da pessoa, nos termos do artigo 36º da Convenção de Istambul;

  • Tipificação do crime de assédio sexual, em conformidade com a Convenção de Istambul, e reforço do combate à violência sexual online;

  • Reforço e expansão das Secções Especializadas Integradas de Violência Doméstica (SEIVD);

  • Formação especializada dos/as funcionários/as públicos/as da área social e judicial em matéria de violência de género;

  • Reforço do apoio às vítimas no decurso dos processos judiciais, nomeadamente através de ordens de interdição, de emergência, de restrição ou de proteção, de modo a afastar os agressores e não as vítimas;

  • Reforço do apoio às vítimas de violência doméstica, nomeadamente através do aprofundamento de direitos no trabalho, acesso à habitação, educação e segurança social;

  • Assegurar fontes de financiamento estáveis para a Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica e para as demais respostas de combate à violência de género;

  • Reconhecimento de que as crianças que são testemunhas de violência são profundamente afetadas por ela, o que impõe a avaliação da atribuição do estatuto de vítima e a obrigatoriedade de articulação entre a jurisdição criminal e a jurisdição de família e menores, incluindo a criação de tribunais com competência mista para esse efeito.

19.3. Valorização dos trabalhos essenciais, combate à desigualdade salarial e à exclusão social

A crise do custo de vida, da habitação e dos serviços públicos afeta de um modo particular as mulheres. As profissões onde as mulheres são maioritárias são tendencialmente as mais precárias e as que têm salários mais baixos.

As mulheres mais pobres, entre as quais mulheres racializadas e mulheres das comunidades imigrantes, são quem assegura o trabalho em setores muito permeáveis à informalidade, como os setores da limpeza, dos cuidados ou da restauração. São também as mulheres quem mais sofre com a falta da qualidade dos transportes públicos, com múltiplas jornadas de trabalho que se acumulam entre o trabalho assalariado e o trabalho doméstico e de cuidados não-pago. São as mulheres as mais prejudicadas na sua vida profissional pela falta de creches públicas e de equipamentos de apoio aos idosos e a pessoas com algum tipo de dependência.

Em 2023, o Dia Europeu da Igualdade Salarial foi comemorado a 14 de novembro, data a partir da qual, simbolicamente, as mulheres deixaram de ser pagas, devido à diferença salarial, que em 2021 era de 13,1%. A partir deste dia, é como se as mulheres trabalhassem gratuitamente até ao final do ano.

É um facto que as mulheres estão mais representadas em profissões com salários mais baixos, daqui resulta que 63% das trabalhadoras desempregadas tinham, prestações de desemprego até 500 euros, valor inferior aos 551 euros do limiar de pobreza (Relatório de 2023 sobre Pobreza e Exclusão Social; dados de 2022), e que 70,6% das 134 mil 347 pessoas abrangidas pelo complemento solidário para idosos sejam mulheres (dados de outubro de 2023).

A aprovação da lei da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ficou ainda longe do desejável. É necessário avaliar o impacto de uma lei cuja aplicação se limitava, nos primeiros três anos, às empresas com mais de 250 trabalhadores e revê-la no sentido da disponibilização de mais informação, abrangência de todos os empregadores, prazos mais apertados para as empresas resolverem a situação, reforço da fiscalização e das penalizações por incumprimento da igualdade salarial.

Propostas:

  • Revisão da lei da igualdade salarial de género, alargando a fiscalização a todas as entidades empregadoras e criando sanções para as empresas que não corrigirem a situação.

  • Criação de mecanismos de transparência salarial e de um plano conjunto da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e da Autoridade para as Condições do Trabalho para inspeção e sanções eficazes contra a desigualdade salarial de género.

19.3.1. Trabalho doméstico e de cuidados

As mulheres despendem em média 4 horas e 17 minutos no trabalho doméstico e de cuidados, totalizando uma jornada de trabalho diário de 12h23 para as mulheres, ao passo que a carga deste trabalho para os homens é, em média, de apenas 2h37.

Acresce que, apesar da lei prever licenças remuneradas para assistência a filhos ou netos, e de proteger quem falta ao trabalho para prestar assistência à família, o facto de serem as mulheres quem mais fica com esta carga, tem como consequência a persistência da desigualdade por via do salário indireto. As mulheres acabam por ter de faltar mais ao trabalho, não apenas porque tradicionalmente as tarefas de assistência a ascendentes e descendentes são sua responsabilidade, mas também porque 85,6% das famílias monoparentais são compostas por mãe e filhos. As consequências são salários reais e reformas futuras mais baixas.

[Gráfico 58 : A dupla jornada das mulheres]

Fonte: “Os usos do tempo de homens e de mulheres em Portugal. 2016”, CESIS

A Greve Feminista Internacional introduziu no debate político a ideia de “greve social”, que coloca no centro a vida concreta das mulheres, diferenciando “trabalho produtivo - assalariado” de “trabalho resprodutivo - não assalariado” estendendo o conceito de trabalho aos trabalhos invisibilizados de cuidados e domésticos. Uma reorganização social dos cuidados passa obrigatoriamente pela formalização do direito ao cuidado na lei, através de um Serviço Nacional de Cuidados, como o Bloco propõe em capítulo próprio. Mas também por soluções comunitárias, e mais partilha destas funções entre géneros.

19.4. Avançar nos direitos sexuais e reprodutivos

19.4.1. Erradicar a Violência Obstétrica

Em 2014, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou para o drama de “muitas mulheres [que] sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde”, afirmando que esse tratamento viola os “direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaça o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não-discriminação”.

A violência obstétrica é uma realidade pela qual muitas mulheres passam sem sequer a identificar como uma violação dos seus direitos. No entanto, o isolamento, a prática de atos médicos sem consentimento informado, os abusos físicos, psicológicos e verbais, a negação de anestesia, de acompanhamento ou de respeito pelas escolhas da mulher no momento do parto são uma experiência comum.

Em 2015, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto publicou um relatório sobre as “Experiências de Parto em Portugal” no qual 1468 mulheres (43% da amostra) afirmam não ter tido o parto que queriam, estando em causa não a ocorrência de situações inesperadas, mas a “perda de controlo sobre o processo do parto”. Tudo devia começar com a prestação de todas as informações necessárias a uma decisão sobre o próprio parto, no entanto, 43,3% declaram que não receberam “informação sobre algumas das suas opções possíveis no trabalho de parto e parto” e 44% não foram consultadas sobre as intervenções às quais foram sujeitas.

Apesar de recentes alterações positivas, a lei está longe de se traduzir numa mudança efetiva no combate à violência obstétrica. De tal modo que, em maio de 2021, uma ampla maioria na Assembleia da República aprovou uma recomendação ao Governo para a eliminação de práticas de violência obstétrica como a manobra de Kristeller, a episiotomia de rotina, e o escandalosamente chamado “ponto do marido”.

Propostas:

  • Criação de uma lei para a erradicação da violência obstétrica, promovendo educação sexual, da formação de profissionais de saúde e do reforço do respeito pelo plano de nascimento.

  • Criação da Comissão Nacional para os Direitos na Gravidez e no Parto, que assegure a produção de relatórios com dados oficiais sensíveis a fatores de discriminação como a orientação sexual e a pertença etnorracial e de campanhas de informação contra a violência obstétrica e pelos direitos na gravidez e no parto.

  • Reforço da proibição de práticas médicas desnecessárias e/ou não consentidas, como a episiotomia de rotina, que são declaradas inadequadas por organizações internacionais.

19.4.2. Educação sexual e saúde menstrual

As mulheres e as pessoas trans e não binárias são mais vulneráveis à pobreza e exclusão social. A falta de acesso a bens de necessidade básica como os produtos de saúde menstrual concorrem para o aprofundamento dessa exclusão. O acesso a produtos de saúde menstrual é muitas vezes dificultado pelo preço e também pela vergonha de falar abertamente sobre menstruação, o que tem consequências psicológicas, sociais e de saúde. É aqui também que entra a Educação pública como alicerce do combate às exclusões sociais mas também no acesso à informação sobre o corpo, saúde sexual e métodos contraceptivos, consentimento e sexualidades diversas.

Propostas:

  • Reforço do acesso a produtos de recolha menstrual através da sua distribuição gratuita em centros de saúde, escolas e outras instituições como estabelecimentos prisionais, centros de acolhimento ou salas de consumo assistido.

  • Criação de uma rede de cuidados contraceptivos nas escolas, em parceria com associações e centros de saúde, incluindo a distribuição de preservativos e produtos de saúde menstrual, e prosseguindo a consagração de um espaço curricular de educação sexual.

19.5. Participação política

Quando exigimos igualdade para todas as pessoas, é necessário reflectir: Quem vemos quando olhamos para os cargos de representação política? De que forma são negados ou obstaculizados espaços de discussão, construção e decisão política? Precisamos contrariar a lógica de exclusão e garantir representação e representatividade de todas as partes que compõem o todo nos órgãos de decisão política e em tantas outras esferas de afirmação de uma visão coletiva.

Propostas:

  • Reforço da regra da paridade na constituição de listas para a Assembleia da República (50%) e adoção da regra da paridade na composição do Tribunal Constitucional.

20. Racismo

As pessoas racializadas estão mais expostas ao desemprego e à precariedade, assim como à segregação territorial que as exclui e isola socialmente, que as atira para piores condições habitacionais e para maiores dificuldades de acesso a serviços públicos. A passadeira vermelha que o governo da maioria absoluta do PS estendeu à especulação na habitação acelerou e acentuou esta segregação.

Combater o racismo e as suas consequências passa por combater esta segregação e eliminar normas que incentivam à discriminação, como a possibilidade de paragem e identificação por forças de segurança com base em estereótipos raciais.

20.1. Não dar tréguas aos preconceitos e à discriminação

Em Portugal, a fragilidade das políticas públicas de efetivo combate à discriminação racial é flagrante, apesar da crescente visibilidade que a discussão sobre o racismo tem conquistado, resultante, em grande medida, da luta das organizações antirracistas.

Persistem na sociedade e nas instituições preocupantes manifestações de um racismo estrutural enraizado que priva as pessoas afrodescendentes, ciganas e de outras comunidades racializadas dos seus direitos fundamentais.

Um grande número de pessoas que vive em Portugal é diretamente afetada por manifestações de racismo e por discriminação com base nas suas características étnico-raciais ou nacionalidade, num exercício de alteridade e humilhação que afeta a dignidade, as oportunidades, a prosperidade, o bem-estar e, muitas vezes, a segurança.

A realização do Censos 2021 foi uma oportunidade perdida para a recolha de dados etnorraciais que nos permitam conhecer o pluralismo de identidades do país e aferir melhor as desigualdades baseadas no racismo estrutural. Entretanto, o Instituto Nacional de Estatística realizou outro estudo, o Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente 2023, o qual, apesar das suas limitações, traz informações relevantes e permite ilustrar algumas dessas desigualdades sobre as quais importa agir.

O Inquérito do INE indica que a seguinte autoidentificação das pessoas residentes em Portugal com idades entre os 18 e os 74: 6,4 milhões identificam-se como brancas; 169,2 mil como negras; 56,6 mil como asiáticas; 47,5 mil como ciganas; e 262,3 mil como de origem ou pertença mista. Relativamente à discriminação, mais de 1,2 milhões de pessoas foram discriminadas em Portugal e 2,7 milhões testemunharam discriminação. É relevante que a população maioritária afirme não sentir discriminações (ou sentir discriminações diferentes - socioeconómicas, por exemplo), mas declare a perceção e o testemunho de discriminação racial.

[Gráfico 59 : Experiência de discriminação]

Fonte: INE, Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente, 2023

[Gráfico 60 : Discriminação vivida, percebida e testemunhada por razões da discriminação, 2023]

Fonte: INE, Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente, 2023

“Libertar Portugal do colonialismo”: reconhecimento, diálogo e reconciliação

Como diz a Constituição, “libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa”. Nos 50 anos do 25 de Abril, é mais do que hora de assumir por inteiro esse caminho de libertação, quebrando silêncios e mitos sobre o colonialismo português.

O silêncio sobre a violência da escravatura e do colonialismo tem um peso cada vez maior na sociedade portuguesa. As crianças e os jovens, em particular os portugueses afrodescendentes, não podem continuar a receber na escola uma educação que normaliza o tráfico de pessoas escravizadas e que oculta as culturas e a resistência dos povos colonizados. Acresce que as pessoas racializadas e as mulheres permanecem grandemente ausentes do espaço público e dos seus lugares de memória.

Por todas estas razões, é tempo de o país reconhecer as múltiplas origens do seu povo e de se reconciliar com o seu passado.

As propostas do Bloco:

  • Criação de um programa público, aberto ao escrutínio e debate, proposto por especialistas, de levantamento das obras de arte não europeias em museus portugueses. Investigar a origem destas peças e abrir o caminho para a devolução daquelas que tenham sido roubadas ou adquiridas em contextos abusivos;

  • Criação de uma Comissão sobre a História do Colonialismo Português, a qual seria constituída por investigadores dos vários países envolvidos na história do colonialismo português, promovendo uma abordagem multilateral e visando um caminho de diálogo, reconhecimento e reconciliação;

  • Abertura do currículo escolar à reflexão sobre discriminações e racismo, incluindo a consideração da presença histórica de grupos discriminados na sociedade portuguesa, os processos históricos do colonialismo e da escravatura e os seus legados socioculturais;

  • Criação de uma Comissão pela Igualdade no Espaço Público que possa refletir sobre que pessoas estão ausentes do espaço público, que formas de memorialização das comunidades subalternizadas podem ser pensadas e que monumentos deveriam ser repensados.

  • Promoção, através do INE, de estudos mais aprofundados sobre a questão étnico-racial de forma a informar a decisão sobre políticas de combate às desigualdades.

O racismo mata. É isso que provam os brutais assassinatos com motivações racistas de Alcindo Monteiro, no dia 10 de junho de 1995, e Bruno Candé Marques, em julho de 2020. Por outro lado, persistem os casos de violência policial contra pessoas afrodescendentes e ciganas que muitas vezes redundam na impunidade dos infratores. As pessoas racializadas são mais paradas e identificadas pela polícia, num processo de criminalização e controlo dos corpos negros. As agressões a vários moradores da Cova da Moura na esquadra de Alfragide em 2015, à família Coxi em janeiro de 2019 no Bairro da Jamaica e a Cláudia Simões em janeiro de 2020 por um agente da PSP na Amadora, são alguns dos casos mais recentes e mediatizados de uma violência policial que resultou em mais de dez jovens negros mortos pelas forças policiais desde o início deste século, quase sempre de forma impune.

Queixas arquivadas e violência policial

A investigação realizada no âmbito do projeto COMBAT pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, revela que, entre 2006 e 2016, foram arquivados cerca de 80% dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) na sequência de queixas feitas por discriminação, uma significativa parte dos quais por prescrição (22%).

Num relatório divulgado em 2019, o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa (CPT) reportou que a violência policial e os maus tratos nas prisões são frequentes em Portugal e que as pessoas afrodescendentes, nacionais ou estrangeiras, estão mais expostas a violações de direitos humanos. A Amnistia Internacional Portugal tem também alertado para o problema.

De acordo com dados da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), em 2020 registaram-se 1.073 queixas contra a atuação das forças de segurança, verificando- se uma subida de cerca de 12% entre 2019 e 2020.

20.2. Racismo, precariedade e desemprego

Empurradas para a periferia dos centros urbanos ou para os arredores das localidades do interior, as comunidades racializadas, sobretudo negras e ciganas, são desproporcionalmente afetadas por processos de segregação territorial que as tornam mais vulneráveis ao isolamento, à exclusão social, à precariedade habitacional, à falta ou dificuldade de acesso a serviços públicos de qualidade (transportes, educação, saúde, respostas sociais, etc.), a violentos processos de despejo e demolição das suas casas e à criminalização dos territórios que habitam, estigmatizados como “bairros problemáticos” e sujeitos a um permanente estado de exceção.

As comunidades racializadas estão também sujeitas a maior precariedade laboral, taxas mais elevadas de desemprego, a sub-representação em profissões qualificadas e sobre-representação em profissões menos valorizadas socialmente e com pior remuneração Tudo isto é acompanhado de uma taxa de encarceramento claramente superior à média, num retrato cru da realidade do racismo estrutural.

Dados do INE relativos à população com origem nos países africanos já mostravam a sobre-representação nas profissões menos qualificadas, salários inferiores e taxas de desemprego duas vezes mais altas. O estudo mais recente, focado na questão etnorracial, vem ilustrar os aspetos relativos ao desemprego e às condições de vida.

[Gráfico 61 : Condição perante o trabalho]

Fonte: INE, Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente, 2023

Na educação, persistem práticas como a existência de turmas exclusivamente constituídas por alunas e alunos ciganos, afrodescendentes ou descendentes de migrantes, taxas mais elevadas de retenção no ensino básico e secundário e de encaminhamento para cursos profissionais para estudantes nacionais dos países africanos de língua oficial portuguesa, condicionando a frequência do ensino superior, ao qual esses alunos e alunas acedem cinco vezes menos do que os e as estudantes com nacionalidade portuguesa. A isto acresce a quase total ausência de docentes e dirigentes escolares pertencentes a grupos racializados e a inexistência de programas de ensino multilingue que incluam as línguas das comunidades de origem, bem como a persistência de uma visão eurocêntrica nos currículos e nos manuais escolares, que frequentemente perpetuam estereótipos e invisibilizam o conhecimento produzido e reproduzido por sujeitos racializados.

Desmantelar o edifício que sustenta o racismo é um imperativo de um projeto socialista do século XXI e requer, desde logo, o reconhecimento de que ele existe e se intersecta, mas não se confunde, com outros fatores de exclusão e de desigualdade. É preciso conhecermos a sua natureza, os seus processos, os seus efeitos, as suas múltiplas manifestações, a sua relação com outras categorias de opressão com as quais concorre para produzir desigualdades.

O Bloco confere centralidade às políticas de promoção de igualdade e de combate ao racismo. É tempo de romper com o estado de negação face ao racismo e ao discurso de ódio. O racismo institucional deve envergonhar um Estado de Direito que tantas vezes se vangloria das suas políticas de “integração”. O nosso compromisso é combatê-lo.

As propostas do Bloco:

  • Criação de um organismo autónomo na administração pública responsável por, além de executar medidas políticas transversais, desenhar programas específicos em função das necessidades e áreas de intervenção no combate às desigualdades étnico-raciais, do acesso ao emprego público à frequência do Ensino Superior, no qual estejam representadas organizações das comunidades racializadas, de imigrantes e antirracistas;

  • Formação específica das forças de segurança contra o racismo, prevenção e combate a práticas de perfilamento racial e apuramento rigoroso dos factos em situações reportadas de violência policial com contornos racistas;

  • Alocação do financiamento afeto aos Contratos Locais de Segurança, em vigor em bairros com forte presença de comunidades racializadas, a programas que tenham em vista a redução da vulnerabilidade social, a promoção da empregabilidade e o combate à discriminação racial, abandonando o paradigma de intervenção assente na criminalização dos bairros;

  • Fim dos despejos e demolições forçados em territórios com forte presença de pessoas e comunidades africanas, afrodescendentes e ciganas, sem a existência de uma alternativa de habitação digna;

  • Medidas legislativas e inspetivas especiais para proteção dos direitos laborais e combate à precariedade e exploração laboral nos setores de atividade em que pessoas provenientes das comunidades racializadas, em especial as mulheres, estão desproporcionalmente presentes (trabalho doméstico assalariado, serviços de limpeza e cuidadoras);

  • Medidas de ação afirmativa para promoção da igualdade e de combate à discriminação racial no domínio laboral, nomeadamente ao abrigo do artigo 27.º do Código de Trabalho, como forma de assegurar o acesso e representatividade nos vários setores de atividade, em particular no setor público, de pessoas racializadas;

  • Criação de Gabinetes de Inserção Profissional, como estrutura de apoio ao emprego em territórios economicamente desfavorecidos com forte presença de comunidades racializadas;

  • Alteração ao Código Penal, no sentido de abranger práticas de discriminação racial atualmente cobertas pelo regime contraordenacional;

  • Alteração, no sentido de garantir conformidade com o regime jurídico de combate à discriminação racial, dos artigos 240º do Código Penal e 250º do Código de Processo Penal;

  • Realização de um estudo nacional, de natureza abrangente e transversal, focado na discriminação racial, em articulação com as organizações antirracistas e representativas das diversas comunidades racializadas;

  • Concretização de programas de formação para docentes e outros agentes educativos para promoção da igualdade racial e valorização da história, línguas e culturas das comunidades migrantes e racializadas mais representadas, nomeadamente afrodescendentes e Roma/ciganas;

  • Oferta de ensino bilíngue nas línguas mais utilizadas em cada comunidade escolar;

  • Formação e contratação de mediadores e mediadoras escolares oriundos das comunidades racializadas mais representadas localmente;

  • Fim das turmas e escolas segregadas e do desproporcional encaminhamento de alunos e alunas do ensino básico das comunidades racializadas para vias profissionalizantes;

  • Criação de um contingente especial para candidatos e candidatas das comunidades racializadas no Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior;

  • Criação de equipamentos que ajudem a difundir um conhecimento mais completo e rigoroso da história do país, designadamente da escravatura, do colonialismo e do contributo de outros povos e comunidades para a sociedade e a cultura portuguesas;

  • Desenvolvimento de um processo participado de revisão crítica das políticas de memória nacional, através da criação e apoio a equipamentos e programas culturais que promovam uma visão de(s)colonial da História e da cultura, que incluam perspetivas e contributos de comunidades historicamente discriminadas e da recontextualização histórica dos equipamentos e lugares de memória existentes;

  • Criação de uma linha de financiamento para apoio a organizações antirracistas e representativas das comunidades racializadas;

  • Inclusão, no desenvolvimento de todas estas medidas, da participação direta de organizações antirracistas e representativas das comunidades racializadas.

21. Imigração

A exploração a que muitos trabalhadores imigrantes estão sujeitos, por exemplo no setor da agricultura, tem chocado o país. E, ainda assim, a maioria absoluta do PS tem permitido o abuso, ao não responsabilizar de facto os donos das empresas através de processos de fiscalização e de aplicação da lei mais eficazes. Os atrasos em mais de 300.000 processos de atribuição ou renovação de título de residência impedem o reagrupamento familiar e a integração de quem escolheu Portugal para viver e trabalhar.

São precisas medidas para promover o acolhimento e a inclusão social de quem quer aqui viver. Regularização dos processos pendentes, combate à exploração laboral e medidas na área da habitação e saúde são algumas das medidas que o Bloco de Esquerda propõe.

Portugal é um país envelhecido e com um saldo natural negativo. Há vários anos que o número de óbitos supera o número de nascimentos (em 2022: 124.311 óbitos para 83.671 nascimentos), ou seja, há vários anos que estaríamos a perder população, nomeadamente população em idade ativa, se não fosse o fluxo migratório.

As e os imigrantes que escolhem Portugal como país para trabalhar e viver são fundamentais para que a população não diminua e para que inúmeros setores de atividade continuem a funcionar no dia-a-dia.

[Gráfico 62 : Saldo natural, migratório e efetivo]

Fonte: INE e Observatório das Migrações (Indicadores de integração de imigrantes: relatório estatístico anual 2023, de Catarina Reis de Oliveira)

[Gráfico 63 : Pirâmide etário da população de nacionalidade portuguesa e estrangeira]

Fonte: Indicadores de integração de imigrantes: relatório estatístico anual 2023, de Catarina Reis de Oliveira)

Os imigrantes são também um contribuinte líquido para o nosso sistema de solidariedade social. Em 2022 contribuíram com €1.861 milhões para a Segurança Social, tendo beneficiado apenas de €257 milhões em apoios, ou seja, um contributo líquido de mais de €1.600 milhões. Na prática estão a contribuir para a sustentabilidade do sistema e a garantir que os pensionistas continuam a receber as suas reformas e que as pessoas que necessitam de apoios sociais podem continuar a tê-los.

[Gráfico 64 : Saldo das contribuições e prestações sociais da população de nacionalidade estrangeira]

Fonte: Indicadores de integração de imigrantes: relatório estatístico anual 2023, de Catarina Reis de Oliveira)

Estes dados mostram como os imigrantes que escolhem Portugal, o fazem para trabalhar e para contribuir para o desenvolvimento da sociedade. E, no entanto, muitas e muitos deles têm de enfrentar situações de abjeta exploração laboral e humana, de extrema precariedade de vida, de exclusão social e de preconceito.

Na agricultura e em profissões não qualificadas os imigrantes são usados como mão- de-obra muito barata, muitas vezes em regime de quase escravatura, como tantas vezes tem sido público nas estufas e explorações agrícolas. A trabalhar sem contratos, por vezes sem receberem os salários devidos, ou em regimes de precariedade laboral, os imigrantes estão expostos a um maior risco de pobreza, de exclusão social, de acidentes profissionais, por vezes mortais. Muitos acabam a viver na rua quando se acaba a atividade sazonal.

A situação de dezenas de timorenses que acabaram a dormir na rua ou os casos de quase escravatura no litoral alentejano que o Bloco de Esquerda tem denunciado são a prova de como os imigrantes são usados e explorados por agiotas, angariadores de mão-de-obra, produtores agrícolas e empresas de construção civil.

Combater as redes de tráfico, regularizar as situações de permanência, garantir direitos laborais e o respeito pelos mais básicos direitos humanos é essencial, assim como a responsabilização automática de toda a cadeia de produção e de subcontratção pelas situações de exploração e violação de direitos.

De facto, segundo o Observatório das Migrações, as pessoas nacionais de países terceiros tinham uma taxa de risco de pobreza e de exclusão social significativamente mais alta (34,1% contra 19,8%) quando comparada com a população portuguesa.

Estes números espelham a falta de mecanismos de inclusão e de integração, realidade visível na saúde, onde as dificuldades de acesso persistem e a falta de intérpretes e de mediadores é por demais evidente, ou na habitação, onde é sobre as pessoas imigrantes que recai o preconceito e a xenofobia na altura de arrendar uma casa em Portugal. Como demonstra o relatório do projeto MigraMyths 2023, mais de 90% dos imigrantes dizem ter sentido discriminação no acesso à habitação, relatando como comuns a penalização nos requisitos de arrendamento ou a indisponibilidade de arrendamento por ser imigrante.

Gráfico 65

Fonte: Relatório do Projeto MigraMyths sobre Imigração e a discriminação na habitação em Portugal, 2023

A situação de muitas e muitos migrantes agravou-se na última legislatura, com bloqueios e atrasos nos processos de regularização. A Agência para a Integração, Migrações e Asilo diz necessitar de um ano e meio para recuperar os processos herdados pelo SEF e estima a existência de 300.000 processos pendentes, seja de atribuição ou renovação de Títulos de Residência, seja de reagrupamento familiar, indispensável a uma integração saudável.

As propostas do Bloco:

  • Investir em políticas de acolhimento de imigrantes, desde logo celeridade nos processos de atribuição e renovação de título de residência, para reagrupamento familiar e integração no mercado de trabalho com direitos.

  • Combater as formas de exploração de imigrantes, desde agiotas a redes de angariação de mão-de-obra, passando pela responsabilização de toda a cadeia de angariação, utilização e subcontratação, que se escondem através de “empresas na hora”.

  • Criar um programa especial de promoção de habitação e infraestruturação para territórios com elevado recrutamento de mão-de-obra migrante, co-responsabilizando o estado central, as empresas beneficiárias e as autarquias locais.

  • Combater a discriminação no acesso à habitação e, no caso de refugiados, garantir a estabilidade habitacional, através de uma política de programação do parque habitacional para primeiro acolhimento e progressiva autonomização pessoal e familiar.

  • Programas de ensino bilíngue e abertura dos espaços escolares à vida cultural das comunidades;

  • Incremento do programa “Português Língua de Acolhimento”, de modo a garantir oferta contínua de ensino formal da língua portuguesa desde o início da permanência em Portugal;

  • Garantia de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, contratação de intérpretes e mediadores culturais para as unidades de saúde com elevada percentagem de população migrante.

  • Garantia de prestação de cuidados de saúde e de monitorização do estado de saúde a todos os refugiados e requerentes de asilo.

  • Formação contínua dos técnicos da Segurança Social e de outras entidades públicas sobre temas relacionados com migrações e asilo;

  • Direito de voto a todas as pessoas titulares de autorização de residência em Portugal, independentemente da existência de acordos de reciprocidade com os países de origem (atualmente, estes acordos abrangem, além dos membros da UE, uma dúzia de países e só para eleições autárquicas; destes, só os nacionais do Brasil e de Cabo Verde podem ser eleitos, ao fim de dois anos);

  • Criação de uma linha de financiamento para apoio a organizações de pessoas migrantes e refugiadas no quadro do orçamento de Estado.

22. Lgbtqi+

Tem sido a determinação e a luta do Bloco que desde sempre tem garantido avanços nos direitos LGBTQI+. Mais recentemente, a autodeterminação de género nas escolas ou a criminalização das chamadas “terapias” de conversão foram disso exemplo. Mas há ainda muito para fazer e só o Bloco de Esquerda é capaz de o fazer.

Na saúde, formação de profissionais para a saúde trans, reforço dos serviços de sexologia clínica e aumento de acesso à PrEP e à PEP; na habitação, projetos de cohousing e de housing first; no empoderamento da comunidade, a capacitação e financiamento de associações LGBTQI+. São algumas das medidas que o Bloco quer ver concretizadas.

22.1. Afirmar direitos contra a homofobia e a transfobia

A luta do movimento LGBTQI+ tem percorrido um longo e difícil caminho. Só em 1982 a homossexualidade deixou de ser considerada crime em Portugal. Neste caminho, o Bloco de Esquerda, desde a sua fundação em 1999, tem sido uma força determinante no parlamento e nas lutas. Entre 2000 e 2024, os avanços legais e a visibilidade social da população LGBTQI+ são impressionantes, mesmo reconhecendo o tanto que há para fazer. A LGBTQfobia e as suas múltiplas formas de violência continuam a marcar o quotidiano de milhares de pessoas, há uma nova onda internacional de ódio conservador.

[Gráfico 66 : Percentagem de pessoas LGBTQI+ adultas (30 países)]

Fonte: LGBT+ Pride Study 2023 Global Survey

Na legislatura que agora termina, o Bloco bateu-se, com sucesso, pelo direito à autodeterminação de género nas escolas e pela criminalização das chamadas “terapias” de conversão (práticas de tortura infligidas sobre pessoas LGBTQI+). Também conseguimos alcançar o fim da obrigatoriedade, no registo civil, do alinhamento do nome próprio com os géneros masculino e feminino. No entanto, não houve abertura dos outros partidos para maiores avanços nos direitos das pessoas não-binárias. Também ficou por fazer um investimento sério no acesso das pessoas LGBTQI+ à saúde e na formação dos profissionais dos serviços públicos para que, no dia-a-dia, estejam capacitados para assegurar o cumprimento dos direitos já reconhecidos na lei.

Exclusão habitacional dos jovens LGBTQI+

De acordo com a FRA (Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia), os jovens LGBTQI+ estão entre os grupos com maior risco de ser expulsos de casa 28% dos jovens LGBTQI+ relatam ter passado pelo menos uma vez pela situação de exclusão habitacional ou de sem-abrigo, uma percentagem que ultrapassa os 50% no caso das pessoas trans jovens. As pessoas LGBTQI+ representam 20% a 40% de toda a população sem-abrigo nos vários países estudados.

[Gráfico 67 : Denúncias da prática do bullying (motivos)]

Fonte: Neves, Sofia (coordenação científica), Bárbara Ferreira e Janete Borges (2022), Observatório Nacional do Bullying - Resultados de 2022. Associação Plano i.

É preciso fazer mais para garantir a igualdade. Em Portugal, o bullying homofóbico e transfóbico ainda é uma realidade, nas escolas e na sociedade; e o acesso ao trabalho, aos serviços públicos e ao usufruto do espaço público continua a ser negado e dificultado às pessoas LGBTQI+. Por exemplo, segundo o relatório da FRA 2020 – A long way to go for LGBTI equality, 57% dos casais do mesmo sexo em Portugal evitam dar a mão em público. Apesar da Comissão Europeia ter apresentado a primeira estratégia da UE para a igualdade das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e queer, não devemos adiar medidas de combate contra a discriminação, medidas de proteção e segurança que possibilitem avançar na construção de uma sociedade mais inclusiva.

Direito a não ter marcador de sexo no Cartão de Cidadão

A expansão dos direitos das pessoas transgénero e do reconhecimento à autodeterminação da identidade e expressão de género tem levado a uma maior compreensão do género como um espectro amplo, perante o qual o sistema binário de classificação homem/mulher é limitativo. Por outro lado, a identificação não- binária surge também, crescentemente, como uma declaração existencial avessa à conformação do que é “ser homem” e “ser mulher”. O sistema de classificação binário nasce do mesmo preconceito patriarcal que atribui a cada pessoa, desde o nascimento, um papel de género (masculino/feminino) assente na hierarquia e na divisão sexual. Historicamente, a rigidez da classificação binária foi também uma imposição colonial europeia a culturas que reconheciam mais de dois géneros ou que não atribuíam a essa classificação a mesma relevância ou função em estruturas de poder e dominação.

Se, por um lado, efetivamente, os sexos não são binários - são um espectro que passa por feminino, intersexo e masculino, por outro lado, o Registo Civil, que apenas considera dois sexos, é a base atual dos mecanismos legais de proteção da igualdade de género, nomeadamente em termos de combate à violência contra as mulheres e em matéria de promoção da paridade na representação política. Por essa razão, não propomos alterar o registo civil de sexos, devendo manter-se a versão que resultou da lei da autodeterminação de género de 2018.

Para consagrar o respeito pela identidade das pessoas não-binárias e de género diverso e tendo em consideração a atual realidade social e legal do país e ainda a experiência de outros países e as lutas dos movimentos feminista e LGBTQI+, o Bloco de Esquerda propõe que se permita às pessoas intersexo, não-binárias e de género diverso requerer que não haja identificação de sexo no seu documento de identificação.

As propostas do Bloco:

  • Plano de formação da Função Pública em direitos LGBTQI+;

  • Criação de um projeto nacional de Housing First para pessoas trans em situação de sem abrigo;

  • Capacitar organizações LGBTQI+ com respostas de co-housing e abrigos de emergência para pessoas LGBTQI+, promovendo espaços seguros e acessíveis;

  • Promover através da DGS a estandardização das normas de acesso das pessoas trans à saúde e de tratamento em todas as instâncias, evitando desigualdades no acesso a tratamentos ao longo do território nacional;

  • Reforço dos serviços de sexologia clínica, englobando temas de saúde LBGTQI+, com profissionais de saúde capacitados para formar profissionais de outras áreas;

  • Promover o acesso às profilaxias pré e pós-exposição ao HIV (PEP e PrEP);

  • Consagração de um tempos curricular efetivo de Educação Sexual, especificamente dedicado a estes temas, nos ensinos básico e secundário e atualização do programa;

  • Adaptação de procedimentos e formulários da Administração Pública à realidade portuguesa, na sua diversidade sexual e familiar;

  • Introdução da identidade de género, da expressão de género e das características sexuais no artigo 13º “Princípio da Igualdade” da Constituição da República Portuguesa;

  • Criação de uma lei quadro para a promoção do exercício à autodeterminação da identidade de género, expressão de género e do direito à proteção das características sexuais, definindo um conjunto de princípios a adotar por entidades públicas e privadas nas áreas da educação, da saúde, do trabalho, da habitação e da proteção social, bem como a criação de procedimentos de prevenção e denúncia de atos de violência contra pessoas LGBTQI+;

  • Realização de inquérito nacional sobre a diversidade populacional portuguesa, com enfoque na orientação sexual, identidade de género, expressão de género e características sexuais, identificando as suas condições de vida e problemas sociais específicos. Só conhecendo a realidade é possível o desenho de políticas públicas de combate à discriminação;

  • Criação da lei de reconhecimento das organizações não governamentais LGBTQI+;

  • Criação de uma entidade pública com competências na área LGBTQI+;

  • Criação de uma rede nacional de centros de referência LGBTQI+ nos principais centros urbanos, a construir e gerir em parceria com autarquias e associações/ativistas;

  • Criação de uma linha de financiamento para apoio a organizações LGBTQI+;

  • Reconhecimento legal de identidades LGBTQI+ como fundamento para atribuição de asilo e proteção.

23. Pessoas com Deficiência

A taxa de desemprego nas pessoas com deficiência tem estado a aumentar. Sem surpresa, isso faz com que estas pessoas estejam muito mais expostas à pobreza. As respostas sociais que o Governo do PS tem canalizado são esmagadoramente na área da institucionalização. Ora, isso é exatamente o oposto do que se reivindica. Uma vida independente e promoção da autonomia: isso é que deve ser o objetivo.

Para tal o Bloco de Esquerda propõe-se a criar uma prestação social para a autogestão da Vida Independente e investir na desinstitucionalização, autonomização e serviços de apoio a pessoas com deficiência.

As pessoas com deficiência continuam a ser discriminadas no nosso país. Têm uma taxa de desemprego mais elevada, sofrem mais com a pobreza, têm dificuldade de acesso a serviços e apoios públicos, têm mais abandono escolar e são mais institucionalizadas. Estes são apenas alguns dados que mostram como há ainda tanto para fazer em Portugal para alcançarmos uma sociedade de plenos direitos para todas as pessoas, com ou sem deficiência. Mostram também como a maioria absoluta do PS não foi resposta para estas cidadãs e cidadãos.

Nos últimos anos a desigualdade no acesso ao emprego aumentou e mais de 62% das pessoas com deficiência estava em risco de pobreza, número que salta para os 86,1% se considerarmos apenas as pessoas com deficiência com mais de 65 anos.

Segundo o relatório Pessoas com Deficiência em Portugal: indicadores de direitos humanos 2023, o desemprego nas pessoas com deficiência tem estado a aumentar e mantém-se uma diferença discriminatória e negativa quando comparado com a população geral.

[Gráfico 68 : Evolução do Desemprego na população com deficiência, 2015-2023]

[Gráfico 69 : Taxa de desemprego na população geral e na população com deficiência]

Para além da desigualdade no acesso ao trabalho – e, por consequência, no acesso a um salário – há outras desigualdades que subsistem, como demonstram a taxa de abandono escolar ou a taxa de risco de pobreza.

Quando comparamos o abandono escolar vemos que a taxa é claramente maior nas pessoas com deficiência e se compararmos este indicador ao longo dos últimos anos constatamos que a disparidade entre pessoas sem deficiência e pessoas com deficiência tem vindo a aumentar.

[Gráfico 70 : Abandono escolar entre jovens com e sem deficiência]

[Gráfico 71 : Disparidade no abandono escolar, jovens com e sem deficiência]

Segundo os resultados preliminares do estudo “Ponto de situação da educação inclusiva em Portugal”, realizado por uma equipa do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, “aproximadamente um quarto dos [502] inquiridos refere que o aluno e/ou família foi objeto de alguma situação de discriminação/maus-tratos/injustiça em meio escolar”.

Outra das questões analisadas foi a transição para a vida pós-escolar, tendo o estudo concluído que, dos alunos com plano de transição, quase um terço (32%) são encaminhados para a integração numa instituição.

Ao olharmos para o risco de pobreza, o que se verifica é que este é muito superior entre as pessoas com deficiência, algo que certamente não está desligado da maior dificuldade em encontrar emprego, isto é, um rendimento fixo que contribui também para a pensão de reforma. De facto, a taxa de risco de pobreza antes de transferências sociais é de quase dois terços (62%) na população com deficiência acima dos 16 anos e ultrapassa os 86% na população com mais de 65 anos, uma taxa muito superior à registada na população em geral.

[Gráfico 72 : taxa de risco de pobreza, população com e sem deficiência]

Apoios insuficientes para combater a pobreza e garantir a autonomia das pessoas com deficiência

Os projetos de vida independente têm sido entregues a IPSS quando deviam servir para apoiar diretamente as pessoas com deficiência, de forma a garantir que as mesmas possam construir uma vida autónoma. Infelizmente a maior parte das pessoas que poderiam – e deveriam – ter acesso a um apoio mensal para a sua independência continuam sem o ter, enquanto as IPSS continuam a concentrar muitos dos apoios.

Para além deste aspeto fundamental, também o acesso a produtos de apoio continua burocrático, complicado e exíguo, assim como o subsídio por assistência de terceira pessoa que é atribuído para compensar o acréscimo de encargos familiares resultantes da situação de dependência das crianças e jovens com bonificação por deficiência do abono de família, e que necessitem pelo menos de 6 horas diárias de acompanhamento por uma terceira pessoa, tem o valor pouco mais de 100 euros mensais. Significa uma compensação de 60 cêntimos por hora a quem presta esse apoio.

O complemento por dependência é atribuído aos pensionistas e beneficiários da Prestação Social para a Inclusão que se encontram numa situação de dependência e que precisam da ajuda de outra pessoa para satisfazer as necessidades básicas da vida quotidiana, tem um valor que depende do tipo de pensão que recebem (contributiva ou não) e do grau de dependência (acamado ou não). Esse valor oscila entre os 95,31 e os 190,61 euros.

Esta realidade mostra um país em que o discurso sobre os direitos humanos é frequentemente pouco mais que isso mesmo. A ótica assistencialista e institucionalizadora das políticas é parte desse problema.

Uma alternativa à institucionalização

A institucionalização das pessoas com deficiência é uma violação dos seus direitos humanos que estão consignados na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada pelo Estado Português em 2009.

A ratificação da Convenção pelo Estado Português e todas as orientações internacionais, que vão desde a Comissão Europeia ao Conselho da Europa, não impediu a persistência de políticas institucionalizadoras.

Segundo os últimos dados públicos, o número de respostas sociais dirigidas a Pessoas com Deficiência ou Incapacidade evidenciou, entre 2000 e 2021, um crescimento de 99 %, mantendo a tendência de crescimento ao longo de toda a série. As respostas Lar Residencial e CACI, em 2021, foram as que apresentaram um maior peso relativo, representando, à semelhança de 2020, 70 % do total de respostas para este grupo-alvo.

Gráfico 73

Ou seja, a resposta principal continua a ser a institucionalização e não a promoção da autonomia e de uma vida independente. Em setembro de 2023 registavam-se 1042 Planos Individualizados de Assistência Pessoal (PIAP) ativos no âmbito dos projeto-piloto MAVI, com uma média de horas diárias de assistência pessoal de apenas 2,66 horas, números claramente insuficientes.

É urgente a elaboração de um plano de desinstitucionalização.

É mais que tempo de abandonar definitivamente as políticas assistencialistas e institucionalizadoras que têm sido dominantes e promover uma política baseada nos direitos humanos, que crie todas as condições necessárias ao cumprimento do que está estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

As propostas do Bloco:

  • Realização de um inquérito nacional de caracterização sócio-demográfica da população com deficiência;

  • Criação de uma prestação social universal para a autogestão da Vida Independente com base na avaliação final da execução dos projetos-piloto do MAVI, que respeite a filosofia de vida independente cumprindo princípios básicos como o pagamento direto aos e às destinatárias do número de horas de assistência necessárias à concretização do seu projeto de vida e a livre escolha da assistência pessoal;

  • Criação e regulamentação da profissão de Assistente Pessoal;

  • Criação de um programa de desinstitucionalização, subordinado aos seguintes princípios:

    • Reversão do processo de institucionalização pela condição de deficiência; o Transferência faseada dos recursos destinados às instituições residenciais de longa duração para serviços de base comunitária integrados com condições para atender e servir as pessoas com deficiência; o Desenvolvimento de um sistema de assistência pessoal individualizada; o Mudança sistémica no sentido do abandono das políticas para a deficiência baseadas no modelo médico/reabilitador e se fundamentem no modelo social a todos os níveis. Da habitação à saúde. Dos transportes à educação e formação profissional. Do emprego a prestações sociais que permitam uma vida digna.
    • Preparação/formação das pessoas institucionalizadas para uma vida em sociedade, reforço da sua capacidade de autonomia.
    • Formação dos trabalhadores e trabalhadoras das organizações institucionalizadoras para preencher as necessidades dos serviços a criar.
  • Revisão da PSI para alterar as regras de acesso e condição de recursos de modo a não incluir os rendimentos de familiares para a capitação do beneficiário e alargar acesso a todas as pessoas com 60% ou mais de incapacidade;

  • Aumento do Complemento por dependência e do Subsídio por assistência de terceira pessoa;

  • Possibilidade de incluir pessoas com deficiência, sem limite de idade no IRS dos seus ascendentes, desde que tenham obtido um rendimento anual de trabalho por conta de outrem ou de pensões igual ou inferior a 9870 euros, e que não tenham sido sujeitas a retenção na fonte ou pelo tempo que se encontrem desempregadas, sem que tenham de ser consideradas inaptas para o trabalho;

  • Fiscalização do cumprimento da legislação de quotas de emprego e alargamento do novo regime para o teletrabalho às pessoas com deficiência;

  • Alargamento da antecipação da idade pessoal de reforma, sem penalização, para pessoas com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, a partir dos 55 anos e majoração dos dias de férias, em função do grau de incapacidade;

  • Permissão para os trabalhadores e trabalhadoras com deficiência que à data do pedido de acesso à pensão de velhice preenchiam os requisitos definidos no Decreto-Lei n.º 18/2023 de 3 de março, requererem o recálculo da sua pensão, de acordo com as condições estabelecidas no referido Decreto-Lei;

  • Introdução do Direito a 150h anuais de Interpretação de Língua Gestual Portuguesa no código do trabalho;

  • Alargamento para 100% do financiamento em regime de crédito bonificado à habitação e criação de um contingente para pessoas com deficiência na oferta pública de habitação a custos controlados;

  • Garantia de financiamento público à adaptação de barreiras arquitetónicas e urbanísticas dos espaços públicos, com a fiscalização do cumprimento do Decreto Lei 163/06, cujo prazo terminou em 2017;

  • Adaptação das infraestruturas de transportes e respetivo material circulante e proibição da sua aquisição quando não cumpre as normas de acessibilidade;

  • Generalização do Balcão da Inclusão a todos os Municípios, mediante apoio da Administração Central às autarquias para a sua instalação;

  • Criação de condições para a inclusão de estudantes com necessidades educativas especiais no ensino superior através da garantia de verbas para as instituições de ensino superior para garantir recursos especializados, materiais pedagógicos, alojamentos adaptados e assistência pessoal;

  • Criação de condições para o efetivo cumprimento do Regime do Maior Acompanhado, nomeadamente através da criação de um sistema de apoio à tomada de decisão por pessoas com deficiência, e da formação de magistrados e demais profissionais da Justiça sobre os direitos tutelados na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência;

  • Deferimento de apoio jurídico gratuito a todas as pessoas quando apresentam queixa por discriminação em razão da deficiência;

  • Reforço da Educação Bilíngue para os alunos Surdos e da aprendizagem da Língua Gestual Portuguesa para todas as pessoas;

  • Reforço da áudio descrição, legendagem e interpretação de Língua Gestual Portuguesa dos conteúdos audiovisuais;

  • Promoção do reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa como idioma oficial do Estado português;

  • Sensibilização da comunidade médica para os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência, nomeadamente na pré-concepção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento, no pós-parto e na interrupção voluntária da gravidez;

  • Criminalização de práticas de esterilização forçada de raparigas e mulheres com deficiência;

  • Reforçar o apoio financeiro às organizações de pessoas com deficiência e criar uma linha de financiamento para apoio às mesmas.

23. Drogas e Consumos

Já passaram mais de vinte anos desde que Portugal deu o corajoso passo da descriminalização do consumo de drogas. Mas de lá para cá tem marcado passo. As contraordenações por consumo aumentam, os traficantes é que definem as regras do mercado e as políticas de redução de riscos só a muito custo é que saem do papel.

É preciso que a próxima legislatura seja a da legalização da canábis e a do investimento decidido em respostas de redução de riscos e minimização de danos.

23.1. Uma política responsável para as drogas e outros consumos

A descriminalização do consumo das drogas foi um passo decisivo no sentido de uma política correta de abordagem aos consumos. O seu sucesso é referido internacionalmente, o que ressalta das comparações com outros países que, ao contrário de Portugal, insistiram em políticas proibicionistas e persecutórias: tratar os consumidores de drogas como criminosos provoca mortes. A diferença entre o sucesso da política portuguesa e o fracasso da abordagem norte-americana, sueca ou inglesa é flagrante.

[Gráfico 73: Número de mortes por consumo de droga, por milhão de habitantes]

Fonte: Commonwealth Fund

Apesar deste avanço, permanecem na lei inaceitáveis paradoxos proibicionistas. Está na hora de rever e alargar a agenda desta política, para desenvolver o modelo baseado na regulação e no respeito pelos direitos humanos.

As pessoas que consomem drogas devem ser respeitadas na sua autonomia e a sua discriminação, nos serviços de saúde ou no sistema judicial deve ser combatida com eficácia. Ao fazê-lo estaremos a defender alguns dos cidadãos e cidadãs mais vulneráveis e a criar melhores condições de saúde pública.

Cannabis: a legalização não pode esperar mais

Há 20 anos que o Bloco de Esquerda defende a legalização da cannabis para uso pessoal. Enquanto Portugal não avança nesta matéria continuam as detenções e contraordenações por mera posse para consumo e continuam a ser vendidos na rua produtos sem controlo de qualidade, muitas vezes adulterados e cada vez mais potentes.

[Gráfico 74: Processo de contraordenação por consumo, 2021]

Fonte: SICAD

[Gráfico 75: Evolução da potência da canábis vendida 2010-2020]

Fonte: Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência

A ilegalidade é a forma de fazer com que sejam os traficantes a estabelecer as regras do mercado. Tal não é aceitável. O Estado deve legalizar e regular o cultivo, aquisição e consumo de canábis. Experiências como as do Uruguai e, mais recentemente, Malta, ou o processo de legalização em marcha na Alemanha mostram como temos estado corretos. Defender a liberdade e a saúde pública faz- se legalizando e não varrendo para debaixo do tapete. A proibição só tem servido para fomentar o tráfico e aumentar os produtos adulterados que circulam nas ruas.

A próxima legislatura tem de ser a da legalização. O Bloco de Esquerda voltará a propor:

  • A legalização da canábis para uso pessoal, num enquadramento legal de regulação, desde a produção até à venda;

  • A possibilidade legal de autocultivo.

Em vez de proibicionistas anacrónicos e contraproducentes é preciso apostar em medidas, que a par da liberdade de decisão sobre o consumo, promovam a prevenção e a redução de riscos, por exemplo.

Assim, o Bloco de Esquerda propõe:

  • Criação de um programa nacional de salas de consumo assistido nos territórios onde se justifique;

  • Reforço dos serviços de “drug-checking” para proteção de consumidores e consumidoras, prevenção de riscos e avaliação de padrões de consumo;

  • Reforço da rede de mediadores e mediadoras e promover a capacidade de resposta de quem consome;

  • Redução da espera para tratamentos e disponibilização de recursos para adaptação das equipas de tratamento a novos públicos e novos consumos;

  • Limitação à publicidade e marketing que promova bebidas alcoólicas em festivais culturais ou eventos desportivos;

  • Reinvestimento em programas de inserção profissional para pessoas com percursos de dependência, com acompanhamento especializado;

  • Desenvolvimento de linhas orientadoras na área da prevenção adaptadas a realidades locais, disponibilizando formação às equipas que acompanham crianças, jovens e famílias, utilizando programas de promoção de competências validados e de eficácia comprovada.

  • Distribuição alargada de naloxona a consumidores, familiares e equipas de Redução de Riscos e Minimização de Danos (RRMD), de forma a permitir intervenção em situações de overdose;

  • Programas-piloto [PL1] de prescrição de heroína sob controlo médico, à semelhança de países como a Dinamarca, a Alemanha ou o Reino Unido.

  • Financiamento a 100% dos projetos de Redução de Riscos e Minimização de Danos, permitindo ainda que estes tenham uma duração superior a 24 meses.

  • Comparticipação de medicamentos e reforço das consultas para cessação tabágica.

  • Reforço do número de profissionais na área de alcoologia para que os tratamentos iniciem imediatamente após a decisão da pessoa em causa.

  • Reforço de sistemas de certificação para intervenções de prevenção, para evitar expôr as pessoas (especialmente jovens) a intervenções ineficazes ou até prejudiciais

  • Reforço de sistemas de monitorização e disponibilização de dados para que a investigação e as políticas públicas se adaptem à realidade.

24. Bem-estar Animal

Nos últimos dois anos, pouco avançou na proteção e bem-estar animal, sendo que a exploração dos animais é impulsionada principalmente pelo lucro, sem a devida consideração científica e social.

O atual governo não adotou medidas eficazes, evidenciado pela falta de implementação de propostas como a alteração da idade mínima para assistir a touradas ou a criação de um Sistema Nacional de Saúde para animais.

O Bloco de Esquerda propõe um conjunto abrangente de medidas, incluindo aprofundamento da legislação contra maus tratos, criação de uma Rede de Centros de Recolha Oficial, ampliação de abrigos, inclusão de associações de proteção animal no mecenato, presença de veterinários nos matadouros, fim da exportação de animais vivos, promoção da proteína vegetal, proibição gradual de gaiolas na agropecuária, entre outras iniciativas.

Nos últimos dois anos pouco mudou na proteção e bem-estar animal. Sejamos claros: o que está em grande medida por trás dos abusos e da intensificação na exploração dos animais é a procura de lucro.

Nenhum Governo comprometido com os grandes interesses económicos irá disputar essa lógica, nem reconhecer os avanços científicos e sociais pelo respeito dos animais. Mesmo que pontualmente se anunciem vitórias podem nem sequer sair do papel, como a alteração da idade mínima para assistir a touradas para os 16 anos ou o Sistema Nacional de Saúde para animais.

A luta pelo respeito dos animais e a luta contra todas as violências que lhes são feitas na pecuária, no entretenimento, na experimentação animal é uma luta que só pode ser feita se afrontar esses interesses económicos e só será consistente se se incluir numa perspetiva anticapitalista na qual o Bloco de Esquerda se identifica.

O Bloco de Esquerda defende medidas que devem envolver toda a comunidade, na garantia do respeito por todos os animais, e na reivindicação de modelos de soberania alimentar, de sistemas agroalimentares e padrões de consumo sustentáveis e de repúdio de perpetuação de práticas de violência e que combatam a exploração e as relações de dominação a todas as escalas, nomeadamente a violência e objetificação com que a indústria e as políticas, na sua grande maioria, encaram os animais.

As propostas do Bloco:

  • Aprofundamento da legislação sobre maus tratos a animais, que inclua animais para fins de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial ou para fins de espetáculo comercial;

  • Criação de uma Rede de Centros de Recolha Oficial que abranja todos os municípios e que atenda às necessidades de esterilização de animais errantes, assilvestrados e de companhia;

  • Ampliação da rede abrigos preparados para receber animais domésticos e selvagens, impedindo que, por falta de espaços, seja dada a guarda dos animais a quem os maltratou ou negligenciou;

  • Inclusão das associações de proteção de animais na lei do mecenato, tal como já acontece com organizações de defesa do ambiente e outras;

  • Garantia da presença nos matadouros de profissionais de medicina veterinária em número suficiente para a devida fiscalização de trabalhadores e trabalhadoras por volume e tipo de animais;

  • Fim da exportação de animais vivos para viagens marítimas superiores a oito horas e sua substituição por transporte em frio. Proibição de transporte de fêmeas grávidas, a amamentar, e de animais não desmamados;

  • Criação de um plano nacional de promoção da proteína vegetal;

  • Proibição gradual do uso de gaiolas na agropecuária;

  • Valorização da Comissão Nacional para a Proteção dos Animais Utilizados para Fins Científicos e estudo de medidas de redução de utilização de animais para fins científicos;

  • Preparar a estrutura da proteção civil alargando o seu domínio de atuação ao planeamento de soluções de emergência, visando a busca, o salvamento, a prestação de socorro e de assistência, bem como a evacuação, alojamento e abastecimento dos animais;

  • Consagração da figura do animal comunitário e admissão da sua alimentação e permanência em locais próprios e em articulação com os serviços veterinários e de limpeza pública;

  • Veterinário municipal a tempo inteiro em cada município;

  • Programa de acesso a cuidados veterinários dos animais de companhia de tutores com baixos rendimentos, envolvendo e apoiando faculdades de veterinária e veterinários municipais na prestação desses cuidados.

Entretenimento com animais:

  • Eliminação dos apoios públicos, diretos e indiretos, a eventos tauromáquicos e a outros espetáculos que submetam os animais a sofrimento físico ou psíquico;

  • Interdição do trabalho de menores em todas as atividades tauromáquicas, mesmo que amadoras;

  • Conversão em espaços culturais das praças de touros fixas sem utilização;

  • Antecipação da proibição de espetáculos com animais, promovendo a entrega voluntária e reforçando a lista de animais interditos;

  • Proibição de espectáculos com cetáceos e outros mamíferos marinhos. Transferências destes animais para habitats mais naturais.

  • Proibição das corridas competitivas de galgos.

Atividades cinegéticas:

  • Atribuição em exclusividade ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) das competências no âmbito dos procedimentos administrativos que autorizam atividades cinegéticas;

  • Reforço da proteção de espécies em vias de extinção e suspensão da caça de espécies ameaçadas ou quase ameaçadas ou ainda com estatuto desconhecido;

  • Proibição da posse, utilização e comercialização de instrumentos usados exclusivamente para captura ilegal de aves selvagens não cinegéticas;

  • Expansão das áreas de incidência do PACLobo a todo o território continental e promoção de medidas que fomentem presas silvestres do lobo-ibérico;

  • Reforço do quadro de trabalhadores no setor da conservação do ICNF;

  • Restrição e fiscalização dos repovoamentos de exemplares de espécies cinegéticas em território nacional e promover censos anuais de todas as espécies cinegéticas;

  • Proibir a prática de tiro a animais criados em cativeiro para servirem de alvo em campos de treino de caça e eventos de tiro.

  • Classificação como terrenos não cinegéticos os terrenos murados ou «cercões»;

  • Criação de áreas mínimas obrigatórias de refúgio em todas as zonas de caça.

25. Política Externa

A maioria absoluta do PS tem escolhido a subordinação - e submissão - aos senhores do poder e da guerra. Aceita uma política monetária que castiga fortemente quem tem crédito à habitação e uma política orçamental que retira recursos aos serviços públicos e ao investimento no país. Aceita a escalada de guerra na Ucrânia e o genocídio em curso em Gaza sem sequer ter coragem de avançar para a o reconhecimento do Estado da Palestina.

O Bloco de Esquerda quer a autonomia total do país para decisões sobre o sistema financeiro, a desvinculação do Tratado Orçamental, a saída da NATO e um processo de desarmamento multilateral e o reconhecimento imediato do Estado da Palestina, assim como o julgamento do governo de Israel por genocídio e crimes de guerra.

25.1. Uma política europeia para defender o país

O aumento generalizado dos preços, dos combustíveis à habitação, criou lucros multimilionários às grandes empresas por toda a Europa. No entanto, o chamado ‘combate à inflação’ está a ser feito à custa de quem trabalha para, por exemplo, pagar o seu crédito à habitação. A política monetária do BCE de aumento consecutivo das taxas de juro retirou centenas de euros ao orçamento mensal de muitas famílias.

Portugal, com um Banco de Portugal submetido ao BCE, e amarrado a uma União Bancária europeia que retira elementos de soberania ao nosso país, acatou e replicou essas subidas de juros. Ao mesmo tempo, a subjugação ao Tratado Orçamental e a vontade do Governo de maioria absoluta bajular os tecnocratas de Bruxelas fizeram com que uma parte significativa da riqueza nacional não fosse utilizada para as políticas, quer de combate à inflação, quer de promoção do bem-estar da população.

Os mais de 6 mil milhões de euros de excedente orçamental acumulados durante o ano de 2023 mostram como havia recursos mais do que suficientes para contratar mais para o SNS e para a escola pública, para aumentar mais os salários e as pensões ou para ter mais habitação pública. A opção não foi essa. E enquanto Portugal estiver subjugado às regras de mercado liberal que a Europa tenta impor através dos seus tratados orçamentais, os serviços públicos e o Estado social sairão sempre a perder.

O Bloco de Esquerda mantém o seu projeto de uma Europa de democracia, liberdade e solidariedade. É esse compromisso que impõe a insubmissão à União Europeia dos tratados e das regras do euro.

As propostas do Bloco:

  • Autonomia total do país na tomada de decisões sobre o sistema financeiro, incluindo processos de nacionalização, recapitalização, resgate, resolução ou venda;

  • Eliminação das regras do mercado interno que condicionam a possibilidade de decisões soberanas sobre política industrial dos Estados-membros, nomeadamente no que diz respeito a políticas de compras públicas, motivadas pelo desenvolvimento de setores estratégicos ou de circuitos curtos;

  • Definição de um limiar mínimo para a tributação dos rendimentos de capital em todos os Estados-membros e territórios da União Europeia;

  • Exclusão da comparticipação nacional associada aos fundos comunitários do cálculo do défice, bem como do investimento público associado a serviços públicos essenciais e cumprimento das metas ambientais;

  • Desvinculação do país do Tratado Orçamental;

  • Inversão das prioridades da política monetária, na medida em que se mantenha o atual quadro institucional, colocando a promoção do pleno emprego como objetivo primário do Banco Central Europeu;

  • Reforço da política de coesão, seja através de recursos próprios assentes na tributação de rendimentos de capital, seja através do aumento das contribuições, e da sua capacidade redistributiva;

  • Definição de padrões de proteção laboral, social e ambiental em todo o espaço europeu, que trave a corrida para o fundo nos direitos e na sustentabilidade, e imposição desses padrões em quaisquer acordos comerciais com países ou regiões terceiras.

25.2. Uma política externa pela paz e pelos direitos humanos

De todas as políticas de que se faz a política em Portugal, a política externa é porventura aquela em que o consenso centrista se afigura mais blindado. O argumento de que se trata de uma “política de Estado” e que, por isso, deve estar imune às mudanças de política interna é o álibi com que se perpetua o grande consenso do bloco central.

Com este pretexto o Governo português assume posições de alinhamento internacional contrárias ao que a Constituição diz dever ser o papel de Portugal nas relações internacionais.

A posição sobre o massacre em curso na Faixa de Gaza é disso exemplo. Perante dezenas de milhares de civis palestinianos assassinados, hospitais e campos de refugiados bombardeados, impedimento de acesso à ajuda humanitária, perante a expansão do projeto colonialista de Israel que só pode ser travado com o reconhecimento internacional do Estado da Palestina, o Governo português recusou ser um dos Estados a fazer esse reconhecimento. Fê-lo com a desculpa mais cobarde: que só avançaria para tal posição quando os ‘parceiros’ europeus o fizessem também. Os mesmos parceiros europeus que ao longo de décadas fecharam os olhos à agressão colonial israelita e que, no presente, não apoiam a ação da África do Sul para julgamento do governo de Netanyahu por genocídio.

Na Ucrânia, onde o projeto imperialista russo fez uma invasão desde logo condenada pelo Bloco de Esquerda, as negociações pela paz já deviam ter substituído a escalada armamentista há muito. A União Europeia tem-se revelado completamente incapaz de tal posição e, dentro dela, Portugal também. A subserviência à NATO, de quem não esquecemos os crimes no Iraque, Afeganistão, Síria ou Líbano, dificulta qualquer processo de paz, mas esse é o alinhamento escolhido pelo Governo português que, aliás, até tem aumentado as transferências para esta organização de guerra.

A política internacional de Portugal deve estar alinhada, isso sim, com os princípios da autodeterminação dos povos, da paz e dos direitos humanos. É isso que o Bloco de Esquerda propõe:

  • Reconhecimento imediato do Estado da Palestina por parte de Portugal;

  • Iniciativa para investigação e julgamento do governo de Israel por crimes de guerra e genocídio;

  • Cimeira pela Paz na Europa para um fim negociado da invasão russa à Ucrânia em alternativa à escalada armamentista;

  • Saída de Portugal da NATO e defesa do desarmamento negociado e multilateral;

  • Conversão da Base das Lajes num aeroporto plenamente civil, exigindo aos EUA as indemnizações devidas pelos danos ambientais e sociais causados;

  • Defesa nos fóruns internacionais relevantes da organização do referendo de autodeterminação do Sahara Ocidental sob a égide das Nações Unidas;

  • Reforço da dotação orçamental para a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) para os 0,7% do Rendimento Nacional Bruto que constituem a meta internacional reafirmada em diversas ocasiões e subordinação da afetação da APD e a cooperação internacional para o desenvolvimento portuguesas a critérios de necessidade e solidariedade ao invés de interesses securitários, comerciais e económicos.

© 2024 Elege. Todos os direitos reservados.
Termos e Condições
Política de Privacidade